Morte e vida, bem e mal coexistem em nós
Estado de Minas: 03/05/2015
Todos os dias, em quase todos os jornais, o destaque vem sendo a Operação Lava-Jato, a Petrobras, as prisões de diretores, tesoureiros, empreiteiros. Suspeita-se de políticos envolvidos, do ex-presidente e até mesmo da atual. Prisões e condenações são quase diárias. Por um lado, é bom, porque, pelo menos em parte, não sejamos ingênuos, há alguma transparência na apuração de fatos que chegam a público. Como disse Ricardo Semler em artigo em setembro último, nos anos 1970 já existia corrupção e propinagem, mas nada era apurado, embora já se soubesse dessa prática.
Por outro lado, quando a corrupção ganha tanto terreno numa sociedade devemos nos preocupar. E, principalmente, jamais ignorar que somos forjados divididos, entre pulsão de morte e de vida. E a primeira, a pulsão de morte, costuma gozar sempre do pior. Ela se compraz com a corrupção.
Diante desse quadro, às vezes penso, ou simplesmente fantasio, sobre a história brasileira: fomos condenados pela maldição genética desde as capitanias hereditárias, quando de Portugal nos enviaram bandidos e malfeitores para governá-las. Enfim, queremos saber a origem do mal. Saber um pouco mais sobre os motivos subjetivos e estruturais para que um sujeito escolha o pior. Trata-se de uma escolha para alguns, que poderiam desfrutar da pulsão de vida e assim não fazem, embora em estado puro as pulsões não se apresentem nunca. Morte e vida, bem e mal, coexistem em nós. Há negadores que discordam. Para outros, no entanto, não existe escolha. Explico-me.
Há escolha no caso das neuroses, isto é, das pessoas consideradas normais. Quando o sujeito se trata e cuida do mal que existe nele, pode escapar das garras do pior. Saibam que somos neuróticos em diferentes graus. Fugindo disso, de acordo com a psicanálise, existe a perversão ou a psicose e, com certeza, leitores, nesses casos não há quase nenhuma escolha para o sujeito.
A primeira estrutura, a neurose, uma das respostas ao complexo de Édipo, pode conduzir o sujeito à criminalidade, delinquência e corrupção. Ele pode fazer atuações e passagens ao ato em situações de angústia, sentimento de culpa e demanda de amor que o leva a cometer atos contra a lei. Nesses casos, o sujeito é impulsionado por situações-limite e se sente acuado, rejeitado, ressentido e com extremo ódio. Um sujeito neurótico comete crimes passionais. Ele mata por amor. Por ódio. Vingança.
Ele manipula, trama, rouba para se valorizar, pois ao se tornar rico e poderoso, não importa de onde veio seu dinheiro ou poder, ele é bajulado, disputado e ganha poder fálico já que nossa sociedade aprecia e cobiça esses valores. Isso não é ser amado, mas parece. Mais uma inequívoca manifestação da pulsão de morte em nível social.
Nesses casos, o sujeito, quando descoberto, se envergonha diante da família e da sociedade, pois tudo que fazia só o fazia porque ninguém via. Jamais assumiria a responsabilidade de seus delitos ocultos e em geral mostrava-se e agia como um homem de bem, educando seus filhos dentro da moral vigente. A prisão marca dolorosamente e pode, quem sabe, corrigir esse deplorável narcisista mau-caráter quebrando-lhe a crista. Merecida a punição.
No caso da perversão e da psicose, a coisa é mais complicada. A primeira porque, incurável, o faz escravo da vontade de gozo sobre o outro. Uma compulsão semelhante à do pedófilo diante da qual o sujeito não conta com barreiras morais capazes de contê-lo. Só contido, preso, se detém. No caso das psicoses, o sujeito delira, alucina – sua realidade é como um inconsciente a céu aberto. Na paranoia, acredita em conspirações contra ele e se sente perseguido de verdade. Isso ou outro delírio de qualquer natureza oculta justificaria um crime ou ato corrupto, além do que o torna inimputável. Isto é, não pode ser julgado e condenado se considerado louco, como narra o filósofo Louis Althusser no livro O futuro dura muito tempo. Belo livro, vale a pena.
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