sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

CIÊNCIA » Mistério submerso - Paloma Oliveto‏

Estudo que contou com participação de brasileiros estima que ao menos um terço das espécies marinhas ainda não foram descobertas 


Paloma Oliveto
Estado de Minas: 18/01/2013 

Brasília - Enquanto procura vida em outros planetas, a humanidade não conhece boa parte da própria Terra. Abaixo da superfície, há um mundo a ser explorado, muito mais populoso do que o imaginado. Pelo menos um terço das espécies marinhas ainda estão por ser descobertas, de acordo com um artigo publicado na revista científica Current Biology. O estudo, que contou com a participação de 270 especialistas de 32 países, incluindo o Brasil, foi baseado no Registro Mundial de Espécies Marinhas (WoRMