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quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Peças "Berro" e "Trem-Bala" estreiam em SP - Gabriela Mellão e Gustavo Fioratti

folha de são paulo
Peça 'Berro' discute sentido da existência
GABRIELA MELLÃO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Tennessee Williams, ignorado pelo Grupo Tapa durante mais de três décadas, tem se tornado, nos últimos anos, uma das mais constantes companhias deste tradicional grupo de teatro, célebre sobretudo por montar textos clássicos.
"Berro", que estreia amanhã, é a terceira peça do escritor norte-americano (1911-1983) encenada pelo coletivo, depois de "Alguns Blues do Tennessee" (2011) e "Longo Adeus" (2013). A trupe também traduziu uma coleção de quatro volumes com sua obra teatral, publicada recentemente.
"Tennessee Williams passou a me perseguir", brinca Eduardo Tolentino, diretor do Tapa. Segundo ele, "Berro" revela uma faceta obscura de Williams. "Ele é muito conhecido no Brasil por suas grandes peças realistas, mas tem obras inexploradas, nas quais experimentou muito", afirma.
Divulgação
Rubens Caribé e Mariana Muniz em cena em "Berro", peça dirigida por Eduardo Tolentino, que traz influências de Pirandello e Beckett
Rubens Caribé e Mariana Muniz em cena em "Berro", peça dirigida por Eduardo Tolentino, que traz influências de Pirandello e Beckett
O texto apresenta Feliz e Clara, irmãos condenados a representarem uma única peça, cujos personagens são um espelhamento deles próprios.
Para Tolentino, o Williams que surge em "Berro" situa-se entre Luigi Pirandello (1867-1936) e Samuel Beckett (1906-1989). O metateatro presente na obra a aproxima do primeiro. O tom absurdo, que leva o espectador a duvidar da existência dos protagonistas, remete à obra do segundo. "A peça vai ganhando dimensões e, no meio delas, a sensação de que os personagens não são reais, mas uma metáfora da vida: representações de como cada um arranja histórias para que sua existência faça sentido", diz.
Interpretados por Rubens Caribé e Mariana Muniz, os personagens/atores interrompem as apresentações para discutir sobre temas teatrais. Aparentemente, trata-se de uma peça sobre a arte do palco. O teatro, no entanto, é usado como pista falsa.
"Como em Pirandello, a questão central é o papel que o homem desempenha na vida; o quanto ele é ator de sua própria existência, repete padrões que carrega desde a infância e adia a solução final que seria a morte", diz o diretor.
Williams sugere, nesta peça, que só através da imaginação é possível suportar a vida. "A imaginação é um hábito. (...) Mágico é esse hábito da nossa existência", concluem os protagonistas de "Berro".
BERRO
QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h; de amanhã a 1º/9
ONDE Teatro de Arena Eugênio Kusnet (r. Dr. Teodoro Baima, 94; tel.: 3256-9463)
QUANTO R$ 20
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
Montagem debate velhice em tom de comédia
Espetáculo de Naum Alves de Souza retrata senilidade numa São Paulo em demolição
DE SÃO PAULOHá alguns anos, o dramaturgo e diretor Naum Alves de Souza, 70, passou a pé por um ponto no centro de São Paulo onde estava habituado a cruzar uma praça.
Por conta de obras da prefeitura, o lugar havia desaparecido, atesta ele. "São Paulo está sempre em demolição", prossegue, referindo-se a uma sensação que percorre as páginas de nova peça, "Operação Trem-Bala", que entra em cartaz com sua direção amanhã no Instituto Cultural Capobianco.
O espetáculo é moldado a partir de um retrato da velhice, e a relação com São Paulo se estabelece principalmente na "sensação de delírio" de ver uma cidade sempre em transformação, prescindindo da preservação dos afetos moldados também na memória do espaço urbano.
O personagem central (Marco Antônio Pâmio) é um político já senil que, em sua loucura, quer inaugurar um projeto de trem-bala na cidade. Seus herdeiros aproveitam o pretexto para embarcá-lo em outra viagem, junto com sua mulher (Ana Andreatta), rumo a um asilo. "Embora triste", diz Naum, "a história é tratada em tom de comédia, com personagens grotescos".
FINITUDE
"Os 70 anos dão para a gente um peso diferente", diz Naum, referindo-se à idade que completou no ano passado, meses antes de ser internado em um hospital por complicações causadas por miastenia, uma doença neuromuscular que "tira suas forças, tira sua energia", como ele próprio descreve.
O período no hospital permitiu meditar sobre a condição "de finitude", diz, o que lhe deu elementos para escrever a peça. A opção por um protagonista poderoso (e rico) sustenta o atestado de que "velhice vem para todos."
Com "Operação Trem-Bala", Naum dá continuidade ainda a um tema comum em sua obra, o das relações familiares, já tratado, por exemplo, em "No Natal a Gente Vem te Buscar", de 1979, e "A Aurora da Minha Vida (1981).
Para plateia de 40 pessoas, com cadeiras de roda e andadores em cena, o espetáculo tem direção musical do compositor Lívio Tragtenberg.

    sábado, 20 de julho de 2013

    Peça 'Azul Resplendor', com Eva Wilma, retrata o fracasso - Gustavo Fioratti

    folha de são paulo
    Aos 60 anos de carreira, dama do teatro interpreta atriz aposentada que volta à cena e cai em armadilha profissional
    Pedro Paulo Rangel também está em 'Azul Resplendor', com texto de autor peruano que escreve telenovelas
    GUSTAVO FIORATTIEntre 2008 e 2009, os atores e diretores Renato Borghi e Elcio Nogueira Seixas saíram América Latina afora em busca de bons textos desconhecidos. Visitaram México, Peru, Chile e outros países da região.
    O primeiro resultado da investida traz a público uma comédia sem pudores: "Azul Resplendor", texto do peruano Eduardo Adrianzén --autor famoso em sua terra por escrever telenovelas. A peça faz um belo retrato do fracasso no teatro. Eva Wilma, 79, que completa 60 anos de carreira, está no papel principal.
    Eva interpreta uma mulher que, como ela, é uma dama do teatro, só que com uma diferença básica: Blanca Estela, sua personagem, aposentou-se após uma perda. "Eu, ao contrário, jamais pensaria nisso", diz a atriz, referindo-se ao período após a morte de seu marido, o ator Carlos Zara (1930-2002). "Ele próprio voltaria para me dar um bronca", brinca a atriz.
    Lenise Pinheiro/Folhapress
    Eva Wilma durante ensaio da peça 'Azul Resplendor'
    Eva Wilma durante ensaio da peça 'Azul Resplendor'
    Na peça, anos após abrir mão de sua carreira, Blanca Estela recebe o convite de um fã (Pedro Paulo Rangel). Ator frustrado, ele escreve um texto em homenagem a ela e, com recursos próprios, levanta a produção. Blanca Estela então volta à cena -para uma armadilha profissional.
    A sequência de equívocos é provocada principalmente por um diretor megalomaníaco. Ególatra, ele propõe uma desconstrução do texto original. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
    Em entrevista, o autor comentou características que observou ao longo da carreira: "A personagem Blanca Estela é parecida com velhas amigas ainda em atividade. São bem-humoradas e um pouco cínicas. As ilusões de imortalidade ficaram longe, mas não sofrem com isso".
    Sobre o fracassado personagem interpretado por Rangel: "Conheço o tipo basicamente da TV; atores que nunca têm papéis grandes mas acham que são melhores que muitos. É triste, mas acontece".
    Sobre diretores ególatras: "No Peru, quem não tem um grupo pode parar nas mãos de um desses. Felizmente, nunca trabalhei com um".
    São caricaturas, é verdade. Mas estereótipos, coincidentemente, parecem rondar o teatro nacional.
    Francisco Cuoco faz hoje papel similar, um veterano diminuído por um ator da nova geração, em "Uma Vida no Teatro". Em agosto, ainda, Andrea Beltrão chega com "Jacinta", peça sobre "a pior atriz do mundo".
    AZUL RESPLENDOR
    QUANDO Sex., às 21h30; sáb., às 21h; e dom., às 18 h.
    ONDE Renaissance (al. Santos, 2.233, tel. 0/xx/11/3069-2286)
    QUANTO R$ 80
    CLASSIFICAÇÃO 12 anos


    sexta-feira, 21 de junho de 2013

    Sucesso no palco com Paulo Gustavo, filme 'Minha Mãe É Uma Peça' estreia nesta sexta - Juliana Gragnani

    folha de são paulo
    Superprotetora, rigorosa e barraqueira, Dona Hermínia, personagem criada e interpretada pelo ator Paulo Gustavo, 34, sai dos palcos, onde ficou famosa, para protagonizar "Minha Mãe É Uma Peça - O Filme". Dirigido por André Pellenz, o longa estreia nesta sexta-feira (21) em 404 salas de cinema.
    O filme tem orçamento de R$ 5,5 milhões e é adaptação da peça homônima, em cartaz desde 2006.

