Mudança de lua
Tereza Cruvinel
Estado de Minas: 18/03/2014
Tereza Cruvinel
Estado de Minas: 18/03/2014
Depois de três meses
de idas e vindas, a presidente Dilma encerrou ontem a reforma do
ministério, com a qual teve mais perdas do que ganhos, colhendo mais
desgaste do que apoios. A cerimônia foi morna, e notável a ausência dos
deputados do PMDB, ainda com os brios feridos pela refrega da qual
saíram com o espaço reduzido no governo. De um lado e de outro,
entretanto, o ambiente, agora, é de busca da distensão, a começar pelo
encontro de ontem entre o líder dos rebeldes, Eduardo Cunha, e os
ministros Mercadante (Gabinete Civil) e Eduardo Cardoso (Justiça).
O instinto de preservação do poder parece ter falado alto a todos: nem Dilma está em condições de esnobar o PMDB nem o partido tem alternativas mais seguras nesta eleição em que a presidente, por ora, é favorita. Mas, na semana passada, no auge da crise, ameaças pesadas chegaram a ser feitas. Afora o desabafo de Dilma, que teria dito preferir a derrota eleitoral a ter que se submeter a chantagens, no Congresso, petistas e peemedebistas foram ao limite nos arroubos verbais. Alguns petistas fizeram chegar aos aliados que, se eles quisessem mesmo romper a aliança, não teria problema. O PT viria com uma bomba atômica, a chapa Dilma-Lula, com o ex-presidente no lugar de Michel Temer. A tão provocador recado, alguns peemedebistas reagido, insinuado que alguma denúncia, sobre mensalão e outros escândalos, poderia tornar Lula inelegível. Como se vê, petistas e peemedebistas chegaram a trocar socos abaixo da chamada linha da cintura. Agora, é esperar para ver aonde chega a distensão, que depende muito da arrumação final dos palanques nos estados.
No caso do marco civil da Internet, projeto que foi pretexto para a reunião de ontem entre ministros de Dilma e o líder do PMDB, o mais provável é uma nova derrota, a não ser que o governo aceite recuar no ponto que o PMDB considera inaceitável, a chamada neutralidade da rede (proibindo as teles de diferenciar os acessos oferecidos segundo a velocidade contratada). Mas, mesmo os termos dela podem ter sido negociados, agora que Dilma parece disposta a engolir em seco para se recompor com o PMDB e os demais aliados.
Em seu discurso, ela não falou em crise e foi pródiga em elogios aos que saíram, entre eles os pemedebista Antônio Andrade, que deixou a pasta da Agricultura, e Gastão Vieira, que deixou a de Turismo. Louvou o trabalho inovador de Marcelo Crivella, do PR, que implantou o ministério da Pesca, o do petista Pepe Vargas, no Desenvolvimento Agrário, e o de Marco Antônio Raupp em Ciência e Tecnologia. Parece ter caprichado nos elogios a Agnaldo Ribeiro, de Cidades, que tocou o Programa Minha Casa, Minha Vida. Se ela for pragmática, com o ministério recomposto e a crise amainada, agora pilotará o governo com um mínimo de marola no tempo que lhe resta, com ou sem reeleição. Mas a natureza de cada pessoa tem sua dose de inescapável. Difícil imaginar que ela mudará de estilo só porque isso é conveniente.
Nem tanto
Os novos ministros, ao serem anunciados na semana passada, foram muito criticados por serem pouco conhecidos no plano nacional. São, em sua maioria, técnicos ou especialistas, mas, pelas presenças políticas que atraíram, não são nomes irrelevantes em seus estados. Representando o governador tucano Antônio Anastasia (MG), o secretário do setor, deputado Narcio Rodrigues, foi ao Planalto prestigiar a posse do ex-reitor Clélio Campolina Diniz no ministério de Ciência e Tecnologia. “Um grande nome de Minas, acima dos partidos”, disse Narcio. Outro governador tucano, Teotônio Vilela Filho (AL), e seu vice, Thomas Nonô, do DEM, lá estiveram prestigiando dois novos ministros. O alagoano Vinicius Lage, de Turismo, e o novo ministro de Cidades, que é mineiro, mas viveu muito tempo em Alagoas. Não faltaram as fotografias com um e outro.
