sexta-feira, 6 de junho de 2014

OMAHA:DE PRAIA SANGRENTA A SANTUÁRIO DA LIBERDADE

A Tarde 06/06/2014

MEMÓRIA A TARDE percorreu o roteiro do teatro da guerra e relata o desembarque



JC TEIXEIRA GOMES
Da Normandia, Especial para
A TARDE

“Nesta praia só ficarão dois tipos de homens: os que já morreram e os que vão morrer”. Com esta frase terrível o coronel americano George Taylor resumiu a dramática situação dos fuzileiros navais encurralados na praia de Omaha, na Normandia, no dia seis de junho de 1944, sob impiedoso fogo de canhões, metralhadoras, morteiros e fuzis dos nazistas entrincheirados.

O desembarque das tropas aliadas, que exatamente no dia de hoje completa setenta anos e será objeto de comemorações no mundo inteiro, constituindo uma extraordinária façanha militar jamais igualada, apressou a libertação da França, da Europa e o fim do regime de Hitler.

A praia sangrenta

Omaha Beach passou à posteridade como “a praia sangrenta”, tal a enormidade das perdas dos EUA nas primeiras horas de combate, iniciado na madrugada de seis de junho: entre mortos e desaparecidos foram cerca de duas mil e quinhentas baixas, com os corpos mutilados
acumulando-se nas areias ou boiando nas ondas agitadas, pois muitos soldados se afogaram antes de iniciar a luta, caindo no mar com o peso do equipamento, ao tentar sair das barcas de transporte Higgins. No total, os aliados perderam cerca de 10 mil soldados no primeiro dia do confronto.

O roteiro do teatro da guerra inclui quase mil quilômetros de pontos vitais como a cidade de Caen e seu famoso Memorial, toda a extensão d praia sangrenta com os seus monumentos, e a pequena cidad de Sainte Mère Église, famosa pelos combates e pelo fato surpreendente de um paraquedista
americano ter-se enroscado na torre da igreja.

Passa ainda pelas escarpas da “Pointe du Hoc”, soberba elevação sobre o mais extenso promontório da Normandia. Desta parte privilegiada, os nazistas podiam, com artilharia encravada, atacar simultaneamente as duas áreas mais importantes do desembarque, as praias de Utah e Omaha, ao lado das praias de Juno, Gold e Sword, todas objeto da Operação Overlord, nome genérico da ação comandada pelo general americano Eisenhower.

Tudo parecia perdido

O meticuloso planejamento do desembarque parecia ter falhado em grande parte do primeiro dia na praia de Omaha, onde a encarniçada reação nazista dizimava as tropas invasoras.

O mais graduado general americano após Ike, Omar Bradley, chegou a conceber um recuo e o recolhimento das tropas, enquanto outros chefes militares imaginavam um retorno aos navios.

Estes, desde as horas iniciais da manhã, não paravam de atirar contra as fortificações alemãs, ajudados por um dos mais intensos bombardeios aéreos da II Guerra Mundial. A infantaria americana, porém, estava acuada e imobilizada nas areias.

Ironicamente, a única proteção de que os invasores dispunham contra a fuzilaria mortal eram os obstáculos que o marechal Rommel tinha mandado espalhar pela costa normanda: armações metálicas conhecidas como tetraedros, triângulos e ouriços de aço, madeiras transversais fincadas nas areias, chamadas de “os aspargos de Rommel”.

Além destas peças, milhões de minas protegiam a Muralha do Atlântico, organizada pelo marechal que ficara famoso como “a raposa do deserto”, nas lutas da África.

Completava a defesa da extensa costa, ao lado da enorme concentração de tropas, abrigos subterrâneos de concreto, recheados de canhões, potentes e espessas casamatas de aço e cimento com peças de artilharia, canhões antitanques, abrigos de morteiros, bases de lançamento de foguetes, bem como uma infinidade de ninhos de metralhadoras e quilômetros de arame farpado em pontos estratégicos.

Para superar os obstáculos e proteger a infantaria, os aliados inventaram tanques flutuantes, 27 dos quais afundaram por inabilidade desastrosa logo no primeiro dia, e tanques removedores de minas. Tudo funcionara mal nas ações iniciais.

O milagre do avanço
O avanço das tropas em certas áreas parecia um milagre militar. Mais do que o prolongado treinamento militar e as informações acumuladas pelos aliados sobre as defesas alemãs durante três anos, a enormidade da armada invasora e o poder de fogo dos seus navios e aviões acabaram tornando triunfante o desembarque ameaçado.

Implacáveis em terra, os alemães não dispunham de aviões para combater os aliados. ALuftwaffe de Goering já se aproximava do colapso, os poucos aviões nazistas na Normandia tinham sido transferidos por um erro inconcebível de comando.

Na verdade, as belas praias da Normandia não constituem um cenário de guerra. Toda a Normandia é um estirão de terras verdes cultiváveis, repleto de fazendas com cercas vivas (que tanto dificultaram a movimentação dos tanques e blindados aliados) e praias paradisíacas,
foi feita para a alegria e a confraternização do homem com a natureza.

