quinta-feira, 1 de maio de 2014

Tereza Cruvinel - O ponto que paira‏

A campanha presidencial tem algo de insólito. Dilma pratica a auto-desconstrução e seus adversários apostam no crescimento inercial às custas do desgaste dela


Estado de Minas: 01/05/2014


Estamos no curso da sétima campanha presidencial depois do fim da ditadura. Cada campanha foi única, marcada por circunstâncias próprias e pela personalidade dos atores envolvidos. A deste ano, entretanto, tem algo de mais atípico, na conduta dos candidatos, na ação dos partidos e na postura dos eleitores. E pairando sobre tudo isso ficará, talvez até 20 dias antes do pleito, quando acaba o prazo para a troca de candidatos, este grande ponto de interrogação: Lula voltará ou não no papel de candidato, que ele encarnou durante 17 anos, de 1989 a 2006.

Não só a presidente Dilma Rousseff, como candidata à reeleição, tem tido uma postura heterodoxa. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o ex-governador Eduardo Campos (PSB) são atípicos com suas campanhas que apostam na força inercial do desgaste de Dilma. Cresceram agora, graças ao desgaste dela com a crise da Petrobras, não à empatia do eleitorado com suas ideias e propostas para o país. Ninguém é capaz de dizer com segurança o que cada um deles faria na economia ou na gestão das principais políticas públicas.

Mas Dilma é ainda mais insólita, parecendo empenhada na auto-desconstrução. Sua declaração de ontem, de que será candidata com ou sem apoio dos partidos da base, expressa sua incompreensão do modo brasileiro de fazer política, com todos os defeitos que ele tem. Sem os partidos da base, não haverá tempo de televisão nem palanques nos estados. Não haverá campanha. O PT sozinho não faz verão e mesmo ele é um pote até aqui de mágoas com ela. Quando Dilma sangrou pela primeira vez, logo depois das manifestações de junho de 2013, em vez de se abraçar aos aliados, ela começou a brigar com eles. Os tubarões então atacaram. O ministro de Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, vem pacificando a base, mas, em alguns casos, sua ação é tardia. Vide o que fez o ressentido PR ao lançar o manifesto “Volta, Lula”.

Essas estranhezas, dela e de seus adversários, alimentam o “volta, Lula”, que ninguém sabe até onde vai crescer. Teoricamente, o PT tem o início de setembro para trocar Dilma por Lula na chapa. Mas quem colocaria o guizo no gato? Quem convenceria uma presidente que declara gostar do cargo a abdicar do direito à recandidatura? Lula nega, mas há sinais de que se prepara para uma eventual emergência. Alguém já explicou, por exemplo, por que ele convenceu o empresário Josué Alencar, filho de seu ex-vice José Alencar, a filiar-se ao PMDB? Ele já tinha certa uma candidatura a governador pelo partido do pai, o PRB. Mas Lula pediu e ele atendeu. Há quem diga que Lula levou Josué para o PMDB para chamá-lo como vice, caso precise ser candidato. Leal a Dilma ele é, como disse ela no jantar com jornalistas esportivos. Mas até que ponto estaria disposto a aceitar uma derrota do projeto longamente perseguido para não ofendê-la? Essa é a grande interrogação.

Uma palavra no cais

Nos últimos dois anos o Estado de Minas e o Correio Braziliense propiciaram-me o reencontro com o ofício de analista política, do qual me havia afastado em 2007, após exercê-lo por 22 anos seguidos no jornal O Globo. Deixei-o para enfrentar um desafio democrático, a implantação da TV Pública num país que nunca observara o equilíbrio entre radiodifusão privada, estatal e pública, tradição nas melhores democracias, preceituado pelo artigo 223 de nossa Constituição. Missão cumprida, apesar das incompreensões e agressões, o chamado do jornalismo se impôs e, pelas mãos do diretor-geral Josemar Jimenez, aportei aqui, escrevendo às terças, quintas e domingos, esta coluna publicada também pelos outros jornais do grupo Diários Associados.

Foram tempos fecundos para um observador da cena política de nosso país: tempo de enorme desgaste para a atividade política, por conta das faltas de alguns atores e das enormes falhas do próprio sistema que não conseguimos reformar. Mas foram, por outro lado, tempos adventícios para a sociedade civil, que deu mostras de sua vitalidade e de uma nova e forte exigência em relação ao Estado e aos que o dirigem. Cheguei em 2012 e integrei-me ao esforço de cobertura das eleições municipais. Afora um crescimento do PSB e um enraizamento do PT no interior, o pleito apenas reproduziu as estacas mais fundas do sistema, que estão lá nos municípios.

Em 2013, entretanto, vimos aflorar as grandes manifestações populares, que não davam o ar de sua graças desde as campanhas da transição, a das diretas e a de Tancredo Neves. Contados os votos de 2012, o navio da sucessão presidencial pôs-se ao mar, com sua carga de alianças, contradições e incertezas. E aqui estamos, numa campanha muito singular.

Tudo vale a pena se a disposição não é pequena. Foi um boa parceria, mas chegou o momento da separação. Nesse período, convivi com uma equipe admirável por sua garra e dedicação. A todos, sou grata pelo convívio enriquecedor. Por fim, um agradecimento especial aos leitores de outros tempos que reencontrei e aos novos que chegaram, e que poderão continuar me encontrando como comentarista da RedeTV. Outros encontros virão.

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