Uma pergunta habita corações e mentes: se
a reeleição de Dilma se tornar inviável, Lula e o PT aceitarão
passivamente apenas por delicadeza para com ela?
Estado de Minas: 10/04/2014
“Muda o elenco, muda o diretor de cena, mas a novela é sempre a mesma”, diz, com desalento, o deputado tucano Emanuel Fernandes. “Aqui estamos nós, de novo, às voltas com a mesma hipocrisia”, replica o petista Jorge Viana no café do Senado. Eles falam da substância que alimenta a luta política do momento entre governo e oposição em torno da instalação de CPIs. A oposição quer investigar apenas a Petrobras em busca de evidências de uso dos contratos de empresas privadas com a estatal para alimentar um esquema de financiamento de campanhas. Este é o mesmo objetivo dos governistas quando garantem, com o rolo compressor, como fizeram ontem, as condições para instalar o que o senador José Agripino chamou de “CPI gorda”: investigar os contratos da administração tucana de São Paulo com um cartel de fornecedores e os negócios do governo Eduardo Campos no Porto de Suape em buscasdas mesmas evidências.
A novela e a hipocrisia a que ambos se referem é a do financiamento de campanhas que produz o eterno retorno dos escândalos de corrupção, envolvendo partidos e políticos com fornecedores do Estado. A própria Polícia Federal já declarou, por meio de um delegado, que quase 80% dos escândalos por ela investigados guardam relação com o financiamento de campanhas. No caso da Petrobras, conforme já indicado por esta coluna e pelo Estado de Minas, há indícios de que os grandes fornecedores da empresa tornaram-se doadores legais de políticos e de partidos governistas. Se houve a “transfiguração” de propinas em doações legais, montou-se o crime perfeito. Nenhuma empresa é proibida de fazer doações num país em que elas são legais, não havendo sequer um teto para os doadores ou para os receptores.
Os petistas, por sua vez, estão certos de que as propinas pagas pelo cartel de multinacionais que vendeu trens e vagões de metrô aos governos paulistas também alimentaram o caixa de campanhas tucanas nos últimos anos. Suspeitam que as obras no Porto de Suape, conduzidas pelo governo do candidato dissidente Eduardo Campos, serviram ao mesmo propósito. Na “CPI gorda” que os governistas devem garantir com a força da maioria, salvo contra-ordem do Supremo, a troca de tiros pode acabar em soma zero para os partidos, mas em conta negativa para a credibilidade da política, fortalecendo a ideia de que, no fundo, são todos farinha do mesmo saco. Em matéria de rolo compressor, vale recordar que os petistas, quando na oposição, muito aprenderam com os tucanos, que, aliados aos pefelistas de então, também ligavam o trator da maioria para evitar CPIs até mesmo depois de instaladas, como aconteceu com a do Proer. Até hoje, o PT não se perdoa pelo fato de, sob a vertigem das denúncias de Roberto Jefferson, não ter impedido a CPI dos Correios.
Jorge Viana não foge do assunto: “A oposição está partindo do pressuposto de que vai encontrar um barril de pólvora na Petrobras, relacionado a financiamento de campanhas, capaz de detonar a candidatura Dilma e de ajudá-la a se viabilizar como alternativa de poder, o que não tem conseguido com sua falta de propostas para o país. Isso é luta política, é do jogo, mas a democracia continua sendo a vítima principal. Volto a dizer: se não adotarmos o financiamento público, libertando as campanhas, cada vez mais caras, da dependência das empresas, estaremos depredando a democracia que nos custou tanto a construir”.
Tucanos e petistas têm acordo sobre isso, mas discordam sobre o sistema de escolha dos parlamentares na inalcançável reforma política. Os petistas querem financiamento público com voto em lista. Os tucanos, com voto distrital. Em sua entrevista aos blogueiros, o ex-presidente Lula também voltou ao assunto, dizendo: “A reforma política é a mais importante reforma que tem que acontecer neste país”. Para ele, o financiamento público de campanhas é “a forma mais barata e mais honesta de se fazer eleições no Brasil”.
A volta de Lula
Ao proscênio político, o ex-presidente Lula já voltou. O encontro a sós com Dilma foi um sinal disso. Ele tinha coisas a dizer a ela sem testemunhas. A entrevista aos blogueiros foi outro. Nela, mandou muitos recados, inclusive para Dilma, ao afirmar que ela terá de dizer claramente ao país “o que fará para melhorar a economia brasileira”. Com essa frase, vitaminou o discurso da oposição, que vem batendo na tecla da negligência do governo atual com a macroeconomia. Ele ainda defendeu Dilma e o governo dela, alfinetou a oposição e instigou o PT a reagir à tentativa de cerco. Por sua intercessão, o novo ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, inaugurou um novo discurso e uma nova relação entre o Palácio do Planalto e a coalizão governista. Um sinal de seu êxito foi a unidade de ontem, entre PT e PMDB, para derrotar a oposição na Comissão de Constituição e Justiça e aprovar o parecer do senador Romero Jucá, favorável ao “engordamento” da CPI da Petrobras.
Lula voltou ao ringue atendendo ao instinto de preservação do projeto político ameaçado. Qual é a distância entre esse primeiro movimento e uma eventual candidatura dele, substituindo a de Dilma, ninguém hoje pode saber. Talvez nem ele. Certo é que uma pergunta habita corações e mentes em todos os quadrantes: se a reeleição de Dilma mais adiante se mostrar inviável, Lula e o PT aceitarão passivamente, apesar do coro de “volta, Lula”? Fariam isso apenas por delicadeza para com Dilma, que, no início do ano passado, forçou o lançamento antecipado de sua recandidatura? Rimbaud tem um verso que se aplica ao dilema petista: “Par délicatesse. J’ai perdu ma vie”. Por delicadeza, perdi minha vida.
Estado de Minas: 10/04/2014
“Muda o elenco, muda o diretor de cena, mas a novela é sempre a mesma”, diz, com desalento, o deputado tucano Emanuel Fernandes. “Aqui estamos nós, de novo, às voltas com a mesma hipocrisia”, replica o petista Jorge Viana no café do Senado. Eles falam da substância que alimenta a luta política do momento entre governo e oposição em torno da instalação de CPIs. A oposição quer investigar apenas a Petrobras em busca de evidências de uso dos contratos de empresas privadas com a estatal para alimentar um esquema de financiamento de campanhas. Este é o mesmo objetivo dos governistas quando garantem, com o rolo compressor, como fizeram ontem, as condições para instalar o que o senador José Agripino chamou de “CPI gorda”: investigar os contratos da administração tucana de São Paulo com um cartel de fornecedores e os negócios do governo Eduardo Campos no Porto de Suape em buscasdas mesmas evidências.
A novela e a hipocrisia a que ambos se referem é a do financiamento de campanhas que produz o eterno retorno dos escândalos de corrupção, envolvendo partidos e políticos com fornecedores do Estado. A própria Polícia Federal já declarou, por meio de um delegado, que quase 80% dos escândalos por ela investigados guardam relação com o financiamento de campanhas. No caso da Petrobras, conforme já indicado por esta coluna e pelo Estado de Minas, há indícios de que os grandes fornecedores da empresa tornaram-se doadores legais de políticos e de partidos governistas. Se houve a “transfiguração” de propinas em doações legais, montou-se o crime perfeito. Nenhuma empresa é proibida de fazer doações num país em que elas são legais, não havendo sequer um teto para os doadores ou para os receptores.
Os petistas, por sua vez, estão certos de que as propinas pagas pelo cartel de multinacionais que vendeu trens e vagões de metrô aos governos paulistas também alimentaram o caixa de campanhas tucanas nos últimos anos. Suspeitam que as obras no Porto de Suape, conduzidas pelo governo do candidato dissidente Eduardo Campos, serviram ao mesmo propósito. Na “CPI gorda” que os governistas devem garantir com a força da maioria, salvo contra-ordem do Supremo, a troca de tiros pode acabar em soma zero para os partidos, mas em conta negativa para a credibilidade da política, fortalecendo a ideia de que, no fundo, são todos farinha do mesmo saco. Em matéria de rolo compressor, vale recordar que os petistas, quando na oposição, muito aprenderam com os tucanos, que, aliados aos pefelistas de então, também ligavam o trator da maioria para evitar CPIs até mesmo depois de instaladas, como aconteceu com a do Proer. Até hoje, o PT não se perdoa pelo fato de, sob a vertigem das denúncias de Roberto Jefferson, não ter impedido a CPI dos Correios.
Jorge Viana não foge do assunto: “A oposição está partindo do pressuposto de que vai encontrar um barril de pólvora na Petrobras, relacionado a financiamento de campanhas, capaz de detonar a candidatura Dilma e de ajudá-la a se viabilizar como alternativa de poder, o que não tem conseguido com sua falta de propostas para o país. Isso é luta política, é do jogo, mas a democracia continua sendo a vítima principal. Volto a dizer: se não adotarmos o financiamento público, libertando as campanhas, cada vez mais caras, da dependência das empresas, estaremos depredando a democracia que nos custou tanto a construir”.
Tucanos e petistas têm acordo sobre isso, mas discordam sobre o sistema de escolha dos parlamentares na inalcançável reforma política. Os petistas querem financiamento público com voto em lista. Os tucanos, com voto distrital. Em sua entrevista aos blogueiros, o ex-presidente Lula também voltou ao assunto, dizendo: “A reforma política é a mais importante reforma que tem que acontecer neste país”. Para ele, o financiamento público de campanhas é “a forma mais barata e mais honesta de se fazer eleições no Brasil”.
A volta de Lula
Ao proscênio político, o ex-presidente Lula já voltou. O encontro a sós com Dilma foi um sinal disso. Ele tinha coisas a dizer a ela sem testemunhas. A entrevista aos blogueiros foi outro. Nela, mandou muitos recados, inclusive para Dilma, ao afirmar que ela terá de dizer claramente ao país “o que fará para melhorar a economia brasileira”. Com essa frase, vitaminou o discurso da oposição, que vem batendo na tecla da negligência do governo atual com a macroeconomia. Ele ainda defendeu Dilma e o governo dela, alfinetou a oposição e instigou o PT a reagir à tentativa de cerco. Por sua intercessão, o novo ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, inaugurou um novo discurso e uma nova relação entre o Palácio do Planalto e a coalizão governista. Um sinal de seu êxito foi a unidade de ontem, entre PT e PMDB, para derrotar a oposição na Comissão de Constituição e Justiça e aprovar o parecer do senador Romero Jucá, favorável ao “engordamento” da CPI da Petrobras.
Lula voltou ao ringue atendendo ao instinto de preservação do projeto político ameaçado. Qual é a distância entre esse primeiro movimento e uma eventual candidatura dele, substituindo a de Dilma, ninguém hoje pode saber. Talvez nem ele. Certo é que uma pergunta habita corações e mentes em todos os quadrantes: se a reeleição de Dilma mais adiante se mostrar inviável, Lula e o PT aceitarão passivamente, apesar do coro de “volta, Lula”? Fariam isso apenas por delicadeza para com Dilma, que, no início do ano passado, forçou o lançamento antecipado de sua recandidatura? Rimbaud tem um verso que se aplica ao dilema petista: “Par délicatesse. J’ai perdu ma vie”. Por delicadeza, perdi minha vida.
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