A campanha presidencial tem algo de
insólito. Dilma pratica a auto-desconstrução e seus adversários apostam
no crescimento inercial às custas do desgaste dela
Estado de Minas: 01/05/2014
Estamos no curso
da sétima campanha presidencial depois do fim da ditadura. Cada campanha
foi única, marcada por circunstâncias próprias e pela personalidade dos
atores envolvidos. A deste ano, entretanto, tem algo de mais atípico,
na conduta dos candidatos, na ação dos partidos e na postura dos
eleitores. E pairando sobre tudo isso ficará, talvez até 20 dias antes
do pleito, quando acaba o prazo para a troca de candidatos, este grande
ponto de interrogação: Lula voltará ou não no papel de candidato, que
ele encarnou durante 17 anos, de 1989 a 2006.
Não só a presidente
Dilma Rousseff, como candidata à reeleição, tem tido uma postura
heterodoxa. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o ex-governador Eduardo
Campos (PSB) são atípicos com suas campanhas que apostam na força
inercial do desgaste de Dilma. Cresceram agora, graças ao desgaste dela
com a crise da Petrobras, não à empatia do eleitorado com suas ideias e
propostas para o país. Ninguém é capaz de dizer com segurança o que cada
um deles faria na economia ou na gestão das principais políticas
públicas.
Mas Dilma é ainda mais insólita, parecendo empenhada na
auto-desconstrução. Sua declaração de ontem, de que será candidata com
ou sem apoio dos partidos da base, expressa sua incompreensão do modo
brasileiro de fazer política, com todos os defeitos que ele tem. Sem os
partidos da base, não haverá tempo de televisão nem palanques nos
estados. Não haverá campanha. O PT sozinho não faz verão e mesmo ele é
um pote até aqui de mágoas com ela. Quando Dilma sangrou pela primeira
vez, logo depois das manifestações de junho de 2013, em vez de se
abraçar aos aliados, ela começou a brigar com eles. Os tubarões então
atacaram. O ministro de Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, vem
pacificando a base, mas, em alguns casos, sua ação é tardia. Vide o que
fez o ressentido PR ao lançar o manifesto “Volta, Lula”.
Essas
estranhezas, dela e de seus adversários, alimentam o “volta, Lula”, que
ninguém sabe até onde vai crescer. Teoricamente, o PT tem o início de
setembro para trocar Dilma por Lula na chapa. Mas quem colocaria o guizo
no gato? Quem convenceria uma presidente que declara gostar do cargo a
abdicar do direito à recandidatura? Lula nega, mas há sinais de que se
prepara para uma eventual emergência. Alguém já explicou, por exemplo,
por que ele convenceu o empresário Josué Alencar, filho de seu ex-vice
José Alencar, a filiar-se ao PMDB? Ele já tinha certa uma candidatura a
governador pelo partido do pai, o PRB. Mas Lula pediu e ele atendeu. Há
quem diga que Lula levou Josué para o PMDB para chamá-lo como vice, caso
precise ser candidato. Leal a Dilma ele é, como disse ela no jantar com
jornalistas esportivos. Mas até que ponto estaria disposto a aceitar
uma derrota do projeto longamente perseguido para não ofendê-la? Essa é a
grande interrogação.
Uma palavra no cais
Nos
últimos dois anos o Estado de Minas e o Correio Braziliense
propiciaram-me o reencontro com o ofício de analista política, do qual
me havia afastado em 2007, após exercê-lo por 22 anos seguidos no jornal
O Globo. Deixei-o para enfrentar um desafio democrático, a implantação
da TV Pública num país que nunca observara o equilíbrio entre
radiodifusão privada, estatal e pública, tradição nas melhores
democracias, preceituado pelo artigo 223 de nossa Constituição. Missão
cumprida, apesar das incompreensões e agressões, o chamado do jornalismo
se impôs e, pelas mãos do diretor-geral Josemar Jimenez, aportei aqui,
escrevendo às terças, quintas e domingos, esta coluna publicada também
pelos outros jornais do grupo Diários Associados.
Foram tempos
fecundos para um observador da cena política de nosso país: tempo de
enorme desgaste para a atividade política, por conta das faltas de
alguns atores e das enormes falhas do próprio sistema que não
conseguimos reformar. Mas foram, por outro lado, tempos adventícios para
a sociedade civil, que deu mostras de sua vitalidade e de uma nova e
forte exigência em relação ao Estado e aos que o dirigem. Cheguei em
2012 e integrei-me ao esforço de cobertura das eleições municipais.
Afora um crescimento do PSB e um enraizamento do PT no interior, o
pleito apenas reproduziu as estacas mais fundas do sistema, que estão lá
nos municípios.
Em 2013, entretanto, vimos aflorar as grandes
manifestações populares, que não davam o ar de sua graças desde as
campanhas da transição, a das diretas e a de Tancredo Neves. Contados os
votos de 2012, o navio da sucessão presidencial pôs-se ao mar, com sua
carga de alianças, contradições e incertezas. E aqui estamos, numa
campanha muito singular.
Tudo vale a pena se a disposição não é
pequena. Foi um boa parceria, mas chegou o momento da separação. Nesse
período, convivi com uma equipe admirável por sua garra e dedicação. A
todos, sou grata pelo convívio enriquecedor. Por fim, um agradecimento
especial aos leitores de outros tempos que reencontrei e aos novos que
chegaram, e que poderão continuar me encontrando como comentarista da
RedeTV. Outros encontros virão.
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