sexta-feira, 6 de junho de 2014

A deusa de branco - Carlos Herculano Lopes‏

A deusa de branco
Carlos Herculano Lopes


carloslopes.mg@diariosassociados.com.br
Estado de Minas: 06/06/2014


Um dia desses, no início de uma tarde de muito calor, um ônibus rodava pela Avenida do Contorno. Não ia muito cheio, tinha a metade da sua capacidade, ou pouco mais. Os passageiros, na sua maioria, estavam ensimesmados, entregues aos seus pensamentos. Alguns falavam ao celular; outros verificavam mensagens; e uns tantos, os mais jovens, ouviam música com fones de ouvido. Os demais, como se nada lhes importasse, olhavam pela janela, deixando a vida e o tempo passarem.

Mas tudo mudou de repente quando, nas imediações do Hospital Felício Rocho, quase em frente a um posto de gasolina, uma deusa vestida de branco, que talvez fosse médica ou enfermeira, entrou na lotação. Foi como se um vento forte, ou uma tempestade, dessas inesperadas, tivesse começado naquela hora.

O trocador, que estava cochilando, ajeitou-se na cadeira e abriu um sorriso quando ela lhe entregou o dinheiro da passagem. Um adolescente, com o rosto cheiro de espinhas, que ouvia música, deixou de lado o fone, e se voltou para ela, sem conseguir fechar a boca. Um homem gordo, que ocupava quase toda a poltrona, levantou-se às pressas para oferecer-lhe o lugar. Ao que a bela, com um sorriso, agradeceu.

“Obrigada, mas vou descer ali na frente”, disse aquela mulher. Ela era morena e alta. Tinha olhos negros e rasgados. Seus cabelos, lisos e acastanhados, quase lhe chegavam aos ombros, e a calça, muito apertada, ajudava a realçar a perfeição do seu corpo. “Como pode, meu Deus, uma maravilha dessas andando de ônibus?”, um dos passageiros, que antes olhava pela janela, comentou com o colega ao lado.

Ao que este, fingindo não ouvir, manteve-se calado. Mas seus olhos, sobre os quais não tinha domínio, não conseguiam se desviar daquela deusa, que, daí a pouco, abrindo às pressas a bolsa, tirou o celular, levou-o ao ouvido e disse baixinho, como se revelasse um segredo: “Chego daqui a um pouquinho, meu amor. Vamos, sim, almoçar juntos, naquele mesmo lugar. Estou com muitas saudades....”.

“Ah!, meu Deus, por que não é comigo...”, voltou a comentar o homem com o colega, ao que este, outra vez, o deixou sem resposta, embriagado que estava com tanta beleza. Uns quarteirões adiante, uma ambulância, com a sirene disparada, furou com imprudência o sinal, quase causando uma batida.

 E o carro foi rodando. O calor, que estava forte, tornou-se ainda mais intenso. E entraram e desceram pessoas. E nenhuma delas, por mais que tenha tentado despistar, conseguiu deixar de observar aquela deusa de branco, que, daí a algum tempo, deixando tudo novamente sem graça, deu o sinal e desceu. Em frente ao Colégio Padre Machado, o homem com o qual havia falado ao celular a estava esperando. 

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