domingo, 12 de outubro de 2014

Ele é o Kara

Um dos autores mais queridos entre os jovens leitores, Pedro Bandeira já publicou 108 títulos, entre eles, A droga da obediência, e vendeu mais de 30 milhões de exemplares


Ana Clara Brant
Estado de Minas: 12/10/2014

Monteiro Lobato é considerado o precursor da literatura infantojuvenil no Brasil, com a obra-prima O sítio do pica-pau amarelo. E até a década de 1960, os livros do autor de Memórias de Emília eram praticamente os únicos no mercado voltados para esse público. A partir de então, surgem autores que começam a se dedicar especialmente a crianças e adolescentes, como Ruth Rocha, Ziraldo, Ana Maria Machado e Pedro Bandeira, todos em plena atividade.

São referências para os autores infantojuvenis brasileiros desde então e, de certa forma, responsáveis pela força do setor na indústria do livro. O Estado de Minas inicia hoje, Dia das Crianças, série de reportagens com os mestres da literatura para jovens no Brasil. O primeiro autor é o paulista Pedro Bandeira, de 72 anos, que costuma dizer que escreve para aqueles que vão “da primeira cartilha até a primeira barba ou o primeiro salto alto”.

Não foi à toa que Pedro Bandeira se tornou um dos autores mais lidos do país, com cerca de 30 milhões de exemplares vendidos ao longo de três décadas de carreira e 108 títulos publicados. “Essa é a minha faixa etária: meninos de 8 até os 15 anos no máximo. Daí para a frente, já não servem mais para mim e quero que leiam outras coisas”, comenta o autor, sempre brincalhão, e o primeiro escritor da série de reportagens do Estado de Minas.

Pedro dá entrevista como se estivesse cotando uma história. Sua capacidade de envolver seu interlocutor é a mesma que entretém o leitor. Começou no teatro, em Santos, litoral de São Paulo, onde nasceu. Foi dirigido pela poeta e escritora Patrícia Galvão, a Pagu, e ainda encenou peças de Plínio Marcos, de quem era grande amigo. “Queria mesmo ser ator e me mudei para São Paulo, para seguir carreira nos palcos. Mas como não queria ser um ator burro, me formei em ciências sociais. O problema é que o teatro é uma profissão ótima para quem quer emagrecer. Você nunca sabe quando vai ter dinheiro para comprar a próxima refeição. E como tinha mulher e três filhos, acabei indo parar no jornalismo, que, mesmo sem um grande salário, garantia um dinheirinho no fim do mês, ao contrário do teatro”, recorda.
Com passagens pelo extinto Última Hora e pela Editora Abril, Pedro Bandeira começou a criar pequenas histórias para crianças em publicação de bancas de revista. Logo em seguida, surgia o primeiro livro infantil, O dinossauro que fazia au-au. “Fez um enorme sucesso. Depois, a editora sugeriu para que eu escrevesse uma obra para os pré-adolescentes, que foi A droga da obediência. Foi um estouro. Aí, pude largar o jornalismo e, desde então, sou só escritor. E não vou parar mais”, garante.

O escritor é o criador da coleção Os Karas, a famosa série infantojuvenil que reúne os volumes A droga da obediência (1984), Pântano de sangue (1987), Anjo da morte (1988), A droga do amor (1994), Droga de americana! (1999) e o recém-lançado A droga da amizade (Editora Moderna), o livro que mais tempo demorou para ficar pronto em toda a sua carreira, totalizando 10 anos entre idas e vindas.

Quando foi idealizar a turminha formada por Miguel, Magrí, Crânio, Calu e Chumbinho, Pedro Bandeira pensou em um nome que resumisse exatamente o que seria o adolescente, que é ao mesmo tempo aquele menino que está começando a ficar independente, ter ideias próprias, mas ainda não se desprendeu totalmente dos pais. “É o avesso dos coroas e dos caretas e, para ficar diferente, coloquei um K. E é impressionante como é um nome que pegou. Vou aos lançamentos e é bacana como a garotada me aparece com um K desenhado nas mãos”, observa.

Sempre que termina um livro, sua esposa Lia, que foi educadora e especialista em psicologia de adolescentes, é a primeira leitora. A professora de literatura Marisa Lajolo, amiga de infância, é a segunda da lista. “Depois vem minha editora. Meus filhos e netos nunca deram palpite, nem quando eram crianças. Até porque, mesmo se eles não gostassem, jamais iam me falar, não é?”, brinca.

A droga da obediência
“A campainha do Colégio Elite não soou dando o sinal para o recreio porque o Colégio Elite não tinha campainha. Um colégio especial como aquele, para estudantes muito especiais, não precisava de sinal. Todas as decisões no Elite contavam com a participação direta dos alunos, que, por isso, cumpriam as regras sem precisar de qualquer comando. As regras eram deles. Naquele momento, porém, Miguel não estava pensando nas regras democráticas do colégio, embora fosse um dos mais entusiasmados oradores das assembleias semanais. Não estava também ligado nas suas responsabilidades como presidente do Grêmio do Colégio Elite.”

