À moda da casa
"Hamlet" ganha sotaque brasileiro em montagem do diretor Ron Daniels com Thiago Lacerda
Lenise Pinheiro/Folhapress |
Cenas da montagem do diretor Ronald Daniels para "Hamlet"; Thiago Lacerda |
GABRIELA MELLÃO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Esqueça que "Hamlet" é a obra-prima de Shakespeare. Apague da memória que este é provavelmente o texto mais encenado da história. Também desconsidere o fato de que o personagem-título talvez seja o mais estudado da literatura mundial.
Ron Daniels busca fazer de sua nova montagem, que estreia nesta sexta em São Paulo, um "Hamlet" inaugural.
"Trabalhei para que as pessoas tenham a sensação de estarem diante de 'Hamlet' pela primeira vez", diz o diretor à Folha.
Se há um brasileiro que pode se aventurar por tal disparate é Ron Daniels, considerado um especialista em Shakespeare, que contabiliza mais de três dezenas de obras do bardo no currículo.
Sua trajetória artística se inicia como ator no Teatro Oficina, de Zé Celso, mas foi como diretor, e em Londres, que ganhou destaque mundial.
Daniels foi encenador da Royal Shakespeare Company durante 15 anos e em 1980 tornou-se diretor-associado da tradicional companhia.
Sinônimo de Shakespeare no mundo, o grupo, cuja sede se situa em Stratford-upon-Avon, cidade natal do bardo, é um dos mais prestigiados da Inglaterra.
Dedica-se sobretudo à montagem dos textos do autor inglês, mantendo plateias e artistas contemporâneos em diálogo com sua obra.
O diretor quer despertar no espectador a sensação de que "Hamlet" foi escrito por um dramaturgo brasileiro.
Seu Shakespeare é, conforme define o brasileiro, "verdadeiramente moderno, brasileiro e autêntico".
Sob as batutas de Daniels e na pele de Thiago Lacerda, Hamlet renasce Rameléti, contracenando com Antonio Petrin, Selma Egrei, Roney Facchini e outros 11 atores cujos personagens também parecem possuir passaporte brasileiro.
Tradutor da obra ao lado de Marcos Daud, o diretor rejeita a linguagem pomposa dos textos shakespearianos. Nada de rebuscamentos ou de "pentâmetro iâmbico", ou seja, a métrica constituída por versos compostos por cinco pares de sílabas, cujas intensidades se alternam.
"Shakespeare não escrevia suas peças só para as elites, e a linguagem do seu teatro não era para ser entendida apenas pelos intelectuais. As palavras que Shakespeare usava vinham da língua do povo", diz Daniels.
Segundo o diretor John Barton, da Royal Shakespeare Company, o "pentâmetro iâmbico" era uma forma natural e gostosa de falar inglês durante o período elisabetano.
Daniels se serve dessa definição para seu "Hamlet". "Traduzi o texto buscando uma forma natural e gostosa de falar o português", explica.
Ressalta, entretanto, que tal escolha não compromete a poesia da obra. Segundo ele, o lirismo de Shakespeare não está nos versos, mas no conteúdo da peça.
Para Daniels, "o que será revelado na boca do ator, sem mistificação, é o conteúdo mais profundo da fala". "Ela nos conduz ao encontro direto com o personagem em toda a sua humanidade e com todas as suas contradições."
HAMLET
QUANDO sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h; até 16/12
ONDE Tuca (r. Monte Alegre, 1.024, tel. 0/xx/11/3670-8342)
QUANTO R$ 40 (sex.), R$ 60 (sáb.) e R$ 50 (dom.)
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
QUANDO sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h; até 16/12
ONDE Tuca (r. Monte Alegre, 1.024, tel. 0/xx/11/3670-8342)
QUANTO R$ 40 (sex.), R$ 60 (sáb.) e R$ 50 (dom.)
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
Thiago Lacerda vive Hamlet existencialista
Ator aceitou convite após saber que Ron Daniels seria o diretor de montagem sobre menino em busca da verdadeGalã conta que já se preparava havia tempo para atuar em texto de Shakespeare, mas não imaginava viver HamletCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Hamlet" é a maior empreitada da carreira de Thiago Lacerda. Não pela extravagância que é viver o personagem. Tampouco pelos superlativos usados para definir a obra shakespeariana. A grande ousadia, segundo o ator, é atingir a essencialidade do texto.
"A montagem busca simplicidade, algo que só se conquista com a maturidade e a experiência de um diretor como Daniels", diz Lacerda.
Segundo Ron Daniels, seu mérito é ater-se às palavras de Shakespeare. "Tudo o que fiz na vida me leva a este 'Hamlet'. Precisei apenas me entregar ao texto. De tão maravilhoso, é quase como se ele não precisasse de nós. Temos que nos ausentar", diz Daniels.
O ator conta que já pensava havia tempos em exercitar-se numa obra de Shakespeare, autor que define como "a maior fonte dramática da história". Não imaginou começar com sua obra-prima.
Entretanto aceitou de prontidão o convite do cenógrafo e idealizador do projeto, Ruy Cortez, para protagonizar "Hamlet" quando soube que Ron Daniels assinaria a montagem, após mais de uma década longe dos palcos do país -sua última encenação no Brasil foi "Rei Lear", em 2000, com Raul Cortez.
Lacerda embarca na tragédia não como o príncipe dinamarquês que anseia vingar o pai assassinado, personagem que é encenado no mundo todo ao longo de mais de cinco séculos, mas como um menino em busca da verdade.
"Daniels me fez ver que esta é a verdadeira trajetória de Hamlet. Ele é um garoto perdido e doente de algo que desconhece e não sabe para onde deve seguir", diz o ator.
Segundo o diretor, sua doença é a mesma de toda a sociedade: o apodrecimento moral da humanidade. Ela é gerada por homens corruptos regidos por ambições desmedidas, entre outros valores deturpados.
Daniels define Hamlet como existencialista. "Ele se questiona mais do que qualquer personagem shakespeariano. Quer descobrir quem é, onde está e, de quebra, nos faz perceber quem somos."
Não é a primeira vez que Lacerda elege um texto existencialista para interpretar. Em 2008, o ator protagonizou "Calígula", clássico do escritor Albert Camus, sob direção de Gabriel Villela.
"É curioso perceber este meu movimento. Foi uma trajetória involuntária, mas me faz pensar que eu também talvez seja um existencialista", conta. (GABRIELA MELLÃO)
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