Revista Carta Capital -
26/01/2015
O PRB arrebanha cargos da pasta de olho na exposição das Olimpíadas e no desenvolvimento de projetos com a Universal
Braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir
Macedo, o Partido Republicano Brasileiro busca arrebanhar o esporte
nativo. O novo ministro do Esporte, o inexperiente George Hilton, mais
conhecido por ter sido detido em um aeroporto com malas de dinheiro do
que por sua atuação política, está na cúspide de uma hierarquia de
pastores designados a controlar a pasta no País. O interesse do partido
pelo Esporte começou a ganhar forma em 2012. Originalmente de São
Bernardo do Campo, o pastor Júlio Cesar Ribeiro foi escolhido pelo PRB
naquele ano para ocupar a Secretaria de Esporte do Distrito Federal. Nas
eleições de 2014, Ribeiro liderou a votação para a Câmara Legislativa,
apesar de residir há pouco mais de dois anos na capital federal. "Não
tive votos somente do esporte", garante. "Mas com certeza a minha gestão
à frente da Secretaria ajudou muito."
Se estar à frente da
organização da Copa das Confederações e da Copa do Mundo em Brasília
serviu de vitrine eleitoral para o pastor, os eleitores ligados à
Universal, afeitos a votar em seus líderes religiosos, devem ter
aprovado sua atuação. Em Brasília, Ribeiro abraçou publicamente eventos
da Força Jovem Universal, grupo da igreja que promove atividades
esportivas e organiza palestras contra o uso de drogas. Em 2014, a
Secretaria de Esporte do DF promoveu o "Saiba Dizer Não", que atraiu
milhares de fiéis ao ginásio Nilson Nelson. Neste ano, o apoio do
governo do Distrito Federal ao evento foi acertado entre o deputado e
sua correligionária Leila Barros, ex-jogadora de vôlei da seleção
brasileira e nova secretária de Esporte. Está marcado para dia 28 de
janeiro, no Mané Garrincha, estádio de Copa do Mundo.
A promoção
de eventos em parceria com a Universal e a visibilidade política
proporcionada pelos Jogos Olímpicos de 2016, cuja emissora oficial será a
Record, somam-se no súbito interesse do PRB por ocupar postos
relevantes do esporte nacional. A bancada de 24 parlamentares eleita em
2014 chancelou o interesse do partido pelo Ministério do Esporte,
oferecido por Dilma Rousseff ao pastor Hilton. O foco na área não ficou
restrito ao plano federal. O sucesso da experiência de Ribeiro em
Brasília levou o presidente do partido, Marcos Pereira, a costurar
acordos com o PSDB em São Paulo, o PSB no Distrito Federal e o PT em
Minas Gerais e no Ceará para ocupar as respectivas secretarias de
Esporte. Um time de quatro pastores e uma solitária ex-atleta.
A
biografia política de Hilton é rasa. Pastor da Universal, teólogo e
apresentador de televisão, o novo ministro foi deputado estadual em
Minas Gerais entre 1999 e 2006. Em 2000, esteve à frente do programa
Minas na TV, da Record. Eleito deputado federal nos últimos três
mandatos, Hilton chegou a disputar em 2012 a prefeitura de Contagem, mas
ficou em quarto lugar. Fora a assumida paixão pelo Cruzeiro, não
acumulou experiência alguma com esportes em sua carreira política. Em
2005, foi flagrado no Aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, com 11
malas e caixas recheadas de dinheiro. Ao seu lado estava Carlos Henrique
Silva, escolhido pelo governador mineiro Fernando Pimentel para ocupar a
Secretaria de Esporte estadual. Ambos foram liberados pela Polícia
Federal, mas Hilton foi expulso do PFL, seu partido à época. Questionado
sobre o episódio, o ministro argumenta que transferia de forma
voluntária doações de fiéis da Universal a pedido da igreja. Resta saber
por que o partido apressou-se em expulsá-lo.
Hilton e Silva são
neófitos na matéria entregue a seus cuidados. O novo ministro, não sem
candura, reconhece nada entender de esporte em geral. Compensa a falha,
diz ele, pelo conhecimento da alma humana. O mesmo não pode ser dito dos
outros secretários do PRB. Medalhista olímpica, Leila Barros é
naturalmente afinada com a área. A frente da pasta em São Paulo, o
pastor e vereador paulistano Jean Madeira foi um dos primeiros
coordenadores da Força Jovem Universal e articulou nos últimos anos
parcerias com as prefeituras paulistas para realizar eventos esportivos e
religiosos no estado. O radialista e pastor David Durand, secretário no
Ceará, colaborou na criação de uma liga de futebol no estado formada
por jovens participantes de grupos de reabilitação para dependentes
químicos.
O governo estadual do Rio de Janeiro, cuja capital será
sede das Olimpíadas, também priorizou os acordos políticos em sua
escolha. Embora não tenha responsabilidade direta sobre as Olímpiadas,
sob alçada do prefeito Eduardo Paes, Luiz Fernando Pezão, do PMDB,
escolheu para a secretaria alguém não apenas com parca experiência na
área, mas na própria vida. Filho do ex-governador Sérgio Cabral, Marco
Antônio Cabral tem 23 anos e ainda sequer concluiu seu curso
universitário. A ausência do PRB no esporte fluminense explica-se pela
disputa política de 2014: o adversário de Pezão nas eleições do ano
passado foi o senador Marcelo Crivella, pastor da Universal e principal
liderança do partido.
