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Estudo destaca a obra de Carolina Maria de Jesus, autora do best-seller Quarto de despejo. Lançado na década de 1960, o livro da esquecida mineira foi traduzido para 13 idiomas
Ângela Faria
Estado de Minas: 06/05/2014
A pesquisadora Elzira Divina Perpétua, professora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), e a pequena – mas valente – editora belo-horizontina Nandyala fazem justiça a um talento esquecido da literatura brasileira. Esta noite, a especialista lança o ensaio A vida escrita de Carolina Maria de Jesus, resultado de vários anos de dedicação à obra da escritora mineira.
Catadora de papel semialfabetizada, mãe solteira de três filhos e favelada, Carolina de Jesus (1914-1977) tinha orgulho de ser poeta. Descoberta pelo jornalista Audálio Dantas no fim dos anos 1950, ela havia trocado a pobreza no Triângulo Mineiro pela miséria na favela paulistana do Canindé. Passou fome, criou a família sozinha e vivia num barraco forrado de papelão, mas nunca desgrudou de seus amados livros. Os diários dela deram origem ao best-seller Quarto de despejo (Editora Francisco Alves), lançado em 1960 e traduzido para 13 idiomas. Carolina escreveu outros quatro livros, mas seu sucesso foi efêmero. Ela deixou a favela e morreu pobre, no ostracismo.
Neste ano de seu centenário, Carolina de Jesus está apartada do mundo das letras. Pouco se fala dela nas universidades. É difícil encontrar nas livrarias seus dois volumes não esgotados: Quarto de despejo (Ática) e Diário de Bitita, lançado pela Bertolucci, pequena editora de Sacramento, terra natal da escritora. De 1961 para cá publicaram-se alguns ensaios, perfis biográficos e trabalhos sobre a autora – vários deles estão esgotados até em sebos.
ORIGINAIS Ex-professora da PUC Minas e do Unicentro Newton Paiva, Elzira Divina Perpétua pesquisa a obra de Carolina de Jesus desde 2000. Em seu ensaio, ela compara os escritos originais da moradora do Canindé ao best-seller editado pelo jornalista Audálio Dantas, mostrando que o processo de editoração criou, por assim dizer, uma “personagem” Carolina de Jesus. Moldada às convicções político-culturais de Dantas, ela surge denunciando injustiças, mas “como vítima social – objeto, e não sujeito –, desamparada por todos e resignada com sua sorte”, de acordo com Elzira.
A escritora mineira era muito mais do que isso, acredita a pesquisadora, ressaltando a peculiaridade e o valor literário de seus poemas, provérbios e demais escritos. “Carolina se debruça diariamente sobre seus cadernos não apenas para registrar a efervescência da favela, mas também para refletir sobre a realidade em que vivia e, sobretudo, registrar suas interrogações sobre a linguagem poética e extravasar, na escrita do cotidiano, os sonhos de escritora de que se alimentava. Nesses últimos está manifestado o desejo de ser reconhecida não como escritora do diário da favela, mas como poeta”, informa a professora da Ufop.
Parte dos manuscritos de Carolina ficou com Audálio Dantas. Outra parte é guardada por familiares. Há poemas, contos, romances e peças de teatro que merecem vir à luz não apenas em memória de Carolina, mas porque são capítulo importante da literatura popular brasileira. O livro de Elzira apenas entreabre um baú, que, tudo indica, ainda guarda um tesouro.
A VIDA ESCRITA DE CAROLINA MARIA DE JESUS
De Elzira Divina Perpétua
Editora Nandyala, 339 páginas, R$ 45
Lançamento hoje, às 19h. Café Cine Theatro Brasil Vallourec, Rua Carijós, 258, Centro.
Livros de Carolina de Jesus podem ser encontrados na Nandyala Livros (Av. Amazonas, 314, sala 1.407, Centro). Informações:
(31) 3281-5894.
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