sexta-feira, 25 de abril de 2014

Carlos Herculano Lopes - De óculos novos‏

De óculos novos 
 
Carlos Herculano Lopes
carloslopes.mg@diariosasociados.com.br
Estado de Minas: 25/04/2014


Teve um tempo, quando minhas vistas começaram a encurtar, que passei quase a não enxergar ao longe: nem as placas das lojas e das ruas, nem as flores nos galhos das árvores, nem as moças bonitas que passavam na rua ou os passarinhos e os bois, se acontecia de estar na fazenda. Então, acabei descobrindo, com a ajuda da doutora Maria José Calixto, o que há muito desconfiava: eu era míope. Usar óculos foi um encantamento, como aconteceu com Miguilim, o garoto de Campo geral, a magistral novela de Guimarães Rosa, depois de ter conhecido “doutor Lourenço, do Curvelo”.

De passagem por Mutum, ao tirar o óculos e colocá-lo no menino, esse não pôde acreditar no que via. “Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas. Via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de uma distância. E tonteava...”.

Também comigo, quando comecei a usar óculos, se deu o mesmo. Mas a doutora Maria José, que sabe das coisas, me avisou: “Com o passar dos anos a tendência da miopia é diminuir...”. E assim aconteceu. Meu óculos quebrou, ou se perdeu, não me lembro, e nem me dei ao luxo de mandar fazer outro. As vistas, como a oftalmologista avisara, para minha sorte haviam ficado boas novamente, e voltei a ver ao longe.

Mas como nada neste mundo é perfeito, de uns tempos para cá foi o enxergar de perto que passou a ficar complicado. Comecei a espichar os braços para ler um livro ou jornal; não estava vendo direito as letras, nem as palavras; às vezes, nem as manchetes. Também não conseguia decifrar o número do meu CPF na carteira do Sindicato dos Jornalistas. Pronto: estava na hora de voltar novamente à doutora Maria José.

E a consulta? Só para uns dois meses adiante havia horário. Mas não dava para esperar esse tempo todo – as vistas estavam mesmo pedindo ajuda. Foi então que minha mãe, numa conversa informal, me disse: “Por que você não tenta com o doutor César Braga Garcia? Sou cliente dele há anos, tenho certeza de que irá gostar”. Foi uma ótima ideia.

Conseguir um lugar na agenda dele também não foi fácil, mas acabou dando certo. Além de ter sido muito bom reencontrar o amigo, o diagnóstico foi perfeito: “Você está com presbiopia, vou receitar um óculos para perto”, disse o César, se referindo às velhas e boas vistas cansadas. Acabada a consulta, falamos da infância no Vale do Rio Doce; ele em Peçanha, eu em Coluna. E das suas idas à minha terra, nas férias, para visitar uma tia em comum, a querida Sílvia Garcia, da qual guardamos as melhores lembranças.

Depois, fui fazer o óculos. Como aconteceu com Miguilim, que “olhou os matos escuros de cima do morro, aqui a casa, a cerca de feijão-bravo e são-caetano; o céu, o curral, o quintal; os olhos redondos e os vidros altos da manhã...”, também eu, ao colocá-los, voltei a ver, ao abrir um livro, que as letras estavam maiores e mais bonitas. A sentir de novo o prazer na leitura, no ato de escrever. E mais: também consegui, com uma alegria quase infantil, distinguir o número do CPF na carteira do sindicato. Os doutores Lourenço, lá do Curvelo, que existiu de verdade, e César Braga, de Peçanha, estavam certos.  

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