    Em ambos, Paulo Gustavo se trasveste como a personagem inspirada na mãe --a interpretação dessa figura feminina foi recorrente nas últimas quatro décadas no teatro brasileiro.
    Daniel Marenco/Folhapress
    Paulo Gustavo, que interpreta Dona Hermínia nos cinemas
    Paulo Gustavo, que interpreta Dona Hermínia nos cinemas
    O dramaturgo Mauro Rasi, por exemplo, criou uma personagem forte a partir de sua mãe em "Pérola", interpretada por Vera Holtz, em 1995.
    Paulo Gustavo diz que se inspirou em outra personagem de Rasi, a dona de casa encenada por Marieta Severo em "A Estrela do Lar", no final do anos 1980.
    Caso raro de um ator de comédia de sua geração, Paulo Gustavo não fez fama na internet: atraiu no palco um público de mais de um milhão pelo Brasil. "As pessoas vêm tirar fotos comigo pelo teatro e não por causa da TV ou outros meios."
    Paulo Gustavo e Fabio Porchat, 29, um dos criadores da produtora Porta dos Fundos, estiveram juntos em cartaz em 2005 com a peça "Infraturas".
    Mas suas carreiras seguiram rumos diferentes. O primeiro criou sozinho a peça que lhe deu fama; Porchat virou um hit na internet no ano passado, com alguns vídeos que têm hoje mais de 8 milhões de acessos.
    Já o esquete mais visto de Paulo Gustavo disponibilizado on-line por fãs não chegou a ter 300 mil visualizações.
    Seu único personagem divulgado antes pela internet foi a Senhora dos Absurdos, no site "Anões em Chamas", espécie de embrião do Porta dos Fundos. Hoje, a Senhora faz parte do programa "220 Volts", apresentado por Paulo Gustavo no Multishow.
    Apesar de ativo em redes sociais como o Twitter e o Instagram, o ator diz ter visto apenas três vídeos do Porta dos Fundos.
    Segundo ele, o artista que divulga vídeos na rede precisa se policiar para não baixar o nível. "Você pode fazer tudo na internet, então aparece um bando de picareta falando besteira, achando que é comediante", diz, sobre "comediantes em geral".
    Paulo Gustavo também está em cartaz com a peça "Hiperativo". No Multishow, será um dos protagonistas da série "Vai Que Cola?", filmada em um teatro com plateia. A produção, que retrata o dia a dia de uma pensão carioca, estreia dia 8 de julho.

    CRÍTICA - COMÉDIA
    Humor se perde em fórmula cansativa
    'Minha Mãe É uma Peça' repete recurso cômico à exaustão e usa saltos temporais sem coesão
    A HISTÉRICA VOZ ESGANIÇADA QUE O ATOR EMPRESTA À PERSONAGEM, QUE ALÉM DE TUDO É TAGARELA, LOGO PERDE A GRAÇA
    ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAVoltadas sobretudo ao público adolescente, as comédias brasileiras estão alcançando grande êxito comercial de uns anos para cá.
    Adaptada de um monólogo teatral de muito sucesso em vários palcos do país, "Minha Mãe É uma Peça" tem o diferencial de se dirigir a um público mais amplo.
    Isso porque a personagem principal, Dona Hermínia (Paulo Gustavo), é uma mãe extremamente protetora, figura que todo mundo conhece de perto ou de longe.
    Essa familiaridade aproxima a personagem do espectador e não é rompida, mesmo quando se constata que a zombeteira Dona Hermínia tem instintos maternais que atingem as raias da neurose --afinal ela só quer o bem da prole, objeto de seu amor fervoroso.
    Dona de casa divorciada de meia-idade, Dona Hermínia vive com os filhos Juliano (Rodrigo Pandolfo) e Marcelina (Mariana Xavier). Exagerada e autoritária, ela controla todos os passos dos dois adolescentes até o dia em que se sente ofendida por eles e decide sair de casa sem avisá-los, refugiando-se na casa de uma tia (Suely Franco).
    Ela chora as mágoas com a tia, rememorando vários episódios da vida familiar, dando à narrativa uma estrutura de flashback.
    Se no espetáculo teatral o flashback era algo natural pelo fato de Paulo Gustavo estar sozinho em cena, no filme esses saltos temporais aparecem de maneira um tanto descosida. São histórias dentro da história principal, que já é raquítica, autônomas como esquetes de teatro, que a partir de certo momento deixam de acrescentar qualquer novidade.
    Esta acumulação atrapalha o ritmo do filme, que parece durar mais do que 80 minutos. Personagens secundários dispensáveis, como a pitoresca galeria de vizinhos de Dona Hermínia, também ajudam a dispersar o foco na história.
    Outro aspecto que prejudica o resultado é o humor: quase todas as "gags" se baseiam na depreciação dos filhos pela própria mãe, sobretudo no caso de Marcelina e sua obsessão por comida.
    Tudo bem que a matrona é desbocada, mas a repetição excessiva da fórmula cansa.
    A caracterização da personagem também resulta enfadonha: Paulo Gustavo tem talento cômico, mas a histérica voz esganiçada que empresta à personagem --que além de tudo é tagarela-- logo perde a graça.
      Ator trabalha entre amigos e familiares
      COLABORAÇÃO PARA A FOLHA"Paulo Gustavo? Paulo Gustavo é terrível. A-do-ra me sacanear", brinca Dea Lucia Amaral, a dona Dea, mãe e musa inspiradora do ator. Paulo Gustavo imita perfeitamente sua voz, grave e com grande alcance vocal, quando interpreta Dona Hermínia.
      Como a maioria de suas criações, a personagem surgiu entre amigos e familiares --imitá-los era sua diversão, segundo sua mãe, que o considera "hiperativo e observador".
      O ator foi impelido pela amiga Samantha Schmütz, que também atua em "Minha Mãe...", a apresentar um esquete na peça "Surto", em 2004.
      "Fomos à casa da minha avó inventar algo", lembra Schmütz. Fil Braz, amigo de Paulo Gustavo desde os 15 anos, e hoje roteirista de seus projetos, também ajudou a bolar a personagem."Ele ficou improvisando com uma vassoura."
      Ainda hoje, Paulo Gustavo mora com a mãe --ele comprou uma casa para os dois em Niterói, no Rio. Como no filme, dona Dea já foi buscar os filhos na boate usando pijama. "Hoje só ligo para saber onde ele está", diz ela que, diferentemente de como é retratada no longa, nunca sai de casa com bobes no cabelo.
      No filme, Paulo Gustavo presta homenagem ao primo que morreu aos 18 anos. Sua irmã, retratada como mimada e comilona, trabalha hoje em sua produção.

