Tereza Cruvinel - Lorotas da planície
Esta semana, o governo recuou de três
posições que antes adotou como dogmas. Um sinal de que a presidente
começa a compreender melhor a natureza da relação com o Congresso
Estado de Minas: 20/03/2014
O que há de
verdade nas informações difusas sobre a possibilidade de o ex-presidente
Lula vir a ser vice de Dilma e Fernando Henrique vice de Aécio Neves?
Se tal cenário se realizasse, a polarização PT-PSDB, que há 20 anos
marca a política brasileira, teria chegado a seu estado mais cru, com os
dois ex-presidentes duelando em favor de seus projetos políticos,
relegando aos candidatos o papel de coadjuvantes, o que para eles, seria
péssimo. E por que razão figuras que já ocuparam o mais alto posto da
República, e hoje desfrutam de confortáveis cadeiras no barco da
história, iriam agora se jogar ao mar, entrando numa luta renhida para
ocupar um lugar menor, quase decorativo? E por que tanto Dilma quanto
Aécio aceitariam tal situação que os diminuiria, como se precisassem de
fiadores, muletas ou tutores? Não ficaria bem para ninguém.
No
entorno de Lula, a ideia é considerada esdrúxula. Mas sabe-se como ela
surgiu. Na semana passada, no auge da crise com o PMDB, alguns petistas
deram uma resposta desaforada: se vocês quiserem mesmo romper, vamos
lançar uma bomba atômica, a imbatível chapa Dilma-Lula. O desaforo
começou a ser repetido e virou notícia. Os mais próximos de Lula
recomendam que não se aposte um centavo nessa hipótese. O papel que ele
vai cumprir, novamente, é o de grande cabo eleitoral e fiador da
reeleição de Dilma. Fará todo o esforço para que ela ganhe no primeiro
turno, ciente de que vencer no segundo dará mais trabalho. A
recomposição com Eduardo Campos no segundo turno foi descartada pelos
eventos recentes: ele marchou rapidamente demais para a oposição e o PT
passou a tratá-lo como adversário. Se não chegar ao segundo turno,
apoiará Aécio. Se chegar, terá o apoio tucano. Mas, diziam ontem
auxiliares de Lula, ele não disse o nome de Eduardo, que foi seu
ministro e que pensou em apoiar como candidato a presidente em 2018,
quando falou dos perigos de uma candidatura que surja do nada, correndo
por fora como Collor em 1989. Mas, neste momento, não há nenhum outsider
na disputa.
No círculo mais próximo de Aécio, não se ouve nada
diferente. Apenas o adjetivo para a ideia passa de esdrúxula para
estapafúrdia. Lembra o dirigente tucano, reservadamente, que o recurso a
FHC como vice seria algo desastroso para Aécio. Não pela imagem de
Fernando Henrique, que teria de fato passado por importante
reabilitação, mas pela de Aécio, que seria visto como um candidato
tutelado. Ademais, Fernando Henrique estaria descendo do olimpo em que
convive com importantes estadistas mundiais para uma refrega na planície
que só o diminuiria. Mas, criada a lenda, Aécio teve que dizer que se
sentiria honrado, e o próprio FHC também não pôde desqualificar a ideia
que, além de tudo, expressa uma descortesia para com o DEM e o
Solidariedade, aliados com os quais Aécio vem tratando de consolidar a
aliança.
Recuar é fazer política
Esta
semana, em três pontos que antes considerava inegociáveis com o
Congresso, o governo deu meia-volta, volver. Aceitou recompor, por meio
de algum projeto complementar, a lei sobre a criação de municípios,
vetada pela presidente Dilma. Depois de ter proclamado a tática de
isolar o líder rebelde Eduardo Cunha, do PMDB, ministros o chamaram para
negociar o Marco Civil da Internet, quebrando o gelo para a
reaproximação com a bancada. E, por fim, o governo cedeu num ponto do
Marco Civil que também era tido como intocável: a armazenagem dos dados
de comunicações de brasileiros em datacenters instalados no próprio
país. Para a questão da neutralidade de rede, chegaram a uma fórmula
ainda pouco clara de regulamentação, assegurando a votação na semana que
vem. Cada um deve ter cedido um pouco: governo, PMDB e teles.
Esses
movimentos indicam não exatamente uma capitulação, mas a maior
compreensão da presidente sobre a natureza das relações com o Congresso,
que não é um ministério, mas um outro Poder. Em tal relação, governos
que adotam postura impositiva acabam sempre pagando um preço alto. Não
importa se seus integrantes são santos ou demônios. Foram postos lá pelo
povo, e nessa condição são negociadores legítimos, goste-se ou não.
Menos mal para Dilma, que na semana passada teve uma mostra dos efeitos
nefastos da queda de braço.
Memória do golpe: a vingança
Seguindo
com nossa minissérie de notas sobre os 50 anos do golpe civil-militar
de 1964, o ato formal da ruptura institucional representou uma das mais
calculadas, ferinas, sofisticadas, porém malignas vinganças da história
política brasileira. Os golpistas já haviam dominado a situação militar
quando o presidente João Goulart, na noite de 1º de abril, voou para
Porto Alegre onde Brizola e o general Ladário Telles, comandante do II
Exército, o chamavam para resistir. Ele ainda voava quando o senador
Auro de Moura Andrade, presidente do Congresso, embora informado do
deslocamento por Darcy Ribeiro, chefe do Gabinete Civil, declarou vaga a
Presidência da República e empossou o presidente da Câmara, Ranieri
Mazzilli.
Auro se vingava com requinte. Em 1961, ainda sob o
parlamentarismo, Jango o convidara para ser primeiro ministro, mas
exigira uma carta de renúncia não datada. Se eles tivessem divergências
graves, o presidente poderia demiti-lo divulgando a carta de renúncia.
Logo depois de nomeado, Auro divergiu de Jango sobre a formação do
ministério. Foi surpreendido pela notícia de que pediu demissão. Jango o
demitiu divulgando a carta. No golpe, ele o demitiu, e com isso abriu
as portas para a ditadura.
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