A saga dos karas
A droga da obediência (1984)
Pântano de sangue (1987)
Anjo da morte (1988)
A droga do amor (1994)
Droga de americana! (1999)
A droga da amizade (2014)


"O importante é a forma" Escritor trouxe lições do jornalismo para sua literatura, mas se dedicou a estudar psicologia para entender melhor seus leitores. Para ele, o maior pecado é ser chato

Ana Clara Brant
Pedro Bandeira leva para suas histórias temas como ecologia, guerra e doenças sexualmente transmissíveis, mas sem ficar ditando regras (Beto Magalhães/EM/D.A Press
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Pedro Bandeira leva para suas histórias temas como ecologia, guerra e doenças sexualmente transmissíveis, mas sem ficar ditando regras

Por ter vindo do jornalismo, Pedro Bandeira tem uma grande preocupação em fisgar o leitor já no começo da história, tanto que costuma reescrever os capítulos iniciais de seus livros várias vezes. É como se fosse um lide (abertura da matéria jornalística). “Se não pegar no pé do meu leitor já no primeiro parágrafo não dá certo. Desde o começo, tem que ser emocionante. E a partir daí vai se desenvolvendo. Ainda mais com criança e adolescente, é preciso que o texto seja gostoso e atraente. Se o livro for muito chato, ele não vai seguir em frente. O importante é a forma, não é o que, mas como dizer. E isso vale para o livro inteiro. A forma é tudo. É isso que faz o escritor”, frisa.

Pedro Bandeira enumera as lições que carrega do tempo do jornalismo. “Aprendi a escrever no jornalismo e ele tem três características que ajudam muito. A primeira é que você tem que escrever com ou sem inspiração para não perder o emprego. A segunda é que você é obrigado a escrever sobre qualquer tema. E você tem que escrever em qualquer estilo.” Ele lembra que produziu reportagens para mulheres na revista Claudia e sobre carros e motos na Quatro Rodas. “No jornalismo, você não pode escolher o assunto”, recorda.

Hoje a história é diferente: ele decide sobre o que quer escrever. Seus personagens mais conhecidos e amados por milhões de leitores são os Karas. Bandeira diz que a turminha foi criada para pudesse falar com seu público, que vai dos 9 até os 15 anos, sobre assuntos que julga relevantes. “Por meio deles, posso falar de qualquer tema. De ecologia e destruição da natureza, com em Pântano de sangue; de nazismo e Segunda Guerra Mundial, em O anjo da morte; de doenças sexualmente transmissíveis em A droga do amor”, explica. Os temas podem ser muito animados e provocar debates acalorados, mas Pedro Bandeira diz que, para criar, precisa de silêncio total. “Nem música!”, garante.

Como surgem suas histórias?

Depende. Como vim do jornalismo e de suas lições, quando resolvi escrever só para crianças e adolescentes, precisei me aprofundar no ramo. Tinha feito ciências sociais e aí fui estudar psicologia do desenvolvimento e pedagogia para compreender a diferença entre uma criança de 8 e de 12 anos, para que meu livro pudesse se encaixar melhor dentro da psicologia de alguém da idade que eu queria atingir.

Toques do mestre
Qual o seu método de trabalho?

Escrever todos os dias. Tem que ser assim. Igual jornalista. Mas, infelizmente, por falta de tempo e como viajo muito, faço palestra e participo de lançamentos, fica complicado. Costumo levar computador para as minhas viagens, mas só para ler. Quando surge alguma ideia, anoto num caderninho. Antigamente, escrevia à mão. A máquina de escrever era muito ruim, porque você não podia errar, mudar um pedacinho. Então eu escrevia a lápis para apagar e mudar. Mas o computador mudou a minha vida. Está sempre limpinho, bonitinho. Você pode recortar, colar, mudar. É uma maravilha. Preciso de silêncio, com tranquilidade, na minha casa mesmo. Sem música, barulho de água. Nada. Silêncio total!

Como você desenvolve seus personagens?

Vou te dar um exemplo básico, do meu livro de maior sucesso, A droga da obediência. Do que os adolescentes gostam? Mistério, aventura. Aí pensei: como vai ser o protagonista? Nessa idade, a gente não é mais sozinho, começa a formar uma turma, os melhores amigos, que acabam te acompanhando a vida inteira. Todo mundo tem amigos até hoje que foram feitos na época do colégio. Foi então que surgiu a turminha dos Karas. Depois, pensei: esses meninos vão ser espiões? Detetives? Não queria que fosse uma coisa realista. A literatura tem que trabalhar com metáfora. Queria algo metafórico. E então veio a ideia de falar da censura, mas de modo metafórico. Uma droga da obediência, uma droga do cala a boca. Voltada para a criança de hoje que não sabe o que é censura, mas sabe o que é o cala a boca, o ficar quieto quando a mãe manda.

Você lembra qual o primeiro livro que você leu?

Tenho um livro que ficou no meu coração. Meu primeiro autor é o Monteiro Lobato, mas tenho guardada uma adaptação da Cidade da formiga, escrita por um brasileiro chamado José Reis, muito bonitinha, ilustrada, colorida, e que tem uma dedicatória da minha mãe. Ela me deu quando fiz 5 anos, em 1947. Guardei, mas não sei se foi o primeiro livro que li. Provavelmente ela leu para mim e depois li por conta própria. Mas meu autor foi sem dúvida Monteiro Lobato. Li e reli, até porque só tinha ele.

 (Beto Magalhães/EM/D.A Press
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LIVRO NÃO É CHEQUE

O escritor sempre autografou seus livros com uma assinatura bem simples: “Abraços e beijos do Pedro Bandeira”. Mas certa vez, em uma tarde de lançamentos ao lado do colega Ziraldo, foi aconselhado a mudar seu jeito de autografar. “Ziraldo sempre faz desenhos para a criançada e ficou meio chocado com minha assinatura e me perguntou se eu estava assinando cheques em vez de livros. Falou para eu criar uma coisa mais bonita para as crianças, e, desde então, tenho essa nova assinatura, com o nome Pedro dentro de uma bandeira desenhada”, conta.

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