O som das abelhas
Eduardo Campos irritou o PMDB ao dizer que em seu governo o senador Sarney ficará na oposição. Mas, se eleito, ele também governará com o PMDB. Num país com 34 partidos, nenhum deles elegerá mais que 20% dos deputados
Tereza Cruvinel
Estado de Minas: 29/04/2014
Lula finalmente comentou o julgamento do mensalão, criticou-o e sofreu uma saraivada de críticas, afora uma distorção grosseira do que falou sobre sua relação com os petistas condenados. O PR deixou os outros partidos na toca e oficializou sua defesa do “Volta, Lula”. A colunista Joyce Pascovitch noticiou neste fim de semana que Lula rendeu-se aos apelos para concorrer. Seja “furo” ou “barriga”, que no jargão jornalístico vêm a ser o oposto, a notícia alvoroçou a colmeia financeira e fez subir as ações das estatais, o que significa derrubar a cotação das ações de Dilma, cujo valor atual de face poderá ser conferido hoje na pesquisa CNT/MDA. Os três fatos parecem ser autônomos, mas juntos produzem um certo zumbido, a sensação de algo no ar, afora os aviões e as aves de arribação.
Começando pela fala de Lula à TV pública portuguesa, a RTP. Para quem promete há tanto tempo uma fala sobre o julgamento da Ação Penal 470, Lula foi até lacônico, ao dizer que as decisões do julgamento foram mais políticas do que jurídicas. A medição (as primeiras corresponderiam a 80% e as últimas a 20%), que o ministro Marco Aurélio estranhou, pode carecer de base, mas que o resultado é fruto da combinação de decisões das duas naturezas, os que têm neurônios honestos não podem negar. Basta o fato de que, até hoje, ninguém sabe que fim levou o Inquérito 2.474, que contém muitas contraprovas relacionadas ao caso Visanet, e foi excluído por Joaquim Barbosa da AP 470. Ou a diferença de tratamento dada ao processo do chamado mensalão mineiro e ao ex-presidente Fernando Collor, de alma lavada com a absolvição. Mas por que Lula resolveu falar agora de mensalão? Para ser pragmático (como o PT o foi com André Vargas), o melhor seria ficar longe do assunto e fazer tudo para que seja esquecido. Lula, é verdade, devia uma declaração aos condenados, especialmente a Dirceu e Genoino, mas, agora, ela não tem qualquer serventia a eles. Aqui entra a distorção que alguns veículos fizeram de um aspecto de sua fala à RTP, fazendo muito esforço para entender que ele negou ter tido uma relação de confiança com os condenados. Quem ouvir a entrevista sem apriorismo entenderá que ele interrompeu a pergunta para dizer: não importa se as pessoas eram ou não de sua confiança. Importante é que o julgamento teve um componente político destinado a prejudicar o PT. Ele pode ter se expressado mal, mas houve um esforço para “entender mal” o que ele disse ou quis dizer. Até porque, para renegar os petistas presos, melhor seria continuar calado.
Outro zumbido foi lançado ao ar pelo PR, ao oficializar ontem sua defesa da candidatura de Lula a presidente, embora avisando que continuará na base governista e dizendo nada ter contra a presidente Dilma. É verdade que setores do PR têm birra com ela por causa da demissão do ex-ministro Alfredo Nascimento naquela faxina do início do governo. Mas o PR tem figuras que estão longe de serem consideradas lulistas, como é o caso do deputado Garotinho, que não gostou do manifesto e correu a dizer que só Dilma pode decidir se será ou não candidata. Terá o PR se lançado sozinho nesse movimento, sem articular com mais ninguém, correndo o risco de se dar mal? Pois se Dilma se reelege, jamais esquecerá a desfeita. Agora é ver se o PR deu a senha para outros partidos e grupos governistas lhe fazerem coro.
Por fim, importante na nota de Joyce Pascovicht no blog Glamurama foi seu efeito, não o conteúdo. Pois ainda que Lula tivesse tomado decisão semelhante, ela não vazaria assim. Uma reviravolta de tal magnitude teria (ou terá) que ser construída com extrema habilidade, muita costura e um cuidadoso ritual. Mas pode ele ter dito a alguém que, se o quadro eleitoral apresentar algum risco real para Dilma, ele acabará tendo de se render. O efeito, entretanto, foi mais uma vez revelador da indisposição dos agentes econômicos e financeiros com Dilma. Na Bovespa, o sinal de queda nas ações inverteu-se para o de alta após a publicação da nota. Quem mais subiu, entretanto, foi a taxa de excitação nessas esferas do dinheiro.
Os três eventos podem não ter qualquer relação entre si, mas eles deixaram ontem a sensação de algum zumbido no ar.
Marimbondos de fogo
A declaração do candidato Eduardo Campos (PSB), de que em seu governo o ex-presidente e senador José Sarney passará quatro anos na oposição, agitou o clã maranhense e boa parte do PMDB. Os Sarneys ficaram bravos como os marimbondos de um antigo livro de poesias do senador.
Como retórica, a cutucada de Campos pode até lhe render votos, mas, se ele for o eleito, é certo como dois e dois são quatro que precisará do PMDB para governar. E como já dito aqui, em seu governo, o PMDB pode mandar até mais do que mandou no de Fernando Henrique, no de Lula e no de Dilma. Pois, juntos, PSB/Rede, PPS, PPL, ainda que apoiados pelo PSDB, não terão mais que 100 deputados na base de apoio. E não é porque sejam ruins de voto. Com o sistema de 34 partidos que temos, dificilmente um partido alcançará os 20% das cadeiras da Câmara.
Então, para evitar constrangimentos futuros, candidatos devem evitar frases como essa.
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