Há 50 anos: a marcha
Nas evocações do cinquentenário do golpe civil-militar de 1964, amanhã completam-se 50 anos da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em São Paulo, no clima de polarização aguda que se seguiu ao Comício da Central, no dia 13, em que o presidente João Goulart assinou o decreto da reforma agrária e anunciou a estatização de refinarias privadas, entre outras medidas. Elas estavam em debate havia meses. Novidade foi a multidão reunida a favor deles e de Jango. A do dia19 foi a primeira de um total de 49 marchas de católicos conservadores contra o presidente e o fantasma do comunismo, com o qual a direita, com apoio da CIA, amedrontrou a população e criou o clima para o golpe. A partir do dia 31, elas vão se chamar Marcha da vitória e só vão terminar em 8 de abril. A de São Paulo foi idealizada pelo deputado Cunha Bueno, inspirado pelo padre irlandês Patrick Peyton, que havia rezado uma missa contra a “ameaça vermelha” na televisão. O apoio logístico foi garantido pelo governador de São Paulo, Ademar de Barros, que conspirava pela derrubada de Jango. Sua mulher, Leonor, arregimentou mulheres para o ato. O Ipes - Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, entidade financiada pela CIA e pela Fiesp, deram suporte ao ato. Na marcha, não faltaram panfletos, faixas e cartazes, alguns pedindo “Jango no xadrez”. Outros, bem humorados, diziam: “Vermelho bom, só no batom”. Ou ainda, “verde e amarelo, sem foice e sem martelo”. No dia seguinte, o adido militar americano, general Vernon Walters, informou a superiores em Washington que a marcha “deu novo ânimo” aos militares que preparavam o golpe.
O clero progressista, favorável ao enfrentamento dos problemas sociais, já existia, tendo como ícone maior dom Helder Câmara, que o regime perseguiria. Mas só nos anos 1970, a corrente ganharia força na Igreja e a levaria a cumprir um importante papel na denúncia de torturas e abusos do regime e no esforço pela redemocratização. Nessa fase, a estrela foi dom Paulo Evaristo Arns, a quem devemos a mais importante documentação sobre o período, o projeto “Brasil, Nunca Mais”.
Mas eis que, no próximo sábado, grupos de jovens prometem reeditar a marcha de 1964 no Rio, em São Paulo e em mais 200 cidades, protestando contra a corrupção. Podiam ter feito isso sem tão infeliz inspiração.
O instinto de preservação do poder parece ter falado alto a todos: nem Dilma está em condições de esnobar o PMDB nem o partido tem alternativas mais seguras nesta eleição em que a presidente, por ora, é favorita. Mas, na semana passada, no auge da crise, ameaças pesadas chegaram a ser feitas. Afora o desabafo de Dilma, que teria dito preferir a derrota eleitoral a ter que se submeter a chantagens, no Congresso, petistas e peemedebistas foram ao limite nos arroubos verbais. Alguns petistas fizeram chegar aos aliados que, se eles quisessem mesmo romper a aliança, não teria problema. O PT viria com uma bomba atômica, a chapa Dilma-Lula, com o ex-presidente no lugar de Michel Temer. A tão provocador recado, alguns peemedebistas reagido, insinuado que alguma denúncia, sobre mensalão e outros escândalos, poderia tornar Lula inelegível. Como se vê, petistas e peemedebistas chegaram a trocar socos abaixo da chamada linha da cintura. Agora, é esperar para ver aonde chega a distensão, que depende muito da arrumação final dos palanques nos estados.
No caso do marco civil da Internet, projeto que foi pretexto para a reunião de ontem entre ministros de Dilma e o líder do PMDB, o mais provável é uma nova derrota, a não ser que o governo aceite recuar no ponto que o PMDB considera inaceitável, a chamada neutralidade da rede (proibindo as teles de diferenciar os acessos oferecidos segundo a velocidade contratada). Mas, mesmo os termos dela podem ter sido negociados, agora que Dilma parece disposta a engolir em seco para se recompor com o PMDB e os demais aliados.
