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Palavras e laços
Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 18/05/2014
Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 18/05/2014
Uma das coisas mais
incríveis na constituição do ser humano é a forma de apreensão da
linguagem. Um bebê somente sobrevive se houver outro para cuidar dele e é
preciso que falem com ele. O som da voz é um importante objeto de
estímulo e amparo.
A voz humana faz parte da constituição do sujeito a partir da relação entre o bebê e a mãe, além do contato físico. É como um convite para a criança fazer parte do mundo da palavra, que é nossa única forma de fazer laço com o outro.
Fale com ela (2012), filme de Almodóvar, mostra claramente o entendimento intuitivo do enfermeiro apaixonado pela paciente em coma e quanto ele acredita no poder da palavra como contato, mesmo naquelas circunstâncias.
Adquirimos a linguagem para comunicar porque o outro é a fonte da sobrevivência. Permite que chamemos a mãe ou quem quer que cuide de nós. não só quando temos fome, sede ou precisamos de cuidados de qualquer natureza, mas quando queremos presença.
E o bebê entende isso rapidamente, sem que ninguém lhe ensine. Desde muito cedo, ele incorpora a linguagem e ela habita seu corpo e faz com que este se torne corpo próprio. Um corpo que vai além do corpo biológico e que adquire uma imagem narcísica, quando o sujeito se apropria de seu corpo e da integração mental desta imagem.
A palavra é um endereçamento. Nós a dirigimos a alguma pessoa e estamos também, quando falamos, fazendo um pedido para que nos escutem, aceitem, reconheçam e amem. E por isso dizemos que toda demanda é uma demanda de amor.
A palavra é nosso laço e é também um pedido de amor. E é incrível observar que lá pelos seis meses o bebê entende grande parte do que falamos. Esta observação provoca em nós a sensação de um verdadeiro milagre.
Até o tom da voz faz parte desta incorporação estruturante da subjetividade e sabemos o quanto ela pode ser amável, odiosa, provocante, desejável. Ela pode ser doce, vinda de uma mãe amorosa e que deseja ser amada também. É doação e, mais ainda, um pedido de amor, de escuta, de atenção.
Mas cá para nós, tem gente que abusa. Cresce e se torna crente que pode falar o que quiser. E é lamentável que se dê pouca atenção ao uso da palavra na educação da criança impedindo seu mau uso.
A palavra pode ser salvadora e também é uma navalha na carne. Por isso na Bíblia encontramos que o importante não é o que entra pela boca, mas o que sai dela. Aí sim, temos alguma coisa muito mais delicada, se não perigosa.
A pessoa que tem a palavra livre, fala o que pensa sem nenhuma censura, provocará muitos danos a si mesma e ao outro. Inclusive passa a ser malquista e evitada. Assim, o mau uso da palavra desfaz laços e cria exclusão, porque pode provocar intrigas e grandes desgraças.
Como diz o ditado popular, temos dois ouvidos e uma boca porque escutar é melhor do que falar. Não sei se é verdade, mas dá certo. Toda vez que falamos demais tropeçamos na própria palavra e os efeitos são de embaraço. A escuta, no entanto, sempre é esclarecedora.
Se as palavras formam uma cadeia, são seus elos que nos enlaçam e é importante usá-la com sensibilidade para obter os efeitos desejados e não sair por aí nos embolando e até nos enforcando com elas.
Quem fala o que quer, escuta o que não quer, e não conter o que pensamos traduz-se frequentemente em angústia e mal-estar, porque depois de falada a palavra não nos pertence mais e vai com o vento para onde for levada.
* Em tempo: no artigo de 27 de abril citei Freud na carta a Breuer em 1992. A data correta é 1892.
>> reginacosta@uai.com.br
A voz humana faz parte da constituição do sujeito a partir da relação entre o bebê e a mãe, além do contato físico. É como um convite para a criança fazer parte do mundo da palavra, que é nossa única forma de fazer laço com o outro.
Fale com ela (2012), filme de Almodóvar, mostra claramente o entendimento intuitivo do enfermeiro apaixonado pela paciente em coma e quanto ele acredita no poder da palavra como contato, mesmo naquelas circunstâncias.
Adquirimos a linguagem para comunicar porque o outro é a fonte da sobrevivência. Permite que chamemos a mãe ou quem quer que cuide de nós. não só quando temos fome, sede ou precisamos de cuidados de qualquer natureza, mas quando queremos presença.
E o bebê entende isso rapidamente, sem que ninguém lhe ensine. Desde muito cedo, ele incorpora a linguagem e ela habita seu corpo e faz com que este se torne corpo próprio. Um corpo que vai além do corpo biológico e que adquire uma imagem narcísica, quando o sujeito se apropria de seu corpo e da integração mental desta imagem.
A palavra é um endereçamento. Nós a dirigimos a alguma pessoa e estamos também, quando falamos, fazendo um pedido para que nos escutem, aceitem, reconheçam e amem. E por isso dizemos que toda demanda é uma demanda de amor.
A palavra é nosso laço e é também um pedido de amor. E é incrível observar que lá pelos seis meses o bebê entende grande parte do que falamos. Esta observação provoca em nós a sensação de um verdadeiro milagre.
Até o tom da voz faz parte desta incorporação estruturante da subjetividade e sabemos o quanto ela pode ser amável, odiosa, provocante, desejável. Ela pode ser doce, vinda de uma mãe amorosa e que deseja ser amada também. É doação e, mais ainda, um pedido de amor, de escuta, de atenção.
Mas cá para nós, tem gente que abusa. Cresce e se torna crente que pode falar o que quiser. E é lamentável que se dê pouca atenção ao uso da palavra na educação da criança impedindo seu mau uso.
A palavra pode ser salvadora e também é uma navalha na carne. Por isso na Bíblia encontramos que o importante não é o que entra pela boca, mas o que sai dela. Aí sim, temos alguma coisa muito mais delicada, se não perigosa.
A pessoa que tem a palavra livre, fala o que pensa sem nenhuma censura, provocará muitos danos a si mesma e ao outro. Inclusive passa a ser malquista e evitada. Assim, o mau uso da palavra desfaz laços e cria exclusão, porque pode provocar intrigas e grandes desgraças.
Como diz o ditado popular, temos dois ouvidos e uma boca porque escutar é melhor do que falar. Não sei se é verdade, mas dá certo. Toda vez que falamos demais tropeçamos na própria palavra e os efeitos são de embaraço. A escuta, no entanto, sempre é esclarecedora.
Se as palavras formam uma cadeia, são seus elos que nos enlaçam e é importante usá-la com sensibilidade para obter os efeitos desejados e não sair por aí nos embolando e até nos enforcando com elas.
Quem fala o que quer, escuta o que não quer, e não conter o que pensamos traduz-se frequentemente em angústia e mal-estar, porque depois de falada a palavra não nos pertence mais e vai com o vento para onde for levada.
* Em tempo: no artigo de 27 de abril citei Freud na carta a Breuer em 1992. A data correta é 1892.
>> reginacosta@uai.com.br
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