Zero Hora - 31/08/2014
Você vive um amor ou uma história de amor?
Tem diferença, sim. Um amor é a realização plena de um sentimento
recíproco. Passa por alguns ajustes, negociações, mas desliza. Pode
perder velocidade aqui, ganhar ali, mas não é interrompido pelas
dúvidas, não permite a entrada de terceiros, tem a consistência das
coisas íntegras, duráveis. O amor, amor mesmo, é uma sorte que se honra,
uma escolha em que se aposta diariamente, o amor é algo que nasce e
frutifica.
Já uma história de amor é, como diz o termo, uma invenção. Algo para
ser contado ao analista, desabafado para os amigos, uma narrativa
chorosa e trágica, um acontecimento beirando o folclórico, um material
bruto pedindo para ser transformado em obra de arte. Toda história de
amor está impregnada de obstáculos que lhe conferem um status de ficção.
Amor proibido pela família, rejeitado pela sociedade, condenado por
preconceitos, amor que exige fugir de casa, pegar em armas, trocar de
identidade: virou história de amor. Perde-se um tempo enorme
roteirizando o dia seguinte. Se fosse amor, simplesmente amor, o dia
seguinte amanheceria pronto.
Amor que coleciona mais brigas que beijos, mais discussões que
declarações, mais rendições que entrega: virou história de amor. Pode
subir aos palcos, transformar-se em filme, faturar na bilheteria: tem
enredo. Mas não tem continuidade. Sai de cartaz rapidinho.
Amor que sobrevive à distância, que se mantém através de cartas e
telefonemas (permita-me a nostalgia, sobreviver pelo whattsapp não
combina com literatura), o amor sem parceria, sem corpo presente, o amor
que não se pratica, que não se lubrifica, que enferruja por falta de
uso: virou história de amor. Sofrido como pedem os poemas, glorificado
pela vitimização, até o dia em que a ausência do outro deixa de ser um
ingrediente pitoresco e você descobre que cansou de dormir sozinha.
Amor que exige insistência, persistência, paciência: virou história
de amor. Se fosse amor, nada além de amor, navegaria em águas mais
tranquilas, não exigiria tanto de seus protagonistas, o entendimento
seria instantâneo, sem exagero de empenho, desgaste, sofrimento. Aff.
Histórias de amor são fantásticas na primeira parte, tiram o ar,
movimentam a vida, mas da segunda parte em diante viram teimosia dos
autores, que relutam em colocar o ponto final na saga que eles próprios
criaram.
Amor ou história de amor, o que se prefere?
Aventureiros, notívagos, hereges, rabugentos, sedutores, inquietos,
fetichistas, insaciáveis, pecadores, estrangeiros, narcisistas,
intrépidos, dramáticos, agradecemos cada verso e cada noite mal dormida
que vocês deixaram de lembrança, mas um dia a gente cresce e a fantasia
cede lugar à sensatez: um amor está de bom tamanho.
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