A população brasileira se envolveu menos do que seria de se esperar na realização de uma Copa no próprio país e este é um dos fatores que pode levar a desclassificação para a Alemanha a não ter efeito político e eleitoral, segundo publicitários e cientistas políticos envolvidos com a eleição. "Ninguém vai acender velas no Maracanã", comentou André Torreta, que trabalha em campanhas em Sergipe e no Rio Grande do Sul. É uma alusão às romarias que alguns torcedores fizeram ao palco da derrota brasileira na Copa de 1950, mesmo tempos depois da vitória da seleção uruguaia.
"Não houve uma catarse porque, ao contrário da realidade de 64 anos atrás, o Brasil já encontrou diversas maneiras de autoafirmar-se, inclusive no futebol. Nossa relação com o torneio se aproximou da existente em outros países que sediaram a Copa nos últimos anos, como Itália, Alemanha e França", disse o sócio do Instituto Vox Populi, Marcos Coimbra. Para Torreta, o clima de descrédito em relação às obras de infraestrutura para receber a Copa, crescente entre as manifestações de junho do ano passado e o primeiro semestre deste ano, contribuiu para frear o entusiasmo popular.
Para Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise, a goleada de 7 a 1 de anteontem tende a não ter consequências até mesmo dentro dos gramados. "Não existe divisor de águas. E nem aprendizado. Em termos históricos, considerando o retrospecto brasileiro, isso não é nada. Haverá muita discussão e a repetição dos mesmos erros", comentou o cientista político.
Segundo Almeida, a ausência de problemas de impacto na organização da competição impede que a oposição consiga algum dividendo. "Foi gerado um clima de que haveria discursos, houve uma torcida pelo fracasso. Como não houve problemas relevantes em relação à infraestrutura, a politização da Copa se deteve. O impacto na conjuntura eleitoral foi anulado", disse.
Tanto Almeida quanto Coimbra e Torreta afirmaram que a correlação entre o desempenho esportivo e o resultado eleitoral tende a ser nulo. "A emoção não sobrevive a uma distância de 90 dias do pleito. Outubro será um momento completamente diferente", disse Coimbra. "Hoje este é o assunto de todas as rodas, mas dizer que há um clima de luto é exagero. Como era exagero dizer que havia uma euforia, também é demasiado falar em comoção", comentou Torreta.
Segundo um publicitário próximo ao governo federal, a presidente Dilma Rousseff chegou a capitalizar a realização do torneio em função de um episódio inesperado: o insulto que recebeu de parte da plateia na abertura da Copa do Mundo, em São Paulo. De acordo com este especialista, Dilma foi bem sucedida em vitimizar-se ao ser alvo de palavrões. Mas a presidente teria se exposto de maneira excessiva nos últimos dias, ao demonstrar solidariedade com o atacante Neymar, que ficou fora do último jogo.
Com este movimento, a presidente teria demonstrado interesse em fazer uso político do evento, o que é rejeitado pela população, conforme teria ficado evidente em pesquisas qualitativas conduzidas pelo núcleo próximo ao Planalto. Com a derrota para a Alemanha, o efeito inicial benéfico provocado pela solidariedade à presidente na abertura do evento tende a se perder.
Na contramão da maioria de seus colegas, o sociólogo Fabio Gomes, da empresa de pesquisa Informa, do Rio de Janeiro, acredita que a presidente Dilma Rousseff poderá arcar com prejuízo eleitoral em função do impacto do placar de anteontem. Uma vitória brasileira na Copa do Mundo não teria o mesmo efeito. "O futebol é muito usado como mecanismo didático. A derrota pode trazer algumas reflexões sobre como as coisas no Brasil precisam de mudanças, tema salientado nas manifestações de junho de 2013", diz. Para Gomes, "o problema foi a dimensão que a partida ganhou com os sete gols", completa.
No Congresso Nacional, pouco frequentado na tarde de ontem, as avaliações foram divergentes: o líder do governista PDT na Câmara, Felix Mendonça Júnior (BA), disse que a goleada pode ter impacto negativo na candidatura da presidente Dilma Rousseff. "O humor das pessoas sempre afeta a política, e hoje todo mundo acordou de mau humor", disse. Já o líder do oposicionista PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), foi na direção oposta: "Não creio que o povo brasileiro misture as bolas. Futebol é futebol. A vida de todos nós tem outros componentes", afirmou. "O povo brasileiro sabe que, acabou a Copa, vai pisar o chão da realidade do país e ter que viver seus problemas". (Colaboraram Raphael di Cunto e Vandson Lima)
Valor Econômico.
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