Uma chance às tartarugas
Estudo sobre o que as espécies comem pode facilitar a elaboração de um plano de preservação dos animais, uma vez que a dieta reflete a demanda dos micro-hábitats
Ana Clara Brant
Estado de Minas: 10/03/2014
Espécie, mais comum no Sul do Brasil, é encontrada morta todos os dias nas estradas da região |
Para se preservar uma espécie, seja ela qual for, é fundamental conhecer sua fonte de alimentação. Pensando nisso, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (Ufla) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) realizaram um estudo sobre a composição da dieta da tartaruga-tigre-d'água (Trachemys dorbigni).
O artigo Dietary variation and overlap in D'Orbigny's slider turtles Trachemys dorbigni (Dumeril and Bibron 1835) (Testudines: Emydidae), traduzido para o português como Variação e sobreposição da dieta na tartaruga-tigre-d'água, acaba de ser publicado pela Journal of Natural History, revista científica que tem como foco a entomologia e a zoologia, considerada uma das 100 publicações mais influentes em biologia e medicina ao longo dos últimos 100 anos, de acordo com pesquisa feita pela Special Libraries Association (SLA).
Durante quase um ano, o grupo, formado por Anelise Torres Hahn, Clarissa Alves da Rosa, Alex Bager e Ligia Krause coletou 73 tartarugas atropeladas na BR-392, próximo a Pelotas (RS), região que tem um alto índice de atropelamentos de animais. "Eu mesma coletava as tartarugas mortas na rodovia. Elas eram levadas ao laboratório para identificação do sexo, biometria e retirada do estômago. Este era preservado em formol para posterior análise no laboratório", conta a bióloga, doutora em zoologia pela PUC-RS e mestre em biologia animal pela UFRGS Anelise Torres Hahn.
Dos 73 indivíduos recolhidos, 39 tiveram o conteúdo estomacal removido, que foi uma das principais contribuições dessa pesquisa, como lembra a ecóloga e doutoranda no programa de pós-graduação em ecologia aplicada da Ufla Clarissa Alves da Rosa. Ela explica que, geralmente, os estudos são feitos por meio das fezes, o que limita os resultados, já que o processo de digestão pelo qual passam os alimentos dificulta sua identificação.
Analisar os conteúdos estomacais é mais eficiente, mas exige, muitas vezes, técnicas invasivas (abate do animal ou regurgito). "Nas fezes, muita informação se perde e fica mais difícil identificar elementos, devido ao processo de digestão acelerado. Já quando analisamos o estômago, os itens estão melhor preservados. Para você ter uma ideia, outro dia ajudei a dissecar um lagarto que foi atropelado e, quando abrimos a barriga dele, tinha um figo intacto dentro dela. Isso facilita o nosso trabalho. Por isso, acredito que uma das principais contribuições desse artigo é o método de estudo, que se utilizou de estômagos de animais atropelados, já que tais carcaças costumam ser descartadas sem aproveitamento para estudos científicos", frisa.
A tartaruga-tigre-d'água é a espécie de tartaruga continental mais comum no Sul do Brasil. No entanto, há poucos estudos sobre sua biologia. Anelise revela que o fato de ela ser a espécie mais recorrente facilita a coleta e fornece um número significativo de indivíduos que serão amostrados. Além disso, há um número grande de publicações sobre a alimentação em diferentes espécies da família (Emydidae), possibilitando a comparação da composição de dieta com outras espécies. "O conhecimento sobre a ecologia alimentar é muito importante, porque a dieta reflete a demanda dos micro-hábitats e as interações com outras espécies, principalmente no contexto atual de degradação dos ecossistemas, onde o conhecimento sobre suas características biológicas e ecológicas é fundamental para planos de conservação efetivos", frisa.
DESCOBERTAS
Entre outros resultados, os pesquisadores descobriram que a dieta desses animais envolvia 26 itens alimentares, sendo que entre as fêmeas a variedade é maior. A bióloga Anelise comenta que, no Sul do país, as tartarugas são animais onívoros, ou seja, se alimentam tanto de animais quanto de vegetais. Entre os itens de origem animal, a pesquisadora diz que foi registrado desde moluscos e insetos até peixes.
Chamou a atenção ainda o fato de que, mesmo tendo sido feito em época de desova, a pesquisa identificou conteúdos nos estômagos de todas as fêmeas, contrariando resultados de estudos anteriores, que indicavam que as fêmeas dessa espécie não se alimentavam no período. A ecóloga Clarissa Alves da Rosa diz que todas as tartarugas fêmeas recolhidas estavam grávidas e que a variedade de itens encontrados no estômago delas era bem maior do que a encontrada no estômago dos machos. Clarissa salienta que a principal importância do estudo é justamente a questão da conservação dos animais. Ela explica que no Brasil há pouco conhecimento sobre a ecologia das nossas espécies e que, se queremos preservá-las, é necessário nos concentrarmos nessa questão. "Para preservar, tem que se saber que tipo de ambiente o animal precisa para viver, o que ele consome. No caso das tartarugas-tigre-d'água, que se alimentam basicamente de plantas aquáticas, já que vivem em zona de pântanos e banhados, essa região vem sendo afetada não só pela BR-392, como pelo cultivo de arroz que está drenando e, consequentemente, prejudicando a área. Se nosso foco é a conservação, há que se focar também nos recursos e no ambiente", enfatiza.
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