Mariana Peixoto
Estado de Minas: 13/06/2014
Setenta, de Emília Silveira, recupera a história do grupo que sequestrou o embaixador da Suíça no Brasil |
Há alguns dias, depois da exibição do documentário Setenta para estudantes de área de risco do Rio de Janeiro, a diretora Emília Silveira ouviu comentário de um deles que a deixou desconcertada: “Gostei do filme, mas o que é ditadura?”. Em cartaz em algumas capitais, incluindo Belo Horizonte, o longa-metragem mostra o que ocorreu, 40 anos depois, com grupo que sequestrou o embaixador da Suíça no Brasil, Giovanni Enrico Bucher, em dezembro de 1970. Emília Silveira, ela mesma perseguida pelo regime, foi atrás de 18 das 70 pessoas envolvidas. Na época, foram expulsas do país e exiladas no Chile.
Antes de chegar ao circuito comercial, Setenta foi exibido em festivais. Estreante na direção de documentários para cinema, Emília tem acompanhado de perto as sessões. “O que me surpreendeu é que as pessoas entenderam nossa intenção com o filme. Entendem que só foi possível fazê-lo muito tempo mais tarde, com uma visão distanciada do caso. Entendem também que não é um filme histórico, mas humano e que tem autocrítica.” Mas como está lidando com públicos diversos, Emília tem consciência de que a percepção é bem distinta. “É difícil para um garoto entender hoje que, naquela época, era proibido que mais de duas pessoas conversassem numa esquina.”
O filme de Emília não está sozinho nessa busca por apresentar diferentes olhares para o próprio Brasil. Outros dois documentários, também em exibição em BH, têm a mesma intenção, ainda que tratem de temas diversos. Mas no fim os filmes acabam se tornando complementares. Junho, de João Wainer, mostra o caminho que levou para a eclosão das manifestações que tomaram conta do país há um ano. E Tim Lopes – Histórias de arcanjo, de Guilherme Azevedo, conta a trajetória do jornalista investigativo que foi assassinado pelo narcotráfico há 12 anos.
Protesto contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo, que faz parte de Junho, de João Wainer |
“Para que o filme não ficasse datado, fechamos o recorte para o mês de junho, do dia 1º ao dia 30. Ou seja, independentemente do que aconteceu depois, o filme mostra como foi a origem de tudo”, comenta Wainer, que acredita que seu não filme não tem a pretensão de explicar o porquê de todas as manifestações, mas contextualizar o período. “Um documentário joga luz sobre determinados temas, para que as pessoas possam discutí-lo”, acrescenta Wainer.
Já Azevedo, repórter cinematográfico que foi parceiro de Tim Lopes durante muitos anos na Rede Globo, propôs em seu filme um olhar para além da tragédia. “As pessoas conheceram o Tim como o jornalista que foi assassinado por traficantes na Vila Cruzeiro. A ideia era resgatar a vida dele (o projeto foi realizado em parceria com Bruno Quintella, filho de Tim, também jornalista, e autor do roteiro do longa), pois a factual da morte já tinha se esgotado. O Tim, por exemplo, fez a primeira matéria sobre arrastões nas praias cariocas. Ou seja, os temas são muito atuais.”
Filme sobre Tim Lopes mostra como o jornalista sempre esteve envolvido com temas sociais |
Ainda que tenham conseguido chegar ao circuito comercial, os três documentários têm exibição restrita. Em BH, todos com somente um horário. Os diretores têm consciência da dificuldade de chegar ao grande público, e que a vida de um documentário é diferente de filmes de ficção. Tanto por isso, para além da tela grande, eles serão exibidos em outras plataformas. Junho estreou simultaneamente no cinema e no iTunes, a loja virtual da Apple. Está disponível para 80 países e, entre os documentários nacionais, está em primeiro lugar na loja. Assim que sair dos cinemas, Setenta será exibido no Canal Brasil e, um mês depois, na Globonews. Estuda-se ainda a possibilidade de levá-lo para o iTunes. Já Tim Lopes também será apresentado no Canal Brasil.
Olhar coletivo
Trinta e dois câmeras aparecem nos créditos finais do documentário 20 centavos, que estreia neste domingo na programação do site de streaming Netflix depois de ter aberto o festival É tudo verdade. Ainda que o diretor seja o paulista Tiago Tambelli, o filme de 55 minutos contou com colaboradores de diferentes cidades. A ideia do projeto era seguir a linha que marcou as manifestações de 2013.
Em 16 de junho de 2013, um dia antes da explosão das manifestações em todo o país, Tambelli, criador da produtora Lente Viva Filmes, começou um debate via Facebook sobre aquele momento específico. “Onde estão os cineastas políticos brasileiros?”, questionou. Trinta pessoas responderam e, um dia mais tarde, todas foram para as ruas de São Paulo com suas câmeras para registrar o que estava ocorrendo.
Em 20 centavos, de Tiago Tambelli, as câmeras buscam reproduzir o olhar dos manifestantes |
Em poucos dias, novos agregados chegaram, gente do Rio e de Brasília. “Ali, não havia a intenção de fazer o documentário. A gente filmava e descarregava o material no ator”, relembra Carlos Maga, produtor e roteirista de 20 centavos. Mas a partir do momento em que iniciativas semelhantes pipocaram na internet, ele e Tambelli resolveram recuar. Continuaram, com sua equipe de diferentes olhares, a registrar as manifestações. Mas com o objetivo de fazer dos registros um filme.
“Filmamos até o final de julho e resolvemos ir além das grandes manifestações midiáticas”, continua Maga. Há imagens de passeatas de menor porte no Capão Redondo e Jardim Míriam, periferia de São Paulo. Com isso, foram atrás de outros movimentos que fossem além do Passe Livre, como o dos negros e dos povos indígenas. Tanto que 20 centavos abre com a invasão de índios no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, em abril de 2013. As imagens, por sinal, foram realizadas por um índio do Xingu.
Programe-se
Junho, de João Wainer, está em cartaz às 18h40 no Cine Belas Artes. Setenta, de Emília Silveira, às 17h, no Cine 104. E Tim Lopes – Histórias de arcanjo, de Guilherme Azevedo, às 14h30, no Ponteio.
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