Ronronar
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 25/10/2014
Em inglês deve
existir um verbo que, traduzido para o português, tenha o sentido de
ronronar: “fazer rom-rom (o gato)”. Procurando ronronar no idioma dos
Pitts, aqui nos dicionários de que disponho, encontrei quatro verbos.
Nenhum dos quatro tem tradução que se aplique ao sentimento de alegria
de algum ser que não seja o pequeno mamífero carnívoro, doméstico, da
família dos felídeos (Felis catus), que descende do gato selvagem
encontrado na África e Sudoeste da Ásia (Felis silvestris libyca).
Nossos jornais traduziram e publicaram a notícia britânica: “Ela ronronou pelo telefone. Nunca ouvi ninguém tão feliz” – disse David Cameron, primeiro-ministro britânico, contando a reação da rainha Elizabeth II ao ser informada da vitória do “não” no plebiscito sobre a independência da Escócia.
Ora, é inadmissível que um primeiro-ministro britânico diga que a rainha Elizabeth II ronrona. Portanto, deve ter usado outro verbo para exprimir alegria, satisfação, verbo que permite tradução para o rom-rom, expressão de alegria do pequeno mamífero doméstico.
No capítulo das vozes dos animais, Houaiss diz que os gatos podem bufar, berrar, chorar, fungar, miar, rebusnar, regougar, resmonear, roncar, ronronar, roufenhar e zurrar. Teria Elizabeth II miado, regougado ou resmoneado? Não acredito.
Deificar
É feio falar mal dos mortos, que já não se podem defender. Por outro lado, ninguém precisa deificar, endeusar, atribuir natureza divina a um cavalheiro cheio de defeitos como todos nós. Dia desses, escrevendo sobre conhecido cronista e compositor, um fuinha metido a cronista transformou o finado num deus mal-amado, prova de que não o conheceu.
Conheci-o e admirava o seu texto, bem como as suas músicas. Ainda me lembro de que, logo depois de sua morte, passei uma semana jantando nos restaurantes que ele citava. Nunca fui seu amigo e só troquei duas palavras com ele, no tempo em que namorou a dona de um restaurante próximo de minha casa. Devo ter sido um dos primeiros a ouvir a letra de uma de suas músicas, composta no dia em que voltou do Nordeste de avião em companhia da restauratrice. Jantei lá naquela noite e ela me falou da música mostrando o rascunho da letra num guardanapo de avião.
Estabelecido o fato de que conheci duas de suas namoradas – possivelmente apaixonadas pelo seu imenso talento, porque era cavalheiro muito feio – devo dizer que de santo ele não tinha nada. Facadista contumaz, sempre que conhecia um leitor, que se dizia admirador de suas crônicas, aproveitava a oportunidade para pedir uns cobres emprestados, prometendo pagar na manhã seguinte. Nos valores atuais, algo assim como cinco mil reais. Só de amigos meus foram dois casos, que ficaram na saudade do dinheiro que emprestaram.
Palavras
“CBF é espinafrada pela Fifa em caso de mão na bola”, manchetou o provedor Terra, mostrando que o mancheteiro tem estrada e deve ser idoso, porque o verbo espinafrar, regionalismo brasileiro, tem sido pouco usado nos últimos anos. Fosse mais novo, o manchetador usaria o verbo esculhambar, inventado pelo português do Brasil no século 20. O dicionário inFormal diz que mancheteiro é “pessoa que é cheia de manias irritantes, e sempre procura um defeito nas coisas e pessoas”, o Google não tem manchetador e a busca no vocabulário da Academia Brasileira de Letras informa que mancheteiro e manchetador não existem. Isto é, não existiam. Passam a existir a partir da coluna de hoje: “jornalista que faz manchetes”.
O mundo é uma bola
25 de outubro de 1521, Maria Pacheco se rende, entregando Toledo em honrosas condições às tropas de Carlos V, encerrando a Guerra das Comunidades de Castela, também conhecida como Revolta dos Comuneiros. Há quem diga que foi a primeira revolução moderna. Procurei saber algo mais sobre Maria Pacheco e tudo que encontrei foi o seu cognome Leoa de Castela. Em 1533, Carlos V nomeia Fernández de Oviedo primeiro cronista das Índias. Em 1555, Carlos V abdica o trono imperial e de suas posses alemãs em favor do irmão Fernando. Fui procurar os três Carlos V e encontrei o mesmo quadro, possivelmente pintado por Ticiano: cavalheiro magro, barbudo, sentado numa poltrona.
Em 1636: Johan Maurits van Nassau-Siegen larga do Porto de Texel a caminho de Recife (PE), onde chegaria em 23 de janeiro de 1637. Era magro, muito claro, protestante, usava bigodes e cavanhaque pontudos. Foi educado na Universidade da Basileia, destoando, portanto, de muitos governadores de Pernambuco nos últimos séculos e de um presidente da República nascido no mesmo estado.
Em 1671, Giovanni Domenico Cassini descobre Jápeto, lua de Saturno, sobre a qual nunca ouvi falar e presumo que o leitor também não. Por isso, é bom ficarmos sabendo que, segundo a tradição de Hesíodo, Jápeto ou Iápeto era um dos 12 Titãs clássicos, filhos de Gaia e Urano.
