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domingo, 18 de agosto de 2013

"Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo" - crítica de João Pereira Coutinho e Idelber Avelar

folha de são paulo

Livro sobre a história do mundo completa trilogia best-seller e controversa

DE SÃO PAULO
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"Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo" (ed. Leya; R$ 39,90; 304 págs.), que chega agora às livrarias, traz novamente as investidas do jornalista Leandro Narloch contra o que ele chama de "mentalidade esquerdista" e "versões ultrapassadas da história". Os dois primeiros guias politicamente incorretos do autor, o do Brasil (2009) e o da América Latina (2011), venderam juntos 700 mil exemplares, segundo a editora Leya. No meio acadêmico, a série polariza opiniões.
Para uns, tira os fatos do contexto e chega a conclusões simplistas, sem embasamento real. Outros defendem os livros como um trabalho sério e atualizado.
Leia nos links duas resenhas sobre o novo volume.


Crítica: Em apenas duas horas, ri muito e aprendi bastante com o livro

JOÃO PEREIRA COUTINHO
COLUNISTA DA FOLHA
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Depois do Brasil e da América Latina, era inevitável que Leandro Narloch se ocupasse da história do mundo. Aplausos para ele: em duas horas de leitura, ri muito e aprendi bastante.
Ri muito com o humor de Narloch, que tem um talento especial para o "understatement". A Roma Antiga foi invadida pelos bárbaros? O autor comenta: "Mais uma prova de que o Império Romano não ia bem". Observações dessas você não encontra na obra de Eric Hobsbawm.

Mas o texto de Narloch não é apenas divertido; é uma defesa vigorosa desse monstro que, na falta de melhor expressão, podemos designar simplesmente por "civilização ocidental".
Se você, leitor, não tem o hábito extravagante de pensar (ou de estudar) e come todo o lixo marxista/relativista/niilista que é servido nas manjedouras universitárias, é provável que a "civilização ocidental" seja vista como a origem de todos os males.
Narloch discorda. A queda de Roma foi um piquenique multiculturalista entre o império e a barbárie? Não foi, não: o autor relembra como a queda de Roma fez a civilização regredir mil anos até ao nível da Idade do Ferro.
O que não significa que a Idade Média tenha sido um caso perdido. Não foi. E não foi porque -oh blasfêmia!- parece que existiu uma coisa chamada cristianismo que apanhou os cacos da herança clássica e permitiu que a civilização seguisse em frente.
Se você acha que a Revolução Industrial terminou com o paraíso bucólico que existia, ler Narloch ajuda a entender o que a revolução permitiu: a criação do mundo moderno e uma qualidade de vida com que os nossos antepassados nem sonhavam.
Claro que o mundo moderno teve as suas páginas grotescas: a miséria da África depois do colonialismo (e não necessariamente por causa dele) foi uma dessas páginas. Os regimes totalitários do século 20 foram outra.
Por último, tiro o meu chapéu lusitano ao exótico capítulo que Narloch dedica aos samurais japoneses. Melhor: à forma como os portugueses, introduzindo as armas de fogo no Japão no século 16, acabaram com essa raça.
Durante anos, nunca perdoei aos meus antepassados essa grotesca falta de maneiras. Descubro agora, por meio de textos do jesuíta português João Rodrigues citados no livro, que a imagem romântica dos samurais não passava de uma falácia: os nobres guerreiros eram, na verdade, vagabundos sem caráter.
Depois de uma desilusão dessas, já removi da parede da sala a minha espada.
AVALIAÇÃO ótimo

