quinta-feira, 27 de março de 2014

Tereza Cruvinel - Já era tempo‏

Tereza Cruvinel - Já era tempo

Ao chamar Ricardo Berzoini para a articulação política, a presidente informa que lhe caiu a ficha sobre o grau de esgarçamento da própria coalizão


Estado de Minas: 27/03/2014


Quando um governo apoiado por uma coalizão que reúne quase 400 dos 513 deputados leva quatro meses para aprovar uma lei relevante como o Marco Civil da Internet, ou não consegue evitar a convocação caprichosa de 10 ministros pela Câmara, algo mais grave pode acontecer se continuar falhando na articulação política. A presidente Dilma demorou para compreender isso. Foi há duas semanas, quando a base governista se rebelou, formando o já falecido “blocão”, que ela acolheu a sugestão feita pelo ex-presidente Lula há quatro meses e convidou o deputado Ricardo Berzoini para ser ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, a SRI. A primeira pergunta dele foi sobre o destino da ministra Ideli Salvatti, que Dilma já resolvera: substituiria na Secretaria de Direitos Humanos a ministra Maria do Rosário, já informada de que não sairia na semana passada, com os demais ministros que serão candidatos.

O problema da Petrobras e o risco de uma CPI mista no Congresso ainda não estava, portanto, em pauta. Mas Berzoini tomará posse no curso de uma das mais delicadas situações políticas já enfrentadas pelo governo atual, pois envolve a própria Dilma, na condição de presidente do conselho de administração que aprovou a danosa compra de uma refinaria no Texas, EUA. Se a vasta coalizão governista não acumulasse tantas insatisfações, seja com a prepotência palaciana, o desdém de Dilma ou o mal atendimento dos ministros, afora as tensões pré-eleitorais na relação com o PT nos estados, a oposição, com suas limitações nas duas Casas, nem estaria falando em CPI. Restaurar o tecido da coalizão será o principal desafio do futuro ministro, quando fala do que o espera: “Há quatro meses, quando o (ex) presidente Lula me falou disso, respondi que pretendia renovar meu mandato de deputado, mas, como sempre, não fugiria de uma missão, se minha contribuição fosse importante. Agora, quando a presidente me convidou, disse-lhe o mesmo. É isso que vou fazer: emprestar minha experiência, minhas relações com as diferentes correntes, construídas nestes anos todos de parlamento, ao objetivo de ampliar o diálogo entre os dois Poderes em favor da agenda de interesse do país”.

Berzoini está no quarto mandato federal, já foi ministro da Previdência e do Trabalho e presidente do PT. Tem os atributos para sair-se bem. O sindicalista “duro” que chegou à Câmara em 1999 se tornou um dos melhores negociadores da bancada petista e um interlocutor confiável a aliados e adversários. A vida entre os deputados tem seus códigos, suas manhas, sua cultura. Na semana passada, por exemplo, com Marco Maia, Cândido Vaccarezza, José Mentor e outros petistas empenhados em assoprar as feridas, jantaram na casa do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, e alguns peemedebistas. Entre eles, o líder Eduardo Cunha, protagonista da rebelião que fez a ficha de Dilma cair sobre o grau de esgarçamento da coalizão. Lá, ficaram até de madrugada, conversando abobrinhas. Costumes quase fúteis, mas importantes no dia a dia da política.

São antigas as críticas de Berzoini à gestão política do governo. Não a Ideli, que ele reconhecia muito empenhada, porém carente da autonomia e dos instrumentos necessários à articulação política. Aqui, ou em qualquer democracia que exige a prática da coalizão, tais instrumentos são os mesmos: aos aliados, o governo deve garantir o cumprimento dos acordos, o compartilhamento do poder (o que envolve cargos e emendas orçamentárias) e um mínimo de atenção e carinho, como reclamam eles. Um deputado gostaria de estar em seu município quando Dilma lá aparece para a formatura de uma turma do Pronatec ou para entregar tratores e retroescavadeiras. Mas, quando são convidados, reclamam, é na véspera, não dá tempo de ir. E estando lá, gostariam de apertar a mão da presidente, mas acontece até de serem barrados no palanque. Esse jogo, Berzoini compreende e domina, mas terá de contar com a boa vontade de Dilma, com a parceria do ministro Aloizio Mercadante e – parece que houve aceno neste sentido – com o fortalecimento da minúscula (e hoje desacreditada) SRI. Quanto a Ideli, vai agora para a Secretaria de Direitos Humanos, mas deve ser indicada ministra do TCU no fim do ano, o que também dependerá dos aliados. O governo já perdeu duas indicações para o tribunal, em mais um sinal de que as coisas não estavam funcionando.

Seleção das espécies

A lei brasileira prevê que os membros dos conselhos de administração das estatais são, todos eles, responsáveis solidários pelos atos da diretoria, onde a responsabilidade também é colegiada. Na Ação Penal 470, do chamado mensalão, apenas um diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, foi processado, embora todos tenham assinado o ato questionado. Agora, a oposição representou apenas contra Dilma Rousseff no Ministério Público, pela aprovação da compra da refinaria nos EUA. Outros integrantes, inclusive três pesos-pesados do setor privado, como Jorge Gerdau, Claudio Haddad e Fabio Barbosa, não foram mencionados. A ata da reunião diz que eles também votaram a favor.

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