        segunda-feira, 10 de junho de 2013

        Peça usa metáforas para tratar do suicídio

        folha de são paulo
        CRÍTICA TEATRO
        Peça usa metáforas para tratar do suicídio
        'Azirilhante', concebida e atuada por Flavia Melman, é uma experiência teatral singular, com potencial para encantar
        LUIZ FERNANDO RAMOSCRÍTICO DA FOLHAO teatro como ato de cura. "Azirilhante" evoca perda terrível e revela o amadurecer de uma jovem atriz.
        Concebida e atuada por Flavia Melman, a encenação tem texto e direção de Daniela Duarte. A experiência vivida por Melman, revista pelos olhos cúmplices de Duarte, resulta na fábula de uma filha de mãe suicida.
        Por mais trágica que a narrativa se anuncie, evita a literalidade dos fatos e migra para regiões simbólicas, ou metafóricas, onde o ar torna-se mais respirável e se contorna o miolo inatingível da dor.
        Esse distanciamento talvez reflita a circunstância de alguém que viu o evento fatídico com olhos infantis e só consegue projetar a mãe perdida com estereótipos.
        A montagem se tece na combinação de três registros dramáticos. Um apresenta a mãe, ou a memória de suas idiossincrasias, que alcança momentos de intensidade emocional. Outro recorda a filha e o arsenal de alegorias com que elaborou seu destino imprevisto. E um terceiro é quase performático, no sentido de ser a própria atriz se revelando no presente.
        Em qualquer um desses planos, o movimento é de retirada e de expansão para fora dos fatos reais.
        Ao mesmo tempo que se está olhando o pesadelo, cria-se uma dimensão poética que, seja nos ditos premonitórios da mãe, seja nas conversas da filha com seu amigo imaginário, ou nas brincadeiras da atriz com o público, protege a ferida cicatrizada que se está reabrindo.
        Flavia Melman, atriz com características marcantes, merece elogios não só pela coragem artística de trazer à tona traumas vividos, como pelo desempenho na sustentação desse projeto.
        Uma limitação do trabalho é a de ter mantido seu objeto de interesse, a mãe, incapaz de revelar-se mais plenamente. Por exemplo, o fato de ela ter comprado, pouco antes de morrer, o direito de nomear uma estrela, que inspira o nome da peça e aparece detalhado no programa, poderia tornar-se matéria cênica.
        "Azirilhante" é uma experiência teatral singular, com potencial para encantar pela inteireza com que sua protagonista se coloca nela.
        Merece ser vista e comentada, até para que, em processo, possa se aperfeiçoar. Mas, com certeza, a criadora alcançou ali um brilho que a liberta de sua sombra.

          quinta-feira, 30 de maio de 2013

          Falta psicodelia a montagem atual de "Bonifácio Bilhões"

          FOLHA DE SÃO PAULO
          CRÍTICA - COMÉDIA
          Falta psicodelia a montagem atual de "Bonifácio Bilhões"
          MARCIO AQUILESDE SÃO PAULO"Bonifácio Bilhões" é uma comédia de costumes tipicamente brasileira. Escrita e encenada por João Bethencourt em 1975, combina a representação de tipologias sociais e o tom de protesto político.
          A montagem em cartaz dirigida por Ernesto Piccolo mantém-se fiel à caracterização setentista em relação aos aspectos visuais.
          Os matizes de psicodelismo explorados com beleza no cenário e figurino, no entanto, não se extrapolam para a iluminação --praticamente invariável-- e para a trilha sonora, que abre com "Whole Lotta Love", do Led Zeppelin, e depois desaparece da peça.
          Essa platitude cênica atrela em demasia a eficácia do espetáculo à interpretação do elenco.
          Na trama, Walter (José de Abreu), um economista de verve pretensamente socialista, ganha um prêmio de quase 4 bilhões de cruzeiros, mas, ao contrário do prometido na fila da lotérica, não divide a bolada com Bonifácio (Thiago Chagas, substituindo o ator Tadeu Mello).
          Os dois antagonistas alcançam boas tiradas cômicas. Por meio de sua dicção vigorosa, José de Abreu executa com retidão a maledicência do personagem. Thiago Chagas concentra seus esforços na pantomima e nas expressões faciais clownescas.
          Brilham individualmente, entretanto falta convergência na interação entre ambos.
          O embate dialético presente na dramaturgia em muitos momentos não se converte em disputa dialógica no palco. As improvisações isoladas, por sua vez, são sagazes e cheias de graça.
          A carência de direção, porém, fica patente na performance de Iara Jamra para Alzira, mulher de Walter. Salta aos olhos a falta de sensibilidade histriônica no registro construído para sua personagem.
          Gestualidade infantilizada e vocalização caricaturesca não são condição sine qua non para a comédia, e o potencial dramático da atriz vê-se reduzido a um simulacro de seus papéis televisivos consagrados.
          Com uma sequência de peripécias e desenlaces na segunda metade, a montagem ganha dinâmica e a comicidade inerente do texto fica mais saliente.
          Os três atores evoluem bastante na parte final, quando transcendem as performances individuais em prol de respostas miméticas mais entrosadas.

            segunda-feira, 8 de abril de 2013

            Novos rumos - Festival de Curitiba

            folha de são paulo

            Em seu 22º ano, Festival de Curitiba amplia diversidade de sua programação e mira atrações internacionais para próxima edição
            GUSTAVO FIORATTIENVIADO ESPECIAL A CURITIBANa edição que se encerrou ontem, o Festival de Curitiba mostrou que é possível tirar partido de seu próprio amadurecimento.
            Com 22 anos nas costas e uma curadoria um pouco mais propensa ao risco, o maior evento teatral do país experimentou estratégias capazes de ampliar a diversidade de sua programação e de (futuramente, quem sabe?) atrair um público maior de fora da cidade.
            Para lustrar sua vitrine de trabalhos inéditos, fez a ponte entre um dos patrocinadores do evento e dois núcleos de criação.
            Os Parlapatões foram convidados a produzir algo "com a cara de São Paulo", investiram em uma adaptação da obra do quadrinista Angeli e estrearam o espetáculo na capital paranaense.
            O diretor e ator Enrique Diaz, por sua vez, foi convidado a apresentar parte do processo que resultará no espetáculo "Monstro", a estrear futuramente. Foram dois pontos altos da programação e o formato deve se repetir no próximo ano.
            A retomada de parceria com o Sesc também possibilitou selecionar espetáculos internacionais interessantes.
            "In the Dust", da companhia escocesa 2Faced Dance, mostrou uma coreografia com vocabulário de danças urbanas.
            Já "Pansori Brecht Ukchuk-Ga" arrebatou o público em duas sessões, com a cantora coreana JaRam Lee propondo nova relação com a obra do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, mais performática que épica.
            A cantora e atriz conduziu a história de "Mãe Coragem e Seus Filhos", acompanhada por uma banda, adaptando-a ao pansori, um gênero tradicional de canção narrativa da Coreia.
            Segundo o diretor do festival, Leandro Knopfholz, existe a intenção de ampliar a programação de atrações internacionais na próxima edição do evento, algo que vinha minguando. Ele divulgou ainda que a estimativa de público, este ano, ficou em torno de 220 mil espectadores, similar a do ano passado.
            PARCERIAS
            O Fringe também se beneficiou com parcerias institucionais. A mostra paralela, há cinco anos, tem se modificado com curadorias e mostras independentes.
            Desta vez, a iniciativa da Funceb (Fundação Cultural do Estado da Bahia) deu fôlego a uma vitrine interessante e pouco conhecida no eixo Rio-São Paulo. Os baianos tiveram destaque no mar de 300 espetáculos apresentados na programação.
            As apostas também trouxeram frustrações. A companhia Clowns de Shakespeare destacou-se em 2011 pelo espetáculo de rua "Sua Incelença, Ricardo III", com direção de Gabriel Villela.
            Mas, no retorno ao festival paranaense, com adaptação de "Hamlet" dirigida por Márcio Aurélio, o grupo perdeu o trono. Os intérpretes não pareciam casar com o tipo de encenação proposta. Aplausos comedidos.
            "Homem Vertente" foi a grande decepção da temporada. Planejado para o grande público e coproduzido com o grupo argentino Ojalá, abriria o festival na Ópera de Arame com a promessa de construir vasto campo de imagens a partir do uso de água em cena.
            Depois de enfrentar os problemas técnicos, precisou ser adiado e, depois, modificado em sua concepção.
            "Os números aéreos foram retirados, porque não havia segurança para os intérpretes", divulgou Knopfholz, três dias antes do fim do festival. E, assim, a primeira tentativa do festival de produzir seu próprio espetáculo de abertura resultou em algo sem graça.
            As experiências realizadas fora do palco é que não deram muito as caras nesta edição, com raríssimas (e oportunas) exceções.
            Na Mostra Contemporânea, a diretora Maria Thaís mostrou "Recusa" no Centro de Eventos Sistema Fiep, um galpão; e "O Espelho", do grupo OPovoemPé, propôs compartilhamento entre plateia e atores ao redor de uma mesa no Bosque do Papa, em um parque.
            ALÉM DOS PALCOS
            Houve ainda, dentro do Fringe, uma ocupação espacial que chamou atenção do público em Curitiba.
            O espetáculo "Uma História Radicalmente Condensada da Vida Pós-Industrial", do grupo Coletivo Independente, foi encenado no Bar e Restaurante Gato Preto, um lugar, digamos, aberto a fantasias, com homens sentados e mulheres circulando por entre as mesas do estabelecimento.
            O espetáculo apresentava histórias depoimentais diversas adaptadas da obra do escritor americano David Foster Wallace.
            As cenas aconteciam em diversos espaços do bar, e o público, também sentado às mesas, ouvia diálogos e monólogos com auxílio de fones de ouvido. Um dos atores da peça, Rodrigo Bolzan, transitava entre duas funções, ora em cena, ora servindo a clientela do restaurante.

              Estudo mostra baixa presença de turistas
              DO ENVIADO A CURITIBAEmbora maduro, o Festival de Curitiba ainda não consegue atrair público de outras cidades. Vendida como a maior do país em números e como "uma vitrine do teatro brasileiro", a mostra faz a festa e continua convidando apenas os amigos de bairro.
              O que mostra tal restrição é um perfil de público traçado por uma pesquisa com amostra de 1.227 pessoas.
              Realizado pelo Instituto de Turismo de Curitiba, órgão vinculado à prefeitura, o estudo apontou que, em 2012, 6,4% dos espectadores eram turistas, contra 84,2% de Curitiba e 9,2% representando habitantes da região metropolitana da capital.
              Se analisada essa pequena parcela de turistas, verifica-se que 24,4% do grupo soube do Festival de Curitiba por trabalhar no meio teatral.
              Um dos curadores da Mostra Oficial do evento, Celso Curi, assume que o festival "é pensado para a cidade de Curitiba", embora "as estreias nacionais e os trabalhos inéditos" mostrem a intenção de se aproximar com quem vive em outras regiões.
              Boa parte dos espetáculos apresentados durante o evento, no entanto, pôde ou poderá ser vista em São Paulo, mesmo os internacionais. O coreano "Pansori Brecht", por exemplo, fez sessões na capital paulista dias antes de a mostra curitibana começar.
              À Folha, o Instituto de Turismo de Curitiba informou que a divulgação do evento fora da cidade ainda se resume a nichos específicos, como feiras e agências de turismo.
              O gasto do festival com marketing e divulgação, segundo seu diretor Leandro Knopfholz, fica em torno de 8% de seu orçamento total, que este ano atingiu mais de R$ 8 milhões.
              Segundo Faith Liddell, coordenadora de uma organização responsável pela captação para os 12 festivais de cultura e arte realizados em Edimburgo, na Escócia, na época do festival europeu a população da cidade praticamente dobra de tamanho. Liddell esteve presente em Curitiba para articular futuras colaborações.

                sexta-feira, 5 de abril de 2013

                Mostra paralela ganha impulso em Curitiba

                folha de são paulo

                Formação de curadorias independentes no Fringe reforça a programação do festival de teatro da capital paranaense
                Espetáculos baianos, selecionados por Wagner Moura, levam visceralidade e atores talentosos ao evento
                GUSTAVO FIORATTIENVIADO ESPECIAL A CURITIBAFenômeno facilmente identificável nesta edição do Festival de Curitiba, o Fringe está amadurecendo.
                A formação de curadorias independentes dentro da mostra paralela, algo que vem crescendo nas últimas edições do evento, impulsionou o circuito. Mesmo com pouco incentivo financeiro, núcleos artísticos são capazes de elaborar programações com mais qualidade.
                Nesta edição do festival, uma mostra em especial chamou a atenção do público e conseguiu formar grandes filas na porta do teatro HSBC, no centro da capital paranaense. Trata-se da Novos Repertórios, que chegou a sua sexta edição com uma seleção de trabalhos frescos, em geral concebidos há menos de um ano.
                A mostra nasceu com a intenção de colocar na vitrine trabalho de jovens companhias de Curitiba. Mas hoje essas companhias "já não estão mais tão jovens assim", diz Pablito Kucarz, um dos curadores da mostra.
                Segundo o ator, esse formato possibilita ainda garantir mais recursos técnicos junto aos teatros e à organização do festival. "Trabalhamos com mais ou menos 80% dos recursos que precisamos", diz Kucarz.
                O amadurecimento determinou também delimitações curatoriais interessantes.
                O ator prefere deixar a palavra "curadoria" de lado, mas em texto de apresentação da mostra o diretor Márcio Mattana fala em "um corte que se preocupa pouco com as semelhanças superficiais e aposta antes numa seleção de divergências significativas".
                As mostras organizadas dentro do Fringe já começam a ser vistas também como ponto estratégico por quem vem de fora da cidade.
                A possibilidade de se apresentar na mostra paralela foi percebida pela Funceb (Fundação Cultural do Estado da Bahia). Neste ano, a instituição resolveu reservar um dos melhores teatros da capital paranaense, o José Maria dos Santos, para mostrar trabalhos de Salvador especialmente, em seleção assinada pelo ator Wagner Moura, que confirmou sua presença no festival neste domingo.
                Para o público, criou-se, assim, a chance de conhecer ao menos uma parte da cena soteropolitana, representada aqui principalmente por um teatro que se beneficia de atores talentosos.
                Visceralidade parecia uma qualidade em desuso nas mãos de artistas do Sul e do Sudeste. Mas espetáculos como "Pólvora e Poesia", do diretor Fernando Guerreiro, e "Seu Bomfim", com o ator Fábio Vidal, reafirmam que o sangue ainda ferve pelos lados do Nordeste. E com bons resultados.

                  Roberto Alvim inspira nova geração do teatro
                  Peças com iluminação baixa e minimalismo de gestos guiam-se por ideias do diretor
                  DO ENVIADO A CURITIBAO impacto do trabalho do diretor e dramaturgo Roberto Alvim, tanto no campo da produção quanto em sua proposição de repensar as delimitações linguísticas e filosóficas do teatro, começa a aparecer numa geração de artistas posterior à sua.
                  Especialmente em Curitiba, onde o artista deu cursos de dramaturgia e direção desde 2009, traços da identidade criada por ele reverberam em jovens criadores.
                  Peças com iluminação bem baixas, muitas vezes elaboradas para revelar silhuetas (caso de "Melhor Ir Mais Cedo Pular da Janela", de Léo Moita), e também o minimalismo radical no gesto, como em "Espasmo" (espetáculo de Marcos Damasceno, com texto de Gabriela Mellão, colaboradora da Folha), guiam-se em parte pelo pensamento artístico batizado pelo diretor como Transumano.
                  "Transumano", diz Alvim, "é um conceito ligado a problematizações radicais do sujeito, é dramaturgia de invenção de outros mundos linguísticos, habitados por outras formas de vida".
                  Para o ator Pablito Kucarz, um dos curadores da mostra Novos Repertórios, que reúne trabalho de companhias curitibanas, a influência de Alvim "fomenta a produção dramatúrgica da cidade".
                  "Essa influência se desdobra de forma interessante e traz atenção especial à palavra", diz. "Eu não entendo o porquê de muitos trabalhos terem de ser escuros; apenas em alguns isso se justifica."
                  Para a crítica Luciana Romagnolli, "em Curitiba, a presença de Alvim significou um impulso renovador, colocando uma jovem geração em contato com questionamentos sobre o texto e a cena".
                  Paradoxalmente, diz Romagnolli, "isso levou à formação de replicadores" que repetem procedimentos de luz, atuação e dramaturgia. "Se o Transumano amplia o pensamento sobre teatro num elogio à singularidade, ele também desencadeia um fechamento em práticas teatrais com poucas variações entre si."

                    quarta-feira, 3 de abril de 2013

                    Livro "Fora de Mim", da gaúcha Martha Medeiros, ganha adaptação do diretor Francisco Ramalho Jr. para o teatro

                    folha de são paulo

                    Peça retrata superação de fim de relação
                    Espetáculo embute uma boa dose de comicidade às dores da perda e à luta contra o pensamento obsessivo
                    GUSTAVO FIORATTIDE SÃO PAULO"A dieta da dor de cotovelo funcionou melhor do que um photoshop, perdi três quilos!"
                    A frase é uma das preciosidades elaboradas no turbilhão vivido pela personagem central de "Fora de Mim", uma mulher de 40 anos tentando superar o fim de um relacionamento apaixonado.
                    O livro da gaúcha Martha Medeiros é adaptado agora para o teatro. Com direção de Francisco Ramalho Jr. e Lavínia Pannunzio no papel principal, a peça cumpre temporada no teatro Eva Herz.
                    O retrato da depressão, da euforia diante da perda e da luta para livrar-se do pensamento obsessivo faz lembrar dramas densos, como "A Voz Humana", de Jean Cocteau, porque o sujeito amado não está mais presente em cena. "Gosto muito desse aspecto do texto", diz Ramalho.
                    A diferença é que a narrativa de Medeiros, também em primeira pessoa, embute boa dose de comicidade às dores da perda. "A sensação de abandono tumultua a vida dela. Mas isso se torna cômico e patético ao mesmo tempo", diz Ramalho. Sua adaptação para o palco se restringe quase totalmente a mudanças de tempos verbais.
                    O conflito se intensifica no momento em que a protagonista descobre que o ex-amante está com outra mulher, vivida por Maria Manoella.
                    Ao encontrar-se com "A Outra" (o nome da personagem), a protagonista procura demonstrar serenidade e alegria e reconhece em si a capacidade de não transparecer a dor. "Sim, eu mereço um prêmio pela bofetada que fingi que num tava levando."
                    Mais tarde, em casa, ela procura consolação na astrologia e em afazeres prosaicos. "No meu horóscopo não tem nada de legal pro meu signo, então leio o seu, tudo está correndo bem pra você."
                    Assim, vai tateando formas de reconstruir sua autoestima.

                      terça-feira, 2 de abril de 2013

                      Novo espetáculo do grupo de Antunes Filho extrapola os limites do teatro e flerta com cinema e artes plásticas

                      folha de são paulo

                      "Estações" mostra novos rumos do CPT
                      Novo espetáculo do grupo de Antunes Filho extrapola os limites do teatro e flerta com cinema e artes plásticas
                      Assim como no projeto anterior, "Prêt-à-Porter", diretor volta a investir em exercício teatral com cenas curtas
                      GABRIELA MELLÃOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAO "Prêt-à-Porter" sai de cena. O término deste projeto, que nos últimos 13 anos sintetizou o caminho trilhado pelo CPT (Centro de Pesquisa Teatral), principal instituto de estudos da arte do ator do Brasil, conduzido pelo diretor Antunes Filho, é um marco na história das artes cênicas do país.
                      A lacuna é preenchida por "Estações", espetáculo cuja estreia ocorreu ontem, realizado por jovens atores sob orientação do encenador e seu braço direito, Emerson Danesi, coordenador do CPT.
                      A mudança espelha a inquietude de Antunes Filho, acentuada desde que ele constatou uma era de instabilidade na cena mundial. Segundo diz, o teatro está em crise e precisa se reinventar.
                      Como consequência, seus ensinamentos se despem de regras, de certezas, e sua arte deixa de apresentar respostas em cena para levantar perguntas. "Se sempre existiu reflexão no CPT, imagine o que acontece conosco em tempos de crise", sugere ele.
                      "O momento é de novos questionamentos", constata Danesi. Segundo conta, Antunes Filho nunca esteve tão próximo do processo de criação dos jovens aprendizes como em "Estações".
                      O encenador selecionou seis cenas entre cerca de 50 criadas por 20 atores no ano passado. "Não importa tanto o resultado final do trabalho, mas o fato de ser gente nova tentando abandonar velhos hábitos, experimentando novos caminhos", argumenta Antunes Filho.
                      Distintas tematicamente, as cenas se amalgamam sobretudo pela linguagem que extrapola os limites da arte teatral convencional para flertar com cinema e artes plásticas, entre outras expressões artísticas.
                      Como o "Prêt-à-Porter", "Estações" é um exercício teatral formado por cenas curtas, inteiramente compostas por atores criadores -aqueles que não se limitam a apenas interpretar papéis, se transformando também em dramaturgos, produtores, cenógrafos, figurinistas, iluminadores e diretores.
                      As similaridades entre as duas criações acabam aí. "Estações" se opõe ao antigo programa do CPT por não se prestar a contar uma história tradicional, com enredo linear e realista. Ao contrário do que ocorria no "Prêt-à-Porter", suas narrativas são apresentadas de forma fragmentada, rejeitam o falso naturalismo e buscam mobilizar o espectador não tanto pelas histórias, mas sobretudo pelas sensações que despertam.
                      Liberdade criativa surge como conceito chave para entender os novos caminhos de Antunes Filho, repassados para integrantes do CPT.
                      Segundo Jefferson Nogueira, criador de duas cenas de "Estações", o espetáculo é resultado de um processo criativo bastante solto. "Eu me senti muito à vontade criativamente para me expressar como artista", diz ele.
                      "Balaio", peça oriunda de estudantes do CPT, apresentada no ano passado, marcou o início dos novos rumos do Centro de Pesquisa de Antunes Filho. Depois dela, o encenador produziu um último "Prêt-à-Porter", que já começava a rever seus conceitos. O término do projeto aconteceu de forma natural.
                      "Estamos instalados num caos absoluto, numa fase de passagem. Estou batalhando para ver como o teatro pode encontrar novos horizontes", revela Antunes.
                      Segundo ele, "a regra agora é não ter regra, ser desregrado, ter olhos para localizar as brechas que se abrem e conseguir se infiltrar nelas". Poliana Pieratti, atriz de "Estações", também arrisca uma definição: "Tentamos sair do teatro para reencontrar o teatro", sintetiza.

                        FRASE
                        "Estamos instalados num caos absoluto, numa fase de passagem. Estou batalhando para ver como o teatro pode encontrar novos horizontes. A regra agora é não ter regra"
                        ANTUNES FILHO
                        diretor de teatro

                        Peça retrata Brasil usando universo gângster
                        Texto de Brecht encenado na rua 13 de Maio celebra 15 anos da Cia. Teatro de Narradores
                        COLABORAÇÃO PARA A FOLHACortiços, favela, escola pública, bares e sedes de grupos de teatro, tudo isso na mesma rua.
                        A 13 de Maio é um cenário vivo que retrata a diversidade da cidade. E, desde a semana passada, reúne também gângsteres norte-americanos dos anos 1930, personagens de "A Resistível Ascensão de Arturo Ui", espetáculo de Bertold Brecht encenado pela Cia. Teatro de Narradores.
                        Escrita durante o exílio de Brecht em 1941, na Finlândia, a obra paródica compara a ascensão de Hitler na Alemanha à dos gângsteres na Chicago dos anos 1930.
                        Sua fábula retrata a conversão fascista de uma sociedade gerida pelo capital, chamando a atenção para as formas de dominação e violência que dela derivam.
                        A Cia. Teatro de Narradores apropria-se desta peça para atualizar suas comparações, se propondo a discutir as relações entre política e crime no Brasil contemporâneo."O gangsterismo tomou conta da nossa forma de fazer política", declara o diretor José Fernando Azevedo.
                        Sua intenção é entender para onde caminha uma sociedade como a brasileira, cuja fisionomia, segundo ele, é marcada pela violência institucionalizada e cujo convívio é definido por comportamentos de direita.
                        "Querem nos fazer crer que o Brasil avança economicamente, mas, no que diz respeito ao pensamento político e ideológico do país, estamos regredindo", diz Azevedo.
                        "A Resistível Ascensão de Arturo Ui" é um marco na carreira do grupo. O texto serviu de base para seu primeiro trabalho profissional, em 2003. Seus integrantes haviam acabado de sair da faculdade de filosofia, da USP.
                        O Teatro dos Narradores revisita a obra de Brecht buscando ao mesmo tempo revisar o passado, vislumbrar o futuro e iniciar as comemorações de seus 15 anos de estrada -que preveem um projeto de residência no Sesc Belenzinho em junho e julho.
                        Terá um seminário sobre a trajetória do grupo, além das estreias de "Aquele que Diz Não, Aquele que Diz Sim", de Brecht, e "Retrato Calado", adaptação teatral da obra homônima de Roberto Salinas, filósofo que contribuiu para a origem do Teatro Oficina.
                        PARA AS RUAS
                        A nova versão de "Arturo Ui" troca o espaço convencional pelas ruas, radicalizando a pesquisa do coletivo para criar seu "teatro de intervenção". "O choque do texto com a realidade da rua garante atualidade", afirma Azevedo.
                        O espaço público ganha, pela primeira vez, projeto de iluminação. Apagam-se os postes e entram refletores, que se movem no espaço, definindo o campo de ação.
                        A trilha, executada ao vivo, atua como elemento fundamental da dramaturgia. Interpretação, maquiagem e figurinos visam uma teatralidade mais explícita.
                        "O texto de Brecht pressupõe clareza na enunciação. Manter isso na dispersão da rua é o nosso desafio", sintetiza o diretor.

                          Eletrobras reduz verba de apoio ao teatro
                          Estatal cortou R$ 9,3 milhões em patrocínios a espetáculos em relação ao ano passado
                          LUCAS VETTORAZZODO RIOO corte de mais da metade da verba que a Eletrobras destinará para o patrocínio do teatro brasileiro neste ano está preocupando produtores culturais. A estatal de energia registrou em 2012 o maior prejuízo de sua história, de R$ 6,8 bilhões.
                          No ano passado, a estatal patrocinou 36 produções, ao custo de R$ 14,5 milhões. Neste ano, serão apenas R$ 5,2 milhões, distribuídos a 17 espetáculos. A queda na verba de um ano para o outro é de 178% e na quantidade de produções, de 111%.
                          De acordo com o produtor cultural Eduardo Barata, presidente da APTR (Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro), com cada vez mais empresas privadas interessadas em peças comerciais, como musicais e comédias, o chamado teatro tradicional, de drama, perde espaço na cena do país.
                          Produtores culturais ouvidos pela Folha afirmaram que a redução da verba estatal é ruim porque a Eletrobras era conhecida justamente por contemplar com patrocínios peças dos mais variados estilos, e não só as consideradas comerciais. "A Eletrobras tinha um olhar mais diversificado em relação ao teatro nacional", disse Barata.
                          O fator mais apontado para explicar a diversificação dos patrocínios da estatal é que a escolha de projetos é feita por seleção pública. Um júri integrado por pessoas com formação artística decide quais projetos serão apoiados.
                          A revisão dos programas de patrocínio é parte da reestruturação das finanças da empresa, cujo objetivo é cumprir as metas de redução nas tarifas de energia elétrica determinadas pelo governo, em outubro passado.
                          A Lei Rouanet, mecanismo pelo qual a empresa investe em cultura, concede benefício sobre o imposto de renda. Quanto menor o lucro, portanto, menor o patrocínio.
                          INDEFINIÇÃO PARA 2014
                          A Eletrobras diz não saber como ficarão os patrocínios para o ano que vem. "Isso vai depender do desempenho econômico projetado para o ano de 2014", afirmou a assessoria da empresa.
                          A redução de patrocínios da Eletrobras atinge também as áreas de cinema, esporte e patrimônio imaterial.
                          Para cinema, as verbas caíram 35%, de R$ 5,3 milhões no ano passado para R$ 3,4 milhões este ano. Já o patrimônio imaterial, que investe em fundações e feiras regionais, receberá R$ 250 mil em recursos, uma queda de 84% em relação a 2012.
                          A Eletrobras ainda não divulgou quanto irá aportar em esporte neste ano, mas já anunciou cortes no basquete e no futebol. No ano passado, a empresa patrocinava as seleções brasileiras masculina e feminina de basquete e também a NBB (Novo Basquete Brasil), a liga nacional. Para este ano, os recursos ficarão restritos apenas às seleções.
                          Outra medida foi a recisão do contrato de patrocínio com o clube Vasco da Gama, iniciado em julho de 2009.

                            quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

                            Memórias e criações da mente guiam peça

                            folha de são paulo

                            "A Marca da Água", da Armazém, mostra mundo reconfigurado por mulher que passou por cirurgia no cérebro
                            Companhia paranaense traz a São Paulo texto calcado em conceitos do escritor e neurologista inglês Oliver Sacks
                            GUSTAVO FIORATTIDE SÃO PAULONa primeira cena de "A Marca da Água", que a Armazém Companhia de Teatro estreia neste sábado no Sesc Santana, uma mulher na faixa dos 40 anos observa um peixe gigante se debater à beira de uma piscina. Ela quer salvá-lo da morte, mas permanece impotente diante da situação, confusa com as proporções do animal.
                            Nas interseções do surreal e do onírico (ou nos estranhamentos desse par) é que o grupo paranaense radicado há anos no Rio costura seu espetáculo. Boa parte do trabalho está calcada na obra e nos conceitos do neurologista e escritor inglês Oliver Sacks, para quem "cada percepção é uma criação, cada lembrança é uma recriação".
                            De forma sintética: o espectador assiste da plateia a um mundo reconfigurado pela mente da protagonista. Situações vividas na infância se embaralham com memórias recentes da vida adulta. Em cena, a desordem temporal dá origem a uma narrativa fragmentada.
                            Havia o risco de esse mote desaguar num texto confuso ou hermético, mas a simplicidade das situações, diz o diretor Paulo de Moraes, permite montar o quebra-cabeça com facilidade. A bem da verdade, há apenas um evento-chave na história toda, relacionado a uma cirurgia cerebral da personagem na infância. Quase todo o resto da peça se desenvolve no campo sensorial.
                            VOZES DIFUSAS
                            O uso da água como forte elemento cênico simboliza essa imersão:
                            "Quando estamos debaixo d'água, ouvimos vozes difusas lá em cima, vemos imagens distorcidas; quando saímos da água, a noção de tempo parece modificada", afirma Moraes, que escreveu o texto em parceria com Maurício Arruda Mendonça.
                            Segundo ele, a dramaturgia surgiu a partir da concepção do espaço cênico, e não o contrário. "Sabíamos que queríamos usar a água como elemento de palco", diz. O texto, prossegue, foi tomando forma durante os ensaios, e o norte temático também deu origem aos figurinos de Rita Murtinho, criados em neoprene e tactel.
                            Com essa montagem, a Armazém é um dos nomes favoritos ao Prêmio Shell carioca, que em março reconhecerá trabalhos apresentados ao longo do ano passado. A montagem concorre nas categorias melhor autor, atriz (Patrícia Selonk) e cenário (Paulo de Moraes).
                            A memória que serve de fio condutor à montagem de agora é um dos temas-fetiche da produção recente do Armazém. Era ela que o protagonista de "Inveja dos Anjos" (vencedora de dois Shell) queria despachar para a fogueira, a fim de expurgar as aflições e amores perdidos do passado.
                            É também uma torrente de recordações que dispara a ação em "Antes da Coisa Toda Começar", trabalho imediatamente anterior a "Água", em que o fantasma de um ator atrai para a solidão de seu limbo três tipos cujas inquietudes espelham as dele.

                              FRASE
                              "Quando estamos debaixo d'água, ouvimos vozes difusas lá em cima, vemos imagens distorcidas; quando saímos da água, a noção de tempo parece modificada"
                              PAULO DE MORAES
                              diretor e coautor da peça "A Memória da Água", da Cia. Armazém


                              PRINCIPAIS PEÇAS DA ARMAZÉM
                              "Alice Através do Espelho" (1999)
                              Baseada na obra de Lewis Carroll, é a montagem que marca a mudança definitiva da companhia de Londrina (PR) para o Rio
                              "Pessoas Invisíveis" (2002)
                              O texto, inspirado nas HQs de Will Eisner, acompanha as agruras de três fantasmas que espreitam o prédio em que passaram suas vidas
                              "Toda Nudez Será Castigada" (2005)
                              A trupe visita o clássico de Nelson Rodrigues e sai de cena com dois prêmios Shell nas mãos (direção e iluminação)
                              "Mãe Coragem e Seus Filhos" (2007)
                              Tendo como convidada a atriz Louise Cardoso, o grupo leva à cena umas das peças-chave de Bertolt Brecht

                              quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

                              Cama de Gata

                              FOLHA DE SÃO PAULO

                              À beira dos 30 anos, Scarlett Johansson protagoniza "Gata em Teto de Zinco Quente" nos palcos e busca papéis mais adultos
                              Joan Marcus/Divulgação
                              Scarlett Johansson como Maggie em cena da peça
                              Scarlett Johansson como Maggie em cena da peça
                              PATRICK HEALYDO “NEW YORK TIMES”Scarlett Johansson, 28, não gosta de desfiar chavões a seu próprio respeito. Ela tende a pontuar seus insights com palavrões, autoironia ou uma risadinha curta e rouca.
                              Mas, numa entrevista recente de 90 minutos, não hesitou em admitir uma verdade: ela amadureceu muito entre sua estreia na Broadway, em "Um Panorama Visto da Ponte" (2010), e seu retorno aos palcos, agora, como Maggie, em outro clássico americano: "Gata em Teto de Zinco Quente", de Tennessee Williams (1911-1983).
                              Ela se divorciou do ator Ryan Reynolds e encerrou suas relações profissionais com sua mãe, Melanie Sloan, que tinha sido sua empresária desde que a atriz começou a fazer testes de atuação.
                              Em Hollywood, Johansson diminuiu os papéis de sexy e ingênua que a fizeram virar estrela, como "Encontros e Desencontros" (2003), e trabalhos de Woody Allen, como "Match Point" (2005).
                              Optou por personagens mais francas e fortes: a intransigente Natasha Romanoff no recente "Os Vingadores" (2012) e uma pragmática dona de zoológico em "Compramos um Zoológico", de 2011.
                              Sua sede pelo estrelato no cinema também se abrandou um pouco, em favor da busca de desafios mais profundos como atriz.
                              E, com "Gata em Teto de Zinco Quente", Johansson escolheu um desafio e tanto: o papel da obstinadamente pragmática Maggie, já representado por atrizes como Elizabeth Taylor e Jessica Lange.
                              "Nos últimos anos senti vulnerabilidade extrema. Eu não queria mais correr para aceitar trabalhos no cinema ou numa peça apenas para fugir dos meus sentimentos", disse a atriz, numa das salas de ensaio da peça.
                              "Quando eu quis voltar a trabalhar, tive vontade de começar a fazer papéis adultos -de mulheres duronas que sabiam o que era preciso fazer para sobreviver."
                              É claro que Maggie pode ser vista como simplesmente mais uma personagem altamente sexy de Johansson. Ela passa boa parte do primeiro ato trajando apenas uma combinação, lutando para reconquistar o amor de seu marido, Brick, e garantir a herança que eles podem receber de Big Daddy, que está morrendo.
                              PALPITAÇÃO CARDÍACA
                              Mas Johansson disse que enxergou muito mais que isso. A personagem precisa acertar tantas notas emocionais apenas no primeiro ato que a atriz se recordou de ter sentido "palpitações cardíacas" quando leu a peça.
                              "Finalmente estou em um ponto de minha vida em que me sinto à vontade sem saber qual será o resultado", diz.
                              Nas mãos de Johansson, a personagem aparece como alguém que escolhe suas táticas, pensando na sobrevivência, focando sua atenção em garantir que ela e Brick nunca se convertam em novas versões de seus pais.
                              Especula-se que a atriz ganhe US$ 40 mil (cerca de R$ 82 mil) por semana. A produção custou US$ 3,6 milhões (cerca de R$ 7,3 milhões).
                              Não há nada de arrogância ou ares de celebridade em Johansson, segundo o diretor da peça, Rob Ashford, e os colegas de elenco da atriz.
                              Na realidade, eles dizem que ela é a mais franca e abertamente autocrítica dos atores, que incluem Ciarán Hinds no papel de Big Daddy e a premiada com o Tony Debra Monk como Big Mama.
                              A obrigação de decorar os longos monólogos de Maggie no primeiro ato deixou Johansson tão nervosa que ela pediu conselhos a amigos e ocasionalmente se irritou com eles quando tentaram ser animadores.
                              "As pessoas diziam 'vai ficar tudo ótimo', e eu respondia... (palavrão), porque sentia como se estivesse puxando uma corrente pesada atrás de mim."
                              Quando Johansson fez uma leitura de "Gata", porém, o misto de inventividade e insegurança de Maggie a levou a identificar-se com a personagem de imediato.
                              "Desnudar-se diante de alguém, dispor-se a enfrentar a verdade dura da dor e da rejeição -essa sou eu e essa é Maggie", disse a atriz.
                              Explorar todas as camadas de Maggie não apenas faz jus à personagem, disse Johansson, mas é uma maneira de mostrar sua gratidão por ter um grande papel adulto neste momento de sua carreira.
                              "Agora, perto dos 30 anos, acho que já deixei a adolescência para trás." Ela riu e soltou um palavrão. "E é muito bom me sentir feliz."
                              Tradução de CLARA ALLAIN

                                FRASE
                                "Quando eu quis voltar a trabalhar, tive vontade de começar a fazer papéis adultos -de mulheres duronas que sabiam o que era preciso fazer para sobreviver"
                                SCARLETT JOHANSSON
                                Atriz

                                CRÍTICA DRAMA
                                Quando a Viúva Negra encontra o Caçador de Vampiros no palco
                                SÉRGIO DÁVILAEM NOVA YORKO desafio maior para se assistir à remontagem atual de "Gata em Teto de Zinco Quente", que estreia na Broadway hoje mas vem tendo apresentações desde o fim do ano passado, não é conseguir um bom ingresso entre as opções raras e caras, que podem chegar a US$ 298,13 (R$ 608).
                                É o exercício da "suspensão da descrença", exigido dos espectadores nos espetáculos mais inverossímeis. Não porque a produção em questão tenha efeitos especiais exagerados ou homens-aranhas voadores, caso do musical vizinho "Spider-Man: Turn off the Dark".
                                Mas pelo esforço de aceitar que Scarlett Johansson e Benjamin Walker, que interpretam os personagens centrais Maggie e Brick, são um casal do sul profundo norte-americano dos anos 1950.
                                Afinal, tratam-se respectivamente da Viúva Negra da cinessérie "Os Vingadores" e de Lincoln, o caçador de vampiros, do filme homônimo. Ou da mulher que, ao fotografar- se nua em seu smartphone para o namorado, acabou revelando a bunda ao mundo inteiro, em fotos que vazaram na internet em 2011. E do sujeito que tem como sogra Meryl Streep.
                                Todas essas informações estão na cabeça da plateia, pelo menos na cabeça deste repórter, quando o espetáculo começa, no primeiro de três atos, em que Scarlett/Maggie rediscute com Benjamin/Brick os termos de seu casamento de fachada, sem amor nem sexo.
                                Ela quer engravidar dele para que o casal participe da herança de Big Daddy, pai de Brick e dono da grande fazenda onde tudo se passa, no Delta do Mississippi.
                                Brick não se recuperou da morte do melhor amigo, Skipper, por quem era apaixonado e que se suicidou após ter um caso com Maggie.
                                Aos poucos, amparados pelo texto daquela que é considerada por muitos a melhor obra de Tennessee Williams e por um elenco excelente, com veteranos da Broadway, como Debra Monk (no papel de Big Mama), e atores do peso de Ciarán Hinds (Big Daddy), o casal central decola e, com ele, a peça.
                                GATA EM TETO DE ZINCO QUENTE
                                AVALIAÇÃO bom

                                  terça-feira, 16 de outubro de 2012

                                  Hamlet


                                  À moda da casa

                                  "Hamlet" ganha sotaque brasileiro em montagem do diretor Ron Daniels com Thiago Lacerda
                                  Lenise Pinheiro/Folhapress
                                  Cenas da montagem do diretor Ronald Daniels para "Hamlet"; Thiago Lacerda
                                  Cenas da montagem do diretor Ronald Daniels para "Hamlet"; Thiago Lacerda


                                  GABRIELA MELLÃO
                                  COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
                                  Esqueça que "Hamlet" é a obra-prima de Shakespeare. Apague da memória que este é provavelmente o texto mais encenado da história. Também desconsidere o fato de que o personagem-título talvez seja o mais estudado da literatura mundial.
                                  Ron Daniels busca fazer de sua nova montagem, que estreia nesta sexta em São Paulo, um "Hamlet" inaugural.
                                  "Trabalhei para que as pessoas tenham a sensação de estarem diante de 'Hamlet' pela primeira vez", diz o diretor à Folha.
                                  Se há um brasileiro que pode se aventurar por tal disparate é Ron Daniels, considerado um especialista em Shakespeare, que contabiliza mais de três dezenas de obras do bardo no currículo.
                                  Sua trajetória artística se inicia como ator no Teatro Oficina, de Zé Celso, mas foi como diretor, e em Londres, que ganhou destaque mundial.
                                  Daniels foi encenador da Royal Shakespeare Company durante 15 anos e em 1980 tornou-se diretor-associado da tradicional companhia.
                                  Sinônimo de Shakespeare no mundo, o grupo, cuja sede se situa em Stratford-upon-Avon, cidade natal do bardo, é um dos mais prestigiados da Inglaterra.
                                  Dedica-se sobretudo à montagem dos textos do autor inglês, mantendo plateias e artistas contemporâneos em diálogo com sua obra.
                                  O diretor quer despertar no espectador a sensação de que "Hamlet" foi escrito por um dramaturgo brasileiro.
                                  Seu Shakespeare é, conforme define o brasileiro, "verdadeiramente moderno, brasileiro e autêntico".
                                  Sob as batutas de Daniels e na pele de Thiago Lacerda, Hamlet renasce Rameléti, contracenando com Antonio Petrin, Selma Egrei, Roney Facchini e outros 11 atores cujos personagens também parecem possuir passaporte brasileiro.
                                  Tradutor da obra ao lado de Marcos Daud, o diretor rejeita a linguagem pomposa dos textos shakespearianos. Nada de rebuscamentos ou de "pentâmetro iâmbico", ou seja, a métrica constituída por versos compostos por cinco pares de sílabas, cujas intensidades se alternam.
                                  "Shakespeare não escrevia suas peças só para as elites, e a linguagem do seu teatro não era para ser entendida apenas pelos intelectuais. As palavras que Shakespeare usava vinham da língua do povo", diz Daniels.
                                  Segundo o diretor John Barton, da Royal Shakespeare Company, o "pentâmetro iâmbico" era uma forma natural e gostosa de falar inglês durante o período elisabetano.
                                  Daniels se serve dessa definição para seu "Hamlet". "Traduzi o texto buscando uma forma natural e gostosa de falar o português", explica.
                                  Ressalta, entretanto, que tal escolha não compromete a poesia da obra. Segundo ele, o lirismo de Shakespeare não está nos versos, mas no conteúdo da peça.
                                  Para Daniels, "o que será revelado na boca do ator, sem mistificação, é o conteúdo mais profundo da fala". "Ela nos conduz ao encontro direto com o personagem em toda a sua humanidade e com todas as suas contradições."
                                  HAMLET
                                  QUANDO sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h; até 16/12
                                  ONDE Tuca (r. Monte Alegre, 1.024, tel. 0/xx/11/3670-8342)
                                  QUANTO R$ 40 (sex.), R$ 60 (sáb.) e R$ 50 (dom.)
                                  CLASSIFICAÇÃO 14 anos


                                  Thiago Lacerda vive Hamlet existencialista
                                  Ator aceitou convite após saber que Ron Daniels seria o diretor de montagem sobre menino em busca da verdade
                                  Galã conta que já se preparava havia tempo para atuar em texto de Shakespeare, mas não imaginava viver Hamlet
                                  COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
                                  "Hamlet" é a maior empreitada da carreira de Thiago Lacerda. Não pela extravagância que é viver o personagem. Tampouco pelos superlativos usados para definir a obra shakespeariana. A grande ousadia, segundo o ator, é atingir a essencialidade do texto.
                                  "A montagem busca simplicidade, algo que só se conquista com a maturidade e a experiência de um diretor como Daniels", diz Lacerda.
                                  Segundo Ron Daniels, seu mérito é ater-se às palavras de Shakespeare. "Tudo o que fiz na vida me leva a este 'Hamlet'. Precisei apenas me entregar ao texto. De tão maravilhoso, é quase como se ele não precisasse de nós. Temos que nos ausentar", diz Daniels.
                                  O ator conta que já pensava havia tempos em exercitar-se numa obra de Shakespeare, autor que define como "a maior fonte dramática da história". Não imaginou começar com sua obra-prima.
                                  Entretanto aceitou de prontidão o convite do cenógrafo e idealizador do projeto, Ruy Cortez, para protagonizar "Hamlet" quando soube que Ron Daniels assinaria a montagem, após mais de uma década longe dos palcos do país -sua última encenação no Brasil foi "Rei Lear", em 2000, com Raul Cortez.
                                  Lacerda embarca na tragédia não como o príncipe dinamarquês que anseia vingar o pai assassinado, personagem que é encenado no mundo todo ao longo de mais de cinco séculos, mas como um menino em busca da verdade.
                                  "Daniels me fez ver que esta é a verdadeira trajetória de Hamlet. Ele é um garoto perdido e doente de algo que desconhece e não sabe para onde deve seguir", diz o ator.
                                  Segundo o diretor, sua doença é a mesma de toda a sociedade: o apodrecimento moral da humanidade. Ela é gerada por homens corruptos regidos por ambições desmedidas, entre outros valores deturpados.
                                  Daniels define Hamlet como existencialista. "Ele se questiona mais do que qualquer personagem shakespeariano. Quer descobrir quem é, onde está e, de quebra, nos faz perceber quem somos."
                                  Não é a primeira vez que Lacerda elege um texto existencialista para interpretar. Em 2008, o ator protagonizou "Calígula", clássico do escritor Albert Camus, sob direção de Gabriel Villela.
                                  "É curioso perceber este meu movimento. Foi uma trajetória involuntária, mas me faz pensar que eu também talvez seja um existencialista", conta. (GABRIELA MELLÃO)