segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Epidemias ocultas - Fábio Ribeiro Baião

Coordenador da Ortopedia do Hospital da Baleia %u2013 Belo Horizonte
Matilde Meire Miranda Cadete

Docente do mestrado em gestão social, educação e desenvolvimento local, do Centro Universitário UNA
Estadod e Minas: 25/08/2014 



Estamos às voltas com o ebola, uma epidemia noticiada pelos quatro cantos do planeta, que já ceifou cerca de mil vidas. Claro, urgem medidas sanitárias e esforços conjuntos de nível internacional para combatê-la. Entretanto, não podemos nos conformar com nossas epidemias ocultas. Para começar, nossos mortos por violência são 50 vezes o número catastrófico do recente conflito na faixa de Gaza. Não há palavras para expressar a brutalidade do que significam 50 mil homicídios de brasileiros por ano, enquanto a Alemanha do 7x1 registra apenas 662 no mesmo período.

Outro aspecto estonteante são as mortes no trânsito. Para não falar em números expressivos, passamos a expressar as mortes usando o sistema de número de vítimas por milhão de veículos, por orientação do Ministério da Justiça. Em vez de dizer que perdemos 45 mil vidas por ano no tráfego, noticiou-se, por exemplo, que tivemos 661 mortes por milhão de veículos em 2010 e, assim, sucessivamente. É semelhante à Rússia e metade dos números da China e Índia. Porém, fazemos cinco vezes mais do que os Estados Unidos e 10 vezes mais vítimas fatais no trânsito do que o Japão, segundo o Instituto Avante Brasil. A do 7x1 perdeu 3 mil vidas no tráfego no mesmo ano, contra as nossas 45 mil, o que dá 15x1. É por isso que nossos pronto-socorros estão abarrotados, pois vivemos o equivalente a uma guerra civil.

Uma das possibilidades aos que sobrevivem aos acidentes são as fraturas expostas. Um trabalho de investigação de 44 pacientes com fraturas expostas graves foi conduzido no Hospital da Baleia – Belo Horizonte pelo serviço de ortopedia e o mestrado em gestão social, educação e desenvolvimento local do Centro Universitário UNA (Baião; Cadete, 2013). Esses casos demandam internação prolongada, cirurgias múltiplas e, no mínimo, um ano de afastamento do trabalho.
Desse universo, 93,9% dos casos foram provocados por acidente motociclístico, atropelamento ou acidentes de automóvel. Assim, explica-se por que quando se tem uma fratura por uma queda simples é tão difícil disputar uma vaga em um hospital público, entre os demais acidentados nas salas de urgência. Mais grave ainda se torna a falta de recursos e de especialistas para o tratamento dos casos ditos eletivos, ou seja, cirurgias ortopédicas programadas por outros motivos. A estrutura da saúde na urgência está asfixiada por problemas na infraestrutura da mobilidade principalmente urbana, tendo em vista que 60% desses acidentes ocorreram no perímetro urbano.

Outro dado relevante encontrado na pesquisa com os 44 acidentados diz respeito à escolaridade. Vinte e um pacientes (47,7%) declararam primeiro grau incompleto, 11 (25%), segundo grau completo, seis (13,6%), primeiro grau completo, cinco (11,4%)escolaridade superior completa e um (2,3%), analfabeto. Terminado o tratamento, que, frequentemente, resulta em alguma sequela, principalmente a limitação da capacidade de locomoção para grandes distâncias, fica mais difícil a reorientação vocacional e a recolocação no mercado de trabalho numa função sedentária, com demandas intelectuais, que seriam as mais apropriadas.

Retratando essa situação, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede os dados relativos à expectativa de vida, educação e renda nos colocou em 2013 na 79ª posição, entre os 100 melhores países para se viver.

A sociedade e os cidadãos fizeram a sua parte acolhendo a Lei Seca, que em 19 de junho completou cinco anos, mas seus efeitos foram neutralizados em números absolutos pelo crescimento da frota nacional. Em 2003, ela somava 36 milhões, mas evoluiu para 81 milhões de veículos em 2013, um aumento de 125% enquanto a população cresceu 14% no mesmo período, segundo o Observatório Nacional de Segurança.

Assim, enquanto o vírus do ebola não chega por aqui, vamos focar na solução e cuidados de nossas epidemias. 

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