Um dos marco locais é a presença do cemitério normando das tropas norte-americanas, que abriga quase dez mil corpos dos fuzileiros mortos não apenas nos primeiros momentos da ação, mas, igualmente, no curso dos ferozes combates travados no interior para expulsar os nazistas das cidades que ocuparam durante longos anos.




Paraquedista

A pequena cidade de Sainte Mère Église ficou com destaque na história da invasão por um fato incrível: descendo no lugar errado como tantos dos seus colegas, que logo foram fuzilados pelos soldados nazistas, o paraquedista americano John Steele enroscou seu equipamento na torre da igreja normanda,e láf icou, pendurado e exposto, ensurdecendo-se com o sino.

Localizado por um soldado alemão, recebeu um tiro no pé, foi capturado e depois resgatado. Os habitantes da cidade cotizaram-se e mandaram colocar no mesmo lugar, no topo da igreja, um manequim de paraquedista com o tamanho de um homem, que até hoje relembra para os visitantes a história de Steele. Mais de doze invasores morreram ao cair no centro da cidade, onde moradores e tropas alemães se empenhavam em apagar um incêndio, em cujas chamas estouraram alguns dos paraquedistas desgarrados, portadores de explosivos. Ao lado dessas tragédias, Sainte Mére ficou nas crônicas pela rudeza dos combates para conquistá-la, pois os aliados consideravam-na um
entroncamento vital para sua penetração em direção ao interior da Normandia e Paris. A marcada aventura de Steele é visível emvários pontos, inclusive no formato do Museu de Guerra lá existente: um paraquedas aberto, de cimento branco.

Ponta du Hoc

O nome “Pointe du Hoc”, em francês, talvez não seja familiar aos leitores, mas o local é cultuado na Normandia como um dos pontos mais relevantes nos combates de seis de junho de 1944. Trata-se da mais longa projeção da costa normanda rumo ao Atlântico, um promontório em cima de
escarpas de trinta metros de altura, em que os nazistas se instalaram para atirar nos invasores, atingindo simultaneamente as praias de Utah e Omaha. Um lugar, portanto, essencialmente estratégico.

Na madrugada de seis de junho, antes mesmo de começar o desembarque, para ali rumou um comando especial composto de 225 soldados sob a chefia do coronel James Rudder, herói de guerra. Não é difícil imaginar o que poderia ter acontecido a um grupo de homens subindo por falésias rudes e abruptas, com tropas inimigas a metralhá-los lá de cima: apenas 99 sobreviveram e conseguiram dominar os nazistas, para descobrir, decepcionados, que ali não estavamos canhões denunciados pela Resistência francesa.

Mas lá se encontravam, afinal, as imensas casamatas de cimento e aço,umadas quais, tendo resistido aos frequentes bombardeios que espalharam crateras gigantescas em toda a área.O acesso se dá por uma estreita abertura, pois tudo era planejado pelos alemães para dificultar ataques e só permitir no interior dos blocos a movimentação das suas guarnições.

Centenas iguais àquela estavam disseminadas por toda a Normandia e foramo único legado que restou das defesas planejadas por Rommel e seus engenheiros.

Caen

Caen, uma das cidades mais belas e importantes da Normandia, foi completamente destruída durante os combates ente as tropas aliadas e os nazistas lá encastelados havia quatro anos. Pelo nível da devastação a que foi submetida, até porque os alemães em retirada imitaram o que fizeram em Varsóvia e atacaram e incendiaram prédios, Caen ganhou o apelido de “cidade- martírio”. Hoje, restaurada e novamente bela, é sede universitária repleta de barulhentos estudantes.

Ao lado da sua relevância na crônica da guerra, Caen é hoje um centro indispensável de romaria dos estudiosos, pelo magnífico memorial que lá foi construído,não apenas alusivo às batalhas normandas, mas a II Grande Guerra em geral.

Dividido em duas seções, “O Mundo antes e depois de 1945”, o Memorial de Caen fala-nos da falência da paz, dos anos negros da França, da guerra total e das batalhas da Normandia, das cidades destruídas, do confronto das ideologias, das crises geradas pela guerra fria, do equilíbrio provocado pelo terror atômico, das ameaças da crise de Berlim, e exibe ao visitante o filme “Esperança”.


O acervo inclui displays e documentos sobre o domínio nazista, propaganda ideológica, o governo de Petain, a perseguição aos judeus, campos de extermínio e concentração, filmes dos guetos na Europa, a liberação de Paris, a batalha da Inglaterra, a invasão da Polônia, cidades destruídas, o cerco de Leningrado e a batalha de Stalingrado, fotos do desembarque na Normandia, a bomba atômica etc. Em suma, tudo aquilo que o ser humano não deve esquecer nunca (e esquece sempre), exibindo os horrores e a insânia de todas as guerras.

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