Em 1993, pesquisadores da Universidade George Washington, USA, realizam a primeira clonagem de embrião humano. Em 2001, a Microsoft lança o primeiro e saudoso Windows XP. Hoje é o Dia da Construção Civil, da Democracia, do Dentista, do Sapateiro e do Macarrão.
Ruminanças
“Se os macacos chegassem a sentir tédio, poderiam tornar-se gente” (Goethe, 1749-1832).
Nossos jornais traduziram e publicaram a notícia britânica: “Ela ronronou pelo telefone. Nunca ouvi ninguém tão feliz” – disse David Cameron, primeiro-ministro britânico, contando a reação da rainha Elizabeth II ao ser informada da vitória do “não” no plebiscito sobre a independência da Escócia.
Ora, é inadmissível que um primeiro-ministro britânico diga que a rainha Elizabeth II ronrona. Portanto, deve ter usado outro verbo para exprimir alegria, satisfação, verbo que permite tradução para o rom-rom, expressão de alegria do pequeno mamífero doméstico.
No capítulo das vozes dos animais, Houaiss diz que os gatos podem bufar, berrar, chorar, fungar, miar, rebusnar, regougar, resmonear, roncar, ronronar, roufenhar e zurrar. Teria Elizabeth II miado, regougado ou resmoneado? Não acredito.
Deificar
É feio falar mal dos mortos, que já não se podem defender. Por outro lado, ninguém precisa deificar, endeusar, atribuir natureza divina a um cavalheiro cheio de defeitos como todos nós. Dia desses, escrevendo sobre conhecido cronista e compositor, um fuinha metido a cronista transformou o finado num deus mal-amado, prova de que não o conheceu.
Conheci-o e admirava o seu texto, bem como as suas músicas. Ainda me lembro de que, logo depois de sua morte, passei uma semana jantando nos restaurantes que ele citava. Nunca fui seu amigo e só troquei duas palavras com ele, no tempo em que namorou a dona de um restaurante próximo de minha casa. Devo ter sido um dos primeiros a ouvir a letra de uma de suas músicas, composta no dia em que voltou do Nordeste de avião em companhia da restauratrice. Jantei lá naquela noite e ela me falou da música mostrando o rascunho da letra num guardanapo de avião.
Estabelecido o fato de que conheci duas de suas namoradas – possivelmente apaixonadas pelo seu imenso talento, porque era cavalheiro muito feio – devo dizer que de santo ele não tinha nada. Facadista contumaz, sempre que conhecia um leitor, que se dizia admirador de suas crônicas, aproveitava a oportunidade para pedir uns cobres emprestados, prometendo pagar na manhã seguinte. Nos valores atuais, algo assim como cinco mil reais. Só de amigos meus foram dois casos, que ficaram na saudade do dinheiro que emprestaram.
Palavras
“CBF é espinafrada pela Fifa em caso de mão na bola”, manchetou o provedor Terra, mostrando que o mancheteiro tem estrada e deve ser idoso, porque o verbo espinafrar, regionalismo brasileiro, tem sido pouco usado nos últimos anos. Fosse mais novo, o manchetador usaria o verbo esculhambar, inventado pelo português do Brasil no século 20. O dicionário inFormal diz que mancheteiro é “pessoa que é cheia de manias irritantes, e sempre procura um defeito nas coisas e pessoas”, o Google não tem manchetador e a busca no vocabulário da Academia Brasileira de Letras informa que mancheteiro e manchetador não existem. Isto é, não existiam. Passam a existir a partir da coluna de hoje: “jornalista que faz manchetes”.
O mundo é uma bola
25 de outubro de 1521, Maria Pacheco se rende, entregando Toledo em honrosas condições às tropas de Carlos V, encerrando a Guerra das Comunidades de Castela, também conhecida como Revolta dos Comuneiros. Há quem diga que foi a primeira revolução moderna. Procurei saber algo mais sobre Maria Pacheco e tudo que encontrei foi o seu cognome Leoa de Castela. Em 1533, Carlos V nomeia Fernández de Oviedo primeiro cronista das Índias. Em 1555, Carlos V abdica o trono imperial e de suas posses alemãs em favor do irmão Fernando. Fui procurar os três Carlos V e encontrei o mesmo quadro, possivelmente pintado por Ticiano: cavalheiro magro, barbudo, sentado numa poltrona.
Em 1636: Johan Maurits van Nassau-Siegen larga do Porto de Texel a caminho de Recife (PE), onde chegaria em 23 de janeiro de 1637. Era magro, muito claro, protestante, usava bigodes e cavanhaque pontudos. Foi educado na Universidade da Basileia, destoando, portanto, de muitos governadores de Pernambuco nos últimos séculos e de um presidente da República nascido no mesmo estado.
Em 1671, Giovanni Domenico Cassini descobre Jápeto, lua de Saturno, sobre a qual nunca ouvi falar e presumo que o leitor também não. Por isso, é bom ficarmos sabendo que, segundo a tradição de Hesíodo, Jápeto ou Iápeto era um dos 12 Titãs clássicos, filhos de Gaia e Urano.
Em 1993, pesquisadores da Universidade George Washington, USA, realizam a primeira clonagem de embrião humano. Em 2001, a Microsoft lança o primeiro e saudoso Windows XP. Hoje é o Dia da Construção Civil, da Democracia, do Dentista, do Sapateiro e do Macarrão.
Ruminanças
“Se os macacos chegassem a sentir tédio, poderiam tornar-se gente” (Goethe, 1749-1832).
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