Colesterol interfere na infecção do HIV
Experimento americano indica que a baixa
concentração da gordura pode dificultar a ação do vírus da Aids em um
pequeno grupo de pacientes
Bruna Sensêve
Estado de Minas: 29/04/2014
Combatido por 10
entre 10 pessoas que buscam um organismo saudável, o colesterol alto
acaba de ganhar pontos na escala das substâncias mais prejudiciais ao
corpo humano. Uma pesquisa publicada hoje pela mBio, revista científica
da Sociedade Americana de Microbiologia, faz a ligação improvável entre o
esteroide das membranas celulares de todos os animais e a progressão da
síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids). Curiosamente, um grupo
especial de pessoas infectadas pelo HIV que conta com o privilegiado
lento avanço da doença também tem uma menor quantidade de colesterol em
um tipo específico de células imunes. A característica seria exclusiva a
2% a 5% da população mundial. No entanto, existe a esperança de que
medicamentos responsáveis por diminuir o colesterol das células em
geral, conhecidos como estatinas, possam atuar favoravelmente em
indivíduos comuns.
A descoberta foi feita por uma equipe de pesquisadores da Escola de Saúde Pública da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, liderada por Giovanna Rappocciolo. Eles usaram um extenso banco de dados do Multicenter Aids Cohort Study (Macs), composto por mais de 30 anos de amostras biológicas recolhidas para um estudo confidencial sobre a história natural do HIV. Entre os exemplares, foi possível recolher células imunes de indivíduos infectados não progressores, progressores normais e voluntários não infectados (que formaram o grupo de controle). O objetivo era comparar a capacidade das células apresentadoras de antígeno (APCs) desses pacientes. Quando o HIV entra no organismo, é tipicamente escolhido pelas células do sistema imunológico com essa função. Podem ser as células dendríticas ou os linfócitos B.
Ao entrar em contato com o vírus, essas estruturas o transportam para os gânglios linfáticos, onde o HIV é repassado a outras células do sistema imunológico, as células T, por meio de um processo conhecido como infecção trans. Nesse novo “endereço”, o micro-organismo encontra o principal local de replicação. O aumento da taxa de HIV sobrecarrega o sistema imunológico, que, exaurido, cede à progressão da doença (veja infografia). A partir do momento em que a pessoa desenvolve a Aids, o corpo já não pode combater infecções e cânceres, por exemplo. Antes do surgimento dos antirretrovirais, diante desse quadro, o paciente não tinha uma prognóstico que ultrapassasse um ou dois anos de vida. Os medicamentos interrompem o processo de replicação viral e podem retardar o aparecimento da Aids por décadas.
No entanto, mesmo sem ingeri-los, uma pequena percentagem de pessoas infectadas pelo HIV não tem a perda persistente de células T. Em uma de cada 20, o aumento nos níveis do vírus da Aids após a infecção inicial não acontece. Elas são conhecidas pela medicina como controladores de elite. Podem passar anos ou mesmo mais de uma década sem que o vírus comprometa o sistema imunológico e sem a ingestão de antirretrovirais. “Saber como esses indivíduos naturalmente controlam a infecção pelo HIV-1 e impedir que o vírus progressivamente destrua as células delas pode ser extremamente importante para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas e de prevenção eficazes”, diz Giovanna.
Ao comparar, em laboratório, a habilidade das APCs em fazer esse transporte e apresentação, os cientistas descobriram que, enquanto as células dos pacientes progressores e as do grupo de controle foram altamente eficazes na mediação da infecção trans, as do não progressores não tinham essa capacidade. O fato foi curioso o suficiente para ser observado ainda mais atentamente. Concluiu-se, então, que as células dos não progressores tinham baixos níveis de colesterol, ainda que os pacientes apresentassem níveis normais da substância no sangue.
O colesterol é um componente usado pelo HIV para se replicar eficientemente em diferentes componentes do organismo humano. Entre os experimentos feitos com as células, os autores relatam que, quando o vírus da Aids foi diretamente misturado com as células T dos não progressores, elas foram infectadas na mesma taxa que as células T dos participantes soropositivos com progressão normal da infecção. Claro, as células T dos progressores tinham níveis normais de colesterol.
“Isso significa que é improvável a perturbação ter surgido devido a um problema com as células T, apoiando ainda mais a nossa conclusão de que a progressão lenta está associada a uma baixa de colesterol nas células dendríticas e nas células B”, acredita a pesquisadora. Segundo ela, a infecção trans pôde ser restaurada com a reconstituição de níveis de colesterol nas células apresentadoras de antígeno de não progressores e, inversamente, pôde ser inibida por meio da redução dos níveis de colesterol nas APCs de progressores.
