Registros revolucionários
Máquinas são capazes de gerar imagens de objetos atrás de uma parede ou criar formas de três dimensões usando apenas um pixel
Roberta Machado
Estado de Minas: 09/07/2014
Brasília – O
importante não é a quantidade, sim a qualidade – ao menos no que diz
respeito a câmeras. Os mais avançados projetos de fotografia trocam os
imensos grupos de megapixels por conjuntos de sensores mais modestos,
mas de precisão impressionante. As máquinas divulgadas recentemente em
uma exposição científica da Royal Society, na Inglaterra, são capazes
até mesmo de registrar objetos que estão fora do campo de visão graças a
sistemas 10 vezes mais sensíveis que o olho humano e 1 bilhão de vezes
mais rápidos que um piscar de olhos. Outro projeto, também apresentado
no evento realizado na semana passada, usa um só pixel para clicar
objetos em três dimensões e em espectros invisíveis para equipamentos
comuns.
Os pesquisadores da Glasgow University desenvolveram um
tipo especial de sensor ultrarrápido, com velocidade suficiente para
flagrar a luz enquanto ela ainda viaja pelo ar. Os detectores da câmera,
que tem apenas 1.024 pixels, são feitos para registrar um único fóton
de luz por vez. “Eles são de uma tecnologia chamada fotodiodos de fóton
único, baseados no efeito avalanche”, destaca Jonathan Leach,
pesquisador da Universidade Heriot-Watt e autor da pesquisa. Cada um
desses pixels pode ser ativado a uma velocidade de 15 bilhões de frames
por segundo, enquanto a velocidade de uma câmera de vídeo normal é de
apenas 24 cenas no mesmo período.
O novo equipamento é tão rápido
que filma na velocidade da luz, usando uma série de imagens
cuidadosamente cronometradas para recriar a passagem dos fótons pelo
espaço. O sistema funciona em conjunto com um laser: conforme o raio é
emitido, os sensores da máquina são acionados. Os fótons, que se
espalham naturalmente pelo ar, são invisíveis para o olho humano, mas
suficientes para que a câmera registre cada um em pixels individuais.
Como
o sistema tem registro do momento exato em que a luz foi emitida, ele
consegue calcular o tempo que ela levou para refletir no ar e voltar ao
aparelho. Isso permite ao dispositivo calcular onde aquele ponto de luz
esteve e faça a reconstrução da cena. Esta é a primeira vez que um
efeito como esse é registrado sem o uso de um meio especial de dispersão
da luz (como água, por exemplo) para medir o sinal da fonte luminosa.
Além
do alcance A dinâmica é testada e visualizada com um simples feixe de
laser refletido, mas tem potencial em situações mais práticas. O
dispositivo, explicam seus criadores, pode capturar imagens que estão
além do campo de visão, como objetos escondidos atrás de uma parede ou
dentro de um prédio. “O tempo que a luz leva para chegar à câmera diz
onde está o objeto. E a forma ou o padrão da luz dispersada pode dizer
como ele é. Cada objeto tem uma forma única de luz dispersa”, esclarece
Leach.
A exposição da Royal Society foi a primeira ocasião em que
a câmera superveloz foi usada fora do ambiente laboratorial. No futuro,
ela deve estar pronta para diversas aplicações, como missões de
resgate, monitoramento de reações químicas ou diferentes aplicações
médicas. Um exemplo é o exame de endoscopia, que se tornaria mais
simples com uma câmera capaz de registrar aspectos ocultos na velocidade
da luz.
A outra câmera demonstrada na exibição também usa uma
técnica de reconstrução de imagens para criar um aparelho simples e de
capacidade impressionante. A máquina ilumina o alvo com uma série de
padrões variados de luzes por alguns segundos e, depois, combina as
fotos registradas por um único pixel para criar uma fotografia. Conforme
as imagens são registradas, o quebra-cabeça é formado de maneira quase
sobrenatural, em um processo conhecido como ghost imaging (imagem
fantasma, em inglês).
O trabalho já havia sido descrito no ano
passado em um artigo na revista Science, no qual os pesquisadores
explicavam como utilizam a técnica para produzir imagens tridimensionais
de maneira rápida e relativamente barata. Na exposição inglesa, o grupo
mostrou o quanto o projeto evoluiu desde então. “Não projetamos mais
padrões de luz na cena para medir a luz refletida. Em vez disso, usamos a
luz ambiente no cômodo ou de fora, que está iluminando a cena, e
simplesmente medimos alguns padrões da imagem”, ressalta Matthew Edgar,
da Universidade de Glasgow, no Reino Unido.
O dispositivo também
ganhou projetores de luz 20 vezes mais rápidos, que permitem registrar
um vídeo em tempo real, e foi aprimorado para produzir imagens em cores.
“Estamos usando (o aparelho) para detectar diferentes cores de luz, em
particular as do ‘infravermelho de ondas curtas’, que câmeras normais
não podem ver e são captadas por tecnologias muito caras”, revela Edgar.
O aparelho já é capaz de registrar imagens coloridas e em infravermelho
simultaneamente e tem mais usos em potencial que uma câmera comum,
apesar da simplicidade do projeto.
segredo está nos sensores
Segundo os cientistas, a técnica pode ser usada para fotografar pessoas
em três dimensões. O segredo está no uso de sensores em diferentes
posições, que registram diferentes imagens e depois as combinam em um
único objeto. Nessa dinâmica, é o sensor que determina o sombreamento da
figura, e não a fonte de luz que incide sobre o objeto. O papel da
fotografia é invertido, e o sensor faz o papel de fonte de luz, enquanto
o projetor se comporta como a lente da câmera.
A pesquisa da
câmera de pixel único tem se destacado como a primeira que pode não
somente se igualar, mas superar equipamentos comuns usando a técnica da
imagem fantasma, um campo de estudos que é alvo de experimentos há mais
de 20 anos – até pouco tempo atrás, o princípio de fotografia invertido
ficava limitado a experimentos de laboratório. De acordo com seus
criadores, a invenção teria um grande uso na criação de aparelhos de
visão noturna, na detecção de gases aparentemente incolores e na
localização de tumores.
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