Apesar das desconfianças quanto às
motivações do PRB em dominar a pasta, Hilton garante que vai articular
os atores envolvidos e massificar a prática esportiva no País.
"Responderei com muito diálogo e muito trabalho", afirma a Carta
Capital. "Espero mudar essa impressão inicial." As primeiras críticas
partiram da ONG Atletas pelo Brasil, formada por mais de 50 desportistas
de diversas modalidades, entre eles o ex-nadador Gustavo Borges, a
ex-jogadora de basquete Hortência e a ex-atacante de vôlei Ana Moser,
que preside o grupo. Após Hilton ser anunciado em dezembro passado, o
grupo chiou. "Infelizmente, há anos, o Ministério do Esporte é usado na
barganha política", afirmou a ONG por meio de nota. Apesar da oposição
inicial, Daniela Castro, diretora-executiva da Atletas pelo Brasil,
garante que o momento de críticas passou. "O nosso interesse agora é
falar de agenda. Precisamos de uma política e de um Sistema Nacional de
Esporte. O País está longe das potências olímpicas." Após assumir,
Hilton sinalizou manter parte da equipe que integrou a gestão de Aldo
Rebelo, do PCdoB, mas começou a realizar mudanças importantes. Para a
Secretaria de Alto Rendimento do Ministério, que coordena investimentos
no esporte profissional, foi escolhido Ricardo Trade, diretor-executivo
da Copa do Mundo da Fifa no Brasil. Substituirá Ricardo Leyser, do
PCdoB.
Principal demanda dos atletas, a formulação de um Sistema
Nacional de Esporte está entre as prioridades do ministério, diz Hilton.
O objetivo é criar um fundo que conjugue ações integradas entre União,
estados, municípios, escolas e federações esportivas para pinçar e
formar talentos. O projeto foi alvo de debates de três conferências
organizadas pelo PCdoB enquanto esteve à frente da pasta, mas não houve
avanços relevantes.
Coma iminência das Olimpíadas do Rio de
Janeiro, o Brasil perde tempo para debater sua gestão esportiva. Dez
anos antes de sediar as Olimpíadas de Londres, o Reino Unido iniciou um
programa para incentivar a prática de esportes pelos britânicos e
desenvolver um laço com as escolas para fortalecer as modalidades
olímpicas. Hilton explica de forma curiosa as limitações do projeto
olímpico nacional em relação ao britânico. "Somos um País com pouco mais
de 500 anos. Estamos ainda construindo uma nação." Esquece o ministro
que o Brasil tem cerca de 200
milhões de habitantes enquanto o Reino
Unido não chega a 70 milhões e que o número de praticantes influi no
resultado. Esquece também que o atletismo e a natação, esportes de base
em uma Olimpíada, são acessíveis à população mais pobre. De fato, o
ministro claudica no assento.
A discussão sobre o legado social e
esportivo das Olimpíadas soma-se o debate sobre a gestão e a
transparência dos clubes brasileiros e das federações. Debatido no
Congresso, o refinanciamento da dívida dos principais clubes
brasileiros, próxima de 6 bilhões de reais, foi alvo de diversas
interferências recentes da CBF. No fim do ano passado, o deputado
petista Vicente Cândido, sócio em um escritório de advocacia do futuro
presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, apresentou emendas para retirar
do texto final da Lei de Responsabilidade Fiscal no Esporte as
contrapartidas a ser apresentadas pelos clubes para renegociar seus
débitos, entre elas o pagamento em dia de funcionários e jogadores.
O
Bom Senso F.C., grupo de jogadores que busca racionalizar a gestão do
futebol no País, queria incluir no texto a exigência de a CBF manter
balanços financeiros públicos e limitar a reeleição de seu presidente a
apenas um mandato. Em meio às discussões, outro integrante da bancada da
bola, o deputado Jovair Arantes, do PTB, incluiu o refinanciamento das
dívidas dos clubes em uma Medida Provisória relativa a temas tributários
gerais, sem estabelecer contrapartidas para os clubes e a CBF. A
presidenta Dilma Rousseff vetou o artigo de Arantes na terça 20.
Por
mais incrível que possa parecer, Hilton teve boa impressão de Del Nero e
do atual presidente, José Maria Marin, dois fiéis seguidores do
ex-mandatário Ricardo Teixeira. "Os dirigentes da CBF estão atentos à
nova realidade que se impõe sobre os clubes e as entidades esportivas",
comenta. "A própria CBF assumiu publicamente o compromisso de incluir
nos regulamentos de suas competições obrigações aos clubes quanto ao
fairplay financeiro e trabalhista." Sobre a necessidade de as federações
esportivas garantirem transparência de seus gastos, Hilton concorda com
a exigência, especialmente se forem beneficiárias de recursos públicos.
"Mesmo as entidades privadas buscam se abrir. A transparência é um
valor importante no mundo hoje." Em meio à investigação de desvios de 30
milhões de reais do patrocínio do Banco do Brasil à Confederação
Brasileira de Vôlei para favorecer dirigentes e ao desconhecimento sobre
o destino dos lucros vultosos da CBF, uma reforma do esporte brasileiro
tem de começar pelas federações. A confiança do ministro em Del Nero e
Marin é um mau presságio.