Hereditária Uma análise em específico das APCs de dois não progressores entre um e quatro anos antes da infecção primária pelo HIV mostra resultados semelhantes. Com esses dados, os pesquisadores sugerem que a característica é geneticamente adquirida. “O que é mais intrigante é que as células dendríticas nos não progressores tiveram esse traço de proteção um ano antes de se tornarem infectadas pelo HIV.” Esse fator sugeriria que a incapacidade das células dendríticas e as células B para passar o HIV para suas células T é herdada geneticamente por uma pequena porcentagem de pessoas. “Esse ‘defeito’ no metabolismo do colesterol não é uma consequência direta da infecção pelo vírus, mas é provável que esteja presente como uma característica hereditária em uma baixa percentagem de indivíduos. Entender como isso funciona pode ser uma pista importante no desenvolvimento de novas abordagens para prevenir a progressão da infecção por HIV”, acredita Giovanna Rappocciolo.
Segundo o infectologista Artur Timerman, do Hospital Israelita Albert Einstein, existe um espectro importante da infecção por HIV a ser considerado, desde os que não são infectados mesmo em contato com o vírus até aqueles que, ao entrar em contato com o patógeno, sofrem um efeito fulminante da doença. Para Timerman, é importante considerar que a condição dos controladores de elite é bastante diferente do grupo de expostos não infectados.
“Hoje, sabe-se que existe um grupo de pessoas que são expostas ao vírus e nem mesmo se infectam. O mecanismo mais atribuído a essa resistência natural é a ausência de um receptor na parede da célula chamado de CCR5, essencial para o vírus interagir com a célula e entrar no interior dela. Essas pessoas são os expostos não infectados.” Ele explica que os não progressores têm a infecção, mas o desenvolvimento da doença é mais lento.
“O que o estudo conseguiu mostrar muito bem é que os controladores de elite captam menos colesterol, as dendríticas deles têm menos colesterol e, por isso, são menos suscetíveis ao HIV. Na verdade, elas têm maior dificuldade de transmitir o HIV para outras células.” Timerman pondera, porém, que se fala muito mal do colesterol, e essa questão precisa ser vista com maior cuidado, pois ele é essencial na membrana da célula. “Estudos mostram, inclusive, que níveis muito baixos (de colesterol) estão associados à incidência de câncer de cólon e do intestino grosso.” O ideal, segundo o infectologista, é ter o colesterol nos níveis normais. “Não é bom que seja alto, mas muito baixo também não é normal.”
Imunidade celular
A Aids mata 2 milhões de pessoas no mundo, mas há quem não pegue a doença mesmo após numerosas exposições ao vírus. A resposta a esse enigma está na proteína CCR5. Ela fica na superfície de células do sistema imunológico e é usada como “porta de entrada” para que o HIV penetre as células. A partir de um estudo com ratos, pesquisadores da Universidade de Carolina do Sul (EUA) descobriram que as CCR5 de alguns organismos têm imunidade ao HIV, uma trava que impede a penetração do vírus da Aids.
A descoberta foi feita por uma equipe de pesquisadores da Escola de Saúde Pública da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, liderada por Giovanna Rappocciolo. Eles usaram um extenso banco de dados do Multicenter Aids Cohort Study (Macs), composto por mais de 30 anos de amostras biológicas recolhidas para um estudo confidencial sobre a história natural do HIV. Entre os exemplares, foi possível recolher células imunes de indivíduos infectados não progressores, progressores normais e voluntários não infectados (que formaram o grupo de controle). O objetivo era comparar a capacidade das células apresentadoras de antígeno (APCs) desses pacientes. Quando o HIV entra no organismo, é tipicamente escolhido pelas células do sistema imunológico com essa função. Podem ser as células dendríticas ou os linfócitos B.
Ao entrar em contato com o vírus, essas estruturas o transportam para os gânglios linfáticos, onde o HIV é repassado a outras células do sistema imunológico, as células T, por meio de um processo conhecido como infecção trans. Nesse novo “endereço”, o micro-organismo encontra o principal local de replicação. O aumento da taxa de HIV sobrecarrega o sistema imunológico, que, exaurido, cede à progressão da doença (veja infografia). A partir do momento em que a pessoa desenvolve a Aids, o corpo já não pode combater infecções e cânceres, por exemplo. Antes do surgimento dos antirretrovirais, diante desse quadro, o paciente não tinha uma prognóstico que ultrapassasse um ou dois anos de vida. Os medicamentos interrompem o processo de replicação viral e podem retardar o aparecimento da Aids por décadas.
No entanto, mesmo sem ingeri-los, uma pequena percentagem de pessoas infectadas pelo HIV não tem a perda persistente de células T. Em uma de cada 20, o aumento nos níveis do vírus da Aids após a infecção inicial não acontece. Elas são conhecidas pela medicina como controladores de elite. Podem passar anos ou mesmo mais de uma década sem que o vírus comprometa o sistema imunológico e sem a ingestão de antirretrovirais. “Saber como esses indivíduos naturalmente controlam a infecção pelo HIV-1 e impedir que o vírus progressivamente destrua as células delas pode ser extremamente importante para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas e de prevenção eficazes”, diz Giovanna.
Ao comparar, em laboratório, a habilidade das APCs em fazer esse transporte e apresentação, os cientistas descobriram que, enquanto as células dos pacientes progressores e as do grupo de controle foram altamente eficazes na mediação da infecção trans, as do não progressores não tinham essa capacidade. O fato foi curioso o suficiente para ser observado ainda mais atentamente. Concluiu-se, então, que as células dos não progressores tinham baixos níveis de colesterol, ainda que os pacientes apresentassem níveis normais da substância no sangue.
O colesterol é um componente usado pelo HIV para se replicar eficientemente em diferentes componentes do organismo humano. Entre os experimentos feitos com as células, os autores relatam que, quando o vírus da Aids foi diretamente misturado com as células T dos não progressores, elas foram infectadas na mesma taxa que as células T dos participantes soropositivos com progressão normal da infecção. Claro, as células T dos progressores tinham níveis normais de colesterol.
“Isso significa que é improvável a perturbação ter surgido devido a um problema com as células T, apoiando ainda mais a nossa conclusão de que a progressão lenta está associada a uma baixa de colesterol nas células dendríticas e nas células B”, acredita a pesquisadora. Segundo ela, a infecção trans pôde ser restaurada com a reconstituição de níveis de colesterol nas células apresentadoras de antígeno de não progressores e, inversamente, pôde ser inibida por meio da redução dos níveis de colesterol nas APCs de progressores.
Hereditária Uma análise em específico das APCs de dois não progressores entre um e quatro anos antes da infecção primária pelo HIV mostra resultados semelhantes. Com esses dados, os pesquisadores sugerem que a característica é geneticamente adquirida. “O que é mais intrigante é que as células dendríticas nos não progressores tiveram esse traço de proteção um ano antes de se tornarem infectadas pelo HIV.” Esse fator sugeriria que a incapacidade das células dendríticas e as células B para passar o HIV para suas células T é herdada geneticamente por uma pequena porcentagem de pessoas. “Esse ‘defeito’ no metabolismo do colesterol não é uma consequência direta da infecção pelo vírus, mas é provável que esteja presente como uma característica hereditária em uma baixa percentagem de indivíduos. Entender como isso funciona pode ser uma pista importante no desenvolvimento de novas abordagens para prevenir a progressão da infecção por HIV”, acredita Giovanna Rappocciolo.
Segundo o infectologista Artur Timerman, do Hospital Israelita Albert Einstein, existe um espectro importante da infecção por HIV a ser considerado, desde os que não são infectados mesmo em contato com o vírus até aqueles que, ao entrar em contato com o patógeno, sofrem um efeito fulminante da doença. Para Timerman, é importante considerar que a condição dos controladores de elite é bastante diferente do grupo de expostos não infectados.
“Hoje, sabe-se que existe um grupo de pessoas que são expostas ao vírus e nem mesmo se infectam. O mecanismo mais atribuído a essa resistência natural é a ausência de um receptor na parede da célula chamado de CCR5, essencial para o vírus interagir com a célula e entrar no interior dela. Essas pessoas são os expostos não infectados.” Ele explica que os não progressores têm a infecção, mas o desenvolvimento da doença é mais lento.
“O que o estudo conseguiu mostrar muito bem é que os controladores de elite captam menos colesterol, as dendríticas deles têm menos colesterol e, por isso, são menos suscetíveis ao HIV. Na verdade, elas têm maior dificuldade de transmitir o HIV para outras células.” Timerman pondera, porém, que se fala muito mal do colesterol, e essa questão precisa ser vista com maior cuidado, pois ele é essencial na membrana da célula. “Estudos mostram, inclusive, que níveis muito baixos (de colesterol) estão associados à incidência de câncer de cólon e do intestino grosso.” O ideal, segundo o infectologista, é ter o colesterol nos níveis normais. “Não é bom que seja alto, mas muito baixo também não é normal.”
Imunidade celular
A Aids mata 2 milhões de pessoas no mundo, mas há quem não pegue a doença mesmo após numerosas exposições ao vírus. A resposta a esse enigma está na proteína CCR5. Ela fica na superfície de células do sistema imunológico e é usada como “porta de entrada” para que o HIV penetre as células. A partir de um estudo com ratos, pesquisadores da Universidade de Carolina do Sul (EUA) descobriram que as CCR5 de alguns organismos têm imunidade ao HIV, uma trava que impede a penetração do vírus da Aids.
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