Crítica: Trabalho é tão ideológico quanto a ideologia que quer combater 

IDELBER AVELAR
ESPECIAL PARA A FOLHA
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"Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo", de Leandro Narloch, é o livro de um prosador hábil.
De Galileu a Gandhi, da Revolução Industrial a Maio de 68, o autor elege bem os moinhos de vento contra os quais lutará. Da tese de que a era medieval teria sido de trevas à de que o socialismo real fora desprovido de atrocidades, as narrativas contra as quais Narloch se insurge são caricaturas, bichos-papões.
Nessa insurgência opera uma lógica rudimentar, que isola dois elementos no tempo ou no espaço e pressupõe a conexão causal que quer demonstrar, ignorando toda a contraevidência.
Ao listar bizarrices dos regimes comunistas, o livro encontra uma de suas boas vocações, a de ser libelo satírico. Quando tenta argumentar, é de um simplismo atroz.
O livro isola casos de ditaduras africanas de seu contexto anterior de colonialismo e escravidão, lista absurdos de ditadores reais e conclui que "quem destruiu a África foram os líderes africanos".
Justapõe as expectativas de vida antes e depois da Revolução Industrial, constata o aumento, ignora o que possa perturbar a equação entre qualidade e quantidade e conclui que a mecanização foi a melhor coisa que poderia ter acontecido aos pobres.
Lista o número de pessoas a quem a comida com agrotóxicos alimenta hoje para sugerir quanta gente estaria faminta caso o mundo ainda dependesse da agricultura orgânica familiar.
Arrola superficiais coincidências na linguagem sobre o Estado nos textos nazista e comunista para propor uma equivalência entre os dois. No limite do mau gosto, lista as baixas de uma possível invasão por terra dos EUA ao Japão em 1945 e deduz quantas vidas foram "salvas" pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki.
E assim por diante, em operações de penoso primarismo argumentativo, pelas quais o livro termina sendo tão ideológico quanto a ideologia que quer combater.
Como sempre ocorre quando o epíteto "politicamente incorreto" é usado com pretensão de heroísmo, apresenta-se uma versão dominante da história, a que confunde os interesses dos poderosos com os da humanidade, como se essa versão fosse minoritária, maldita e, ao mesmo tempo, a única sensata.
Daí não se conclua que o livro é desprovido de interesse. Pelo talento narrativo do autor, ele deve fornecer os exemplos preferidos de história universal dos comentaristas de portais da internet.
IDELBER AVELAR é professor de literatura na Universidade Tulane (Estados Unidos).
AVALIAÇÃO regular

sábado, 25 de maio de 2013

Crítica: Títulos que inauguram coleção Otra Língua questionam a ideia de autoria

folha de são paulo
IDELBER AVELAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

País de notável tradição narrativa, o Uruguai é menos conhecido entre nós do que outros centros de produção literária da América Latina.
Mario Levrero (1940-2004), autor do romance "Deixa comigo" (1994), dialoga com as duas grandes vertentes de seu país.
Levrero compartilha a fluência conversacional com a literatura realista de Mario Benedetti (1920-2009), mas também evoca a atmosfera onírica e alucinatória da ficção experimental de Felisberto Hernández (1902-1964).
"Deixa Comigo" é a história de um escritor que tem seu romance recusado pela editora, mas recebe uma tarefa que pode lhe valer um bom dinheiro: descobrir o autor de um excepcional manuscrito assinado com o pseudônimo Juan Pérez.
Sáshenka Gutiérrez /Efe
O escritor salvadorenho Horacio Moya, autor de "Asco", lançado pela coleção Otra Língua
O escritor salvadorenho Horacio Moya, autor de "Asco", lançado pela coleção Otra Língua
A busca implica uma viagem a Penurias, o povoado do qual viera o pacote. As pistas levam-no a toda uma galeria de figuras provincianas, incluída uma prostituta e uma funcionária dos correios que jura que a letra no envelope é feminina.
O surpreendente final amarra todas as pontas, como é de costume em Levrero.
Horacio Castellanos Moya chega ao Brasil com seu livro mais escandaloso. "Asco: Thomas Bernhard em San Salvador" (1997) rendeu-lhe ameaças de morte e a impossibilidade de retornar a El Salvador, de onde se exilara já no início da guerra civil no país (1980-1992).
Os personagens de "Asco" são Vega, salvadorenho que retorna depois de 18 anos anos de exílio para o enterro da mãe, e seu velho amigo Moya.
Vega monologa sobre o nojo que lhe provocam a corrupção, o futebol, a rendição da esquerda ao dinheiro, o analfabetismo e outras mazelas do país.
O texto se apropria do gênero por excelência do conflito centro-americano, o testemunho, mas desmonta sua autoridade ao fazer do protagonista uma figura caricata, ainda que certeira em suas críticas ao país.
A série coordenada por Joca Reiners Terron se inaugura com dois textos que colocam em questão a autoria.
Levrero relata como se encontra um autor onde menos se esperava. Moya demonstra os perigos da identificação fácil entre voz narrativa e voz autoral.
IDELBER AVELAR é professor de literatura na Universidade Tulane (Estados Unidos) e autor de "Alegorias da Derrota" (UFMG).
ASCO
AUTOR Horacio Castellanos Moya
EDITORA Rocco
TRADUÇÃO Antônio Xerxenesky
QUANTO R$ 23,50 (112 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
DEIXA COMIGO
AUTOR Mario Levrero
TRADUÇÃO Joca Reiners Terron
QUANTO R$ 27 (160 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