Em seu discurso, ela não falou em crise e foi pródiga em elogios aos que saíram, entre eles os pemedebista Antônio Andrade, que deixou a pasta da Agricultura, e Gastão Vieira, que deixou a de Turismo. Louvou o trabalho inovador de Marcelo Crivella, do PR, que implantou o ministério da Pesca, o do petista Pepe Vargas, no Desenvolvimento Agrário, e o de Marco Antônio Raupp em Ciência e Tecnologia. Parece ter caprichado nos elogios a Agnaldo Ribeiro, de Cidades, que tocou o Programa Minha Casa, Minha Vida. Se ela for pragmática, com o ministério recomposto e a crise amainada, agora pilotará o governo com um mínimo de marola no tempo que lhe resta, com ou sem reeleição. Mas a natureza de cada pessoa tem sua dose de inescapável. Difícil imaginar que ela mudará de estilo só porque isso é conveniente.
Nem tanto
Os novos ministros, ao serem anunciados na semana passada, foram muito criticados por serem pouco conhecidos no plano nacional. São, em sua maioria, técnicos ou especialistas, mas, pelas presenças políticas que atraíram, não são nomes irrelevantes em seus estados. Representando o governador tucano Antônio Anastasia (MG), o secretário do setor, deputado Narcio Rodrigues, foi ao Planalto prestigiar a posse do ex-reitor Clélio Campolina Diniz no ministério de Ciência e Tecnologia. “Um grande nome de Minas, acima dos partidos”, disse Narcio. Outro governador tucano, Teotônio Vilela Filho (AL), e seu vice, Thomas Nonô, do DEM, lá estiveram prestigiando dois novos ministros. O alagoano Vinicius Lage, de Turismo, e o novo ministro de Cidades, que é mineiro, mas viveu muito tempo em Alagoas. Não faltaram as fotografias com um e outro.
Há 50 anos: a marcha
Nas evocações do cinquentenário do golpe civil-militar de 1964, amanhã completam-se 50 anos da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em São Paulo, no clima de polarização aguda que se seguiu ao Comício da Central, no dia 13, em que o presidente João Goulart assinou o decreto da reforma agrária e anunciou a estatização de refinarias privadas, entre outras medidas. Elas estavam em debate havia meses. Novidade foi a multidão reunida a favor deles e de Jango. A do dia19 foi a primeira de um total de 49 marchas de católicos conservadores contra o presidente e o fantasma do comunismo, com o qual a direita, com apoio da CIA, amedrontrou a população e criou o clima para o golpe. A partir do dia 31, elas vão se chamar Marcha da vitória e só vão terminar em 8 de abril. A de São Paulo foi idealizada pelo deputado Cunha Bueno, inspirado pelo padre irlandês Patrick Peyton, que havia rezado uma missa contra a “ameaça vermelha” na televisão. O apoio logístico foi garantido pelo governador de São Paulo, Ademar de Barros, que conspirava pela derrubada de Jango. Sua mulher, Leonor, arregimentou mulheres para o ato. O Ipes - Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, entidade financiada pela CIA e pela Fiesp, deram suporte ao ato. Na marcha, não faltaram panfletos, faixas e cartazes, alguns pedindo “Jango no xadrez”. Outros, bem humorados, diziam: “Vermelho bom, só no batom”. Ou ainda, “verde e amarelo, sem foice e sem martelo”. No dia seguinte, o adido militar americano, general Vernon Walters, informou a superiores em Washington que a marcha “deu novo ânimo” aos militares que preparavam o golpe.
O clero progressista, favorável ao enfrentamento dos problemas sociais, já existia, tendo como ícone maior dom Helder Câmara, que o regime perseguiria. Mas só nos anos 1970, a corrente ganharia força na Igreja e a levaria a cumprir um importante papel na denúncia de torturas e abusos do regime e no esforço pela redemocratização. Nessa fase, a estrela foi dom Paulo Evaristo Arns, a quem devemos a mais importante documentação sobre o período, o projeto “Brasil, Nunca Mais”.
Mas eis que, no próximo sábado, grupos de jovens prometem reeditar a marcha de 1964 no Rio, em São Paulo e em mais 200 cidades, protestando contra a corrupção. Podiam ter feito isso sem tão infeliz inspiração.
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