Zero Hora - 30/04/2014
Quando bem criança, eu ia de ônibus com minha mãe para o centro da cidade. Era uma aventura.
No colégio, voltava para casa de ônibus todas as manhãs. Aliás, na
primeira excursão do colégio, fui com as colegas conhecer o Rio de
Janeiro e lá nossa pequena “máfia” (Ana, Alice, Suzana, Anelise...) ia
de Botafogo para Copacabana também de ônibus, escondidas das freiras – o
máximo de rebeldia da nossa adolescência.
Meu primeiro namorado não tinha carro, ainda que tivesse
habilitação: quando a saída não era a pé, era de ônibus. Íamos a um
boteco, a um show, a um parque – de ônibus.
E muito viajei de ônibus para Torres, Florianópolis, Canela, Santana
do Livramento, Montevidéu. Já fui até Salvador de ônibus, ida e volta.
Eu não era pobre: era jovem.
Depois, surgiu o lotação, e com ele a promessa de maior conforto e
agilidade: aderi. E hoje não uso mais uma coisa nem outra, me desloco de
automóvel e táxi, mas nunca perdi o respeito pelo principal transporte
público não só do Brasil, mas de todos os países, inclusive daqueles que
possuem metrô há mais de cem anos, caso da Inglaterra e da Argentina.
Se a roda é o símbolo-mor da evolução da humanidade, o ônibus é sua
representação mais significativa. Ele leva trabalhadores aos seus
empregos, estudantes às suas escolas, torcedores aos estádios,
possibilita que as pessoas se visitem em bairros e cidades distantes,
faz a economia girar, põe a vida em movimento.
Todo mundo, absolutamente todo mundo precisa de um, ou precisa de alguém que utiliza um.
O mesmo “todo mundo” que come pão e toma leite diariamente, só que
ninguém faz passeata contra o aumento do pão e do leite. No entanto,
quando há aumento da tarifa de ônibus, para-se uma cidade. Revoltados,
os manifestantes enfrentam policiais, quebram agências bancárias e
incendeiam... ônibus? Logo os ônibus?
Qualquer vandalismo é um tiro no pé, já que a cidade é de todos, mas
queimar ônibus desafia meu racionalismo, me deixa perplexa,
principalmente pela frequência com que tem acontecido. Virou uma
banalidade, já nem é mais um ato político. Dos motivos mais bobos, como
no caso de o seu time ter perdido um jogo, até algo mais trágico e
emocional, como um tio atropelado na estrada, parece que a única forma
de protestar é riscar um fósforo e pronto, temos uma fogueira e um
revide. Só que não se está falando de um artefato de papel.
Um ônibus é um bem enorme, pesado, robusto – e extremamente
necessário na manhã seguinte. Um ônibus. Dois. Sete. Agora imagine 34
ônibus queimados de uma só vez, como aconteceu recentemente em Osasco,
na grande São Paulo. Calcule o prejuízo não só para a empresa
proprietária dos veículos, mas para a sociedade.
Não chegamos até aqui para voltar à pré-história.
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