sábado, 11 de maio de 2013

Crítico lança estudo de fôlego sobre Machado e Henry James

folha de são paulo

CRÍTICA - TEORIA LITERÁRIA
Crítico lança estudo de fôlego sobre Machado e Henry James
Marcelo Pen compara romances dos escritores, mestres da ambiguidade
IDELBER AVELARESPECIAL PARA A FOLHANa eleição do objeto, já se revela o crítico e a escolha de Marcelo Pen Parreira. "Realidade Possível: Dilemas da Ficção em Henry James e Machado de Assis" traz uma análise comparativa sobre o escritor americano (1843-1916) e o brasileiro (1839-1908).
Mais que quaisquer outros de sua época, James e Machado têm em comum o trabalho minucioso com o ponto de vista e a voz do narrador. Ambos realizaram operações revolucionárias sobre a base do romance realista então dominante, distanciando-se dele.
Eis aí o fundamento de uma comparação pioneira, que ainda não havia recebido um estudo de fôlego. O livro é baseado na tese de doutorado do autor, defendida em 2007.
Marcelo Pen analisa "Memorial de Aires" (1908), último romance de Machado, e "Os Embaixadores" (1903), parte do trio de obras-primas da maturidade de James, que inclui também"As Asas da Pomba" (1902) e "O Vaso Dourado" (1904).
Pen identifica tanto em Machado como em James uma arte antiaristotélica, que mantém a tensão ao máximo, mas sem resolvê-la: uma arte da alusão, da elipse e da ambiguidade.
Em meio à leitura dos dois romances, Pen volta aos albores das carreiras de ambos e identifica, em "Eugene Pickering" (1874) e "Ressurreição" (1872), o início do trabalho com a voz narrativa que depois os caracterizaria.
LEITURA DETALHADA
Os leitores interessados na vida intelectual francesa do século 19 encontrarão um rico material no livro. Pen reconstrói os debates gerados pela revista "Revue de Deux Mondes", na qual se articularam críticas incisivas ao detalhismo e ao foco na vida externa, próprios do realismo. Tanto James como Machado foram leitores assíduos da publicação.
Pen é o tradutor da bela edição de "Os Embaixadores" publicada em 2010 pela Cosac Naify. Os capítulos sobre Machado dialogam principalmente com a tradição uspiana.
A ambos os autores, Pen dedica leitura detalhada, cheia de atenção às filigranas do texto.
Por isso, o livro é de interesse limitado para não especialistas, mas sem dúvida é um acréscimo indispensável à bibliografia da literatura comparada no Brasil e à fortuna crítica de Henry James e Machado de Assis.

    terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

    Nem realismo nem fantasia dão conta dos vencidos - Idelber Avelar

    folha de são paulo

    OPINIÃO
    IDELBER AVELARESPECIAL PARA A FOLHAEste foi um Oscar que tematizou as relações entre cinema e política. "Lincoln", "Argo" e "A Hora Mais Escura" reconstroem, respectivamente, a aprovação da emenda que aboliu a escravidão, o resgate de reféns americanos no Irã e a captura de Bin Laden, enquanto "Django Livre" imagina uma fantasia a partir da escravidão nos EUA.
    Não se trata de discutir fidelidade a fatos nem de reiterar o direito do cinema à ficção, mas de observar a política que subjaz às escolhas estéticas feitas pelas obras.
    Debater se "A Hora Mais Escura" denuncia ou sanciona a tortura já implica ignorar uma operação prévia: não é fatalidade, mas escolha política que o filme acople a captura de Bin Laden à prática da tortura pela CIA.
    Ao narrar duas histórias como se fossem uma, ele torna a tortura palatável ao público dos EUA, independente do juízo que o espectador faça sobre ela. A ideologia do filme já está na montagem.
    Em "Lincoln", um retrato hagiográfico mas humanizado do personagem, o efeito político depende da renúncia do abolicionista Thaddeus Stevens ao princípio da igualdade das raças, substituída pela igualdade ante a lei.
    Apresenta-se esse recuo como garantia da vitória da emenda, distorção que fundamenta o elogio do filme à moderação e envia um recado político apaziguador ao presente.
    O vencedor, "Argo", transforma um fracasso dos EUA em sucesso às custas de uma história canadense. O anúncio do prêmio, feito pela primeira-dama na Casa Branca, acrescenta um toque de ironia. O filme, afinal, apresenta a colaboração de Hollywood com a CIA de forma natural, imune a questionamento.
    Em "A Hora Mais Escura", "Lincoln" e "Argo", o outro, iraniano, escravo ou islamista, não possui complexidade. O ponto de vista dos derrotados só aparece em "Django Livre". Mesmo em Tarantino, cuja referência é sempre o cinema e não a História, a revanche só acontece graças à tradicional fantasia do branco que resgata o negro.
    Nem o realismo nem a fantasia hollywoodiana parecem dar conta dos vencidos.
      http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/95660-nem-realismo-nem-fantasia-dao-conta-dos-vencidos.shtml