No início de uma noite, que já se vai perdendo no tempo, depois de uma palestra na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, os escritores Roberto Drummond, Fernando Sabino e eu saímos para jantar num restaurante das imediações. No outro dia pela manhã deveríamos voltar para Belo Horizonte, onde Sabino tinha compromisso. Estávamos acompanhados do jornalista Luiz Fernando Emediato, de Marcelo Andrade, então secretário de Cultura de Viçosa, do cineasta Paulo Thiago e da sua mulher, a produtora Glaucia Camargos. Eles haviam ido à capital paulista divulgar um filme.
Papos dos melhores, que durou várias horas, com Fernando Sabino de ótimo humor, contando uma história atrás da outra, de repente a conversa, sabe-se lá por que, bandeou-se para noites de autógrafos e sobre o terrível drama comum a todos os escritores, que é o de muitas vezes esquecer, para desespero total, o nome de pessoas queridas que foram prestigiá-lo. “Comigo já aconteceu diversas vezes e quase morro de vergonha, tenho vontade de enfiar a cara num buraco e sumir”, disse o autor de Encontro marcado, entre um uisquizinho e outro. Roberto Drummond, que estava no auge da alegria com o sucesso de Hilda Furacão, também falou de suas desventuras a respeito e nos divertimos muito.
Algum tempo depois, com o Palácio das Artes lotado, foi minha vez de viver experiência semelhante, da qual até hoje, só de me lembrar, fico corado. Estava lançando, se não me engano, o romance O último conhaque, quando de repente uma prima, de quem gosto muito e que foi criada comigo, chegou com seu exemplar e o estendeu para mim, com um sorriso. Olhei para ela e veio o branco. Qual era seu nome?
Em vão tentei buscá-lo no papelzinho salvador que o vendedor experiente coloca junto ao livro, com a identificação do comprador, justamente para evitar mais complicações. E nada. Tem gente, tamanha é a intimidade que julga ter com o autor, como era o caso daquela prima, que não aceita se submeter a tal situação. “O que vou fazer meu Deus?” Deixei que uma, duas, cinco pessoas passassem na sua frente, enquanto tentava, olhando-a de soslaio, ali ao meu lado, me lembrar da sua graça. Coisa que nunca faço no lançamento de meus livros, cheguei até a aceitar um copo de cerveja, para ver se ajudava.
Àquela altura, nem é preciso dizer, já havia apelado para todos os meus santos de devoção: Nossa Senhora Aparecida, São Tarcísio, Bom Jesus da Lapa (um dia ainda vou ao santuário cumprir uma antiga promessa), Cônego Lafayete e nada. O nome da prima não vinha. E fui começando a suar frio.
Foi então que ela, talvez já desconfiada, pois há alguns anos a gente não se encontrava, virou-se para mim e disse, com um sorrizinho daqueles de congelar o cidadão: “Não está se lembrando mais de mim?”. Foi então que juntei todas as forças, voltei a invocar meus santos, olhei dentro dos seus olhos e disse aliviado: “Que é isso, querida Débora, só queria ter você comigo mais um pouquinho”, e autografei o livro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário