sábado, 25 de outubro de 2014

ARNALDO VIANA » Procura-se um lar

Estado de Minas: 25/10/2014


 (Arnaldo Viana/EM/D.A PRESS)
“Ufa! Mais um pedaço da jornada vencido. Jornada? Nem sei mesmo aonde vou. Se vou, se fico. Ah, vou me apresentar, mas, por favor, não caçoe de mim. Dê-me o nome que quiser. De onde venho? De Muzambinho, lá no Sul de Minas. Andei, andei de verdade esses 420 quilômetros e se não achar pouso, vou caminhar mais e mais. Desandar, não desando. Você sabe o que houve na minha cidade, não sabe? Foi notícia em tudo quanto é canto. O prefeito, de coleação com a vereança, botou uma lei para expulsar galinha, pato, peru, porco, tudo que é bicho de quintal para fora das casas. Diz ele que a gente causa incômodo. Dia 16 agora foi o último dia para o povo esvaziar as moradas da bicharada. Matar para comer ou botar pra fora. Desobediência virava multa.

Eu morava no terreiro de uma senhora, idosa, com outras criações. Tenho o orgulho de dizer que ela nunca teve precisão de comprar um ovo. Ah, titica de galinha deixa fedor. Deixa fedor, mas fortalece uma couve, uma alface. Até para isso a gente tem proveito, serventia. A minha dona, tadinha, não quis matar nenhuma criação. Precisava ver a tristeza. Com os olhos mareados, me enfiou em uma sacola e me deixou nos limites da cidade. Quis até amarrar um saquinho com milho no meu pescoço, para eu ir bicando no caminho. Mas matutou de outro jeito. Aquilo ia virar peso. E podia atiçar outros animais caminho afora. Ela disse: ‘Vai com Deus, minha amiga!’. E aqui estou, com a proteção de São Francisco de Assis. Como foi a viagem? Ah, moço, penei. Sem trocadilhos. Penei!

Primeiro, tinha que tomar um rumo. Aprumar o bico para um lado ou para outro. Mas, qual? Virei para a esquerda e tomei pé. Primeiro, de galope. A necessidade era ficar longe de Muzambinho o mais ligeiro que pudesse. Depois, desarmei o passo. O Sol assando meu pescoço pelado. Ficou todo empolado. Mas isso não foi o pior. E a secura? Ruim de achar um riacho para um gole d’água para molhar o bico. Caminhei por fora das cidades. Besta não sou. Corri de cachorro raivoso, até de lobo-guará e de jaguatirica. Medo mesmo foi de um andarilho, na beira de uma estrada. O homem sujo e barbado me viu e ficou chamando ‘vem cá, cocó, vem cá’. Vem cá nada. Vi a fogueira acesa. Nem…! Peguei trote, de novo.

Fome? A secura não secou tudo de vez. Dali, dacolá, uma plantação, uma fruta caída. E onde dava, ciscava e cavacava o chão atrás de minhoca. Vê, não estou magra como poderiam pensar depois de uma jornada como esta. Estou aqui, na redondeza dessa cidade, da capital. Sempre perto de uma árvore. É para buscar poleiro, fugir de cachorro. O que preciso agora é de um lar. De alguém para alisar minhas tristes penas. Ah, vão dizer, na cidade grande não há quintal, terreiro. E daí? Posso ser uma pet, criada dentro de casa, com conforto e comida. Está na moda. Galinha pet? Por que não? Não tem quem cria porco, jiboia, até jacaré, na sala, no quarto, na cozinha? E cada cachorro grandão, gato gordo… E olhe, que chique, uma pet que dê um ovo todos os dias para o café da manhã.

Se estou com raiva do prefeito e da vereança de Muzambinho? Bestagem pura! Estou não. Acho que nem tenho essa capacidade, de ficar enfezada. Bem, vou ficando por aqui, pelo menos por enquanto. Se souber de alguém interessado em companhia, fale comigo. Estou só e sem lugar. Meu nome? Pode me chamar de Esperança. Bom nome para estes tempos de incerteza, não?”

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