Um grande passo
Carolina Braga
Estado de Minas: 10/04/2014
Leo é fã da música de Bach. Não só isso: faz questão de diferenciá-lo de Vivaldi, assim como de Beethoven, entre outros compositores clássicos. Já sobre o som de Belle and Sebastian não conhece nada. Dançar, então, nem pensar. Ainda não deu o primeiro beijo e acha que nunca vai namorar alguém. Sim, Leo é diferente dos outros adolescentes da escola dele não apenas porque é cego.
A maneira menos óbvia como o diretor Daniel Ribeiro nos apresenta o que distingue o protagonista de Hoje eu quero voltar sozinho dos demais de sua geração é o que faz do filme também obra em defesa de olhares menos preconceituosos no cotidiano. Haverá sempre o igual e o diferente. Ponto. Neste caso, seja por questões de deficiência, opção sexual ou simplesmente gosto musical. A questão – e a polêmica – passaria por como lidar com isso. Mas esse é um ponto que a produção não alcança.
Concebido como um desenvolvimento do curta Eu não quero voltar sozinho (2010), o longa vencedor do prêmio da crítica da última edição do Festival de Berlim não é uma continuação. É a mesma história, contada de forma muito parecida. Assim como o curta, Hoje eu quero voltar sozinho tem como norte o autoconhecimento de Leo, em competente composição de Ghuilherme Lobo (que não é deficiente visual).
Em um momento em que o jovem entra em atrito com os pais em busca de mais independência e liberdade, é surpreendido pela chegada de Gabriel (Fábio Audi), novo colega de classe. O início de uma amizade fora do padrão o fará sentir coisas até então desconhecidas. Será obrigado a lidar com o ciúme da melhor amiga (Tess Amorim), a superproteção da família, além de experimentar algo totalmente inédito: o que é desejar alguém. E mais: do mesmo sexo que ele.
Por outro lado, curiosamente, o filme, que pretende se afastar dos clichês, escorrega em alguns diálogos. É ingênua – e desnecessária –, por exemplo, a conversa sobre o que é ser intercambista e todos os atos falhos envolvendo a cegueira. Como em nenhum momento a condição de Leo e seus amigos é dramatizada ou banalizada, torna-se de certa forma dispensável o fato de ele ser convidado para “ver” um filme e aceitar. Não é preciso forçar graça. Ela é espontânea pela empatia que Leo, Gabriel e Giovana despertam.
Hoje eu quero voltar sozinho se passa em São Paulo, mas poderia não ser. A ausência de cenário determinado para a trama é uma forma também de reafirmar o quão atemporal e ocasional ela pode ser. Não interessa ao longa problematizar, mas apresentar e aqui está seu ponto fraco. Se Leo e Gabriel ficarão juntos, se serão alvo de bulling na escola, se terão conflitos familiares quando revelarem a relação são pontos que Daniel Ribeiro deixa por conta do romantismo de cada espectador. Essa abertura faz de Hoje eu quero voltar sozinho um passo importante na cinematografia recente brasileira. Fica devendo, porém, na ousadia da discussão.
Carolina Braga
Estado de Minas: 10/04/2014
Estreia hoje em BH Hoje eu quero voltar sozinho, vencedor do prêmio da crítica em Berlim |
Leo é fã da música de Bach. Não só isso: faz questão de diferenciá-lo de Vivaldi, assim como de Beethoven, entre outros compositores clássicos. Já sobre o som de Belle and Sebastian não conhece nada. Dançar, então, nem pensar. Ainda não deu o primeiro beijo e acha que nunca vai namorar alguém. Sim, Leo é diferente dos outros adolescentes da escola dele não apenas porque é cego.
A maneira menos óbvia como o diretor Daniel Ribeiro nos apresenta o que distingue o protagonista de Hoje eu quero voltar sozinho dos demais de sua geração é o que faz do filme também obra em defesa de olhares menos preconceituosos no cotidiano. Haverá sempre o igual e o diferente. Ponto. Neste caso, seja por questões de deficiência, opção sexual ou simplesmente gosto musical. A questão – e a polêmica – passaria por como lidar com isso. Mas esse é um ponto que a produção não alcança.
Concebido como um desenvolvimento do curta Eu não quero voltar sozinho (2010), o longa vencedor do prêmio da crítica da última edição do Festival de Berlim não é uma continuação. É a mesma história, contada de forma muito parecida. Assim como o curta, Hoje eu quero voltar sozinho tem como norte o autoconhecimento de Leo, em competente composição de Ghuilherme Lobo (que não é deficiente visual).
Em um momento em que o jovem entra em atrito com os pais em busca de mais independência e liberdade, é surpreendido pela chegada de Gabriel (Fábio Audi), novo colega de classe. O início de uma amizade fora do padrão o fará sentir coisas até então desconhecidas. Será obrigado a lidar com o ciúme da melhor amiga (Tess Amorim), a superproteção da família, além de experimentar algo totalmente inédito: o que é desejar alguém. E mais: do mesmo sexo que ele.
Por outro lado, curiosamente, o filme, que pretende se afastar dos clichês, escorrega em alguns diálogos. É ingênua – e desnecessária –, por exemplo, a conversa sobre o que é ser intercambista e todos os atos falhos envolvendo a cegueira. Como em nenhum momento a condição de Leo e seus amigos é dramatizada ou banalizada, torna-se de certa forma dispensável o fato de ele ser convidado para “ver” um filme e aceitar. Não é preciso forçar graça. Ela é espontânea pela empatia que Leo, Gabriel e Giovana despertam.
Hoje eu quero voltar sozinho se passa em São Paulo, mas poderia não ser. A ausência de cenário determinado para a trama é uma forma também de reafirmar o quão atemporal e ocasional ela pode ser. Não interessa ao longa problematizar, mas apresentar e aqui está seu ponto fraco. Se Leo e Gabriel ficarão juntos, se serão alvo de bulling na escola, se terão conflitos familiares quando revelarem a relação são pontos que Daniel Ribeiro deixa por conta do romantismo de cada espectador. Essa abertura faz de Hoje eu quero voltar sozinho um passo importante na cinematografia recente brasileira. Fica devendo, porém, na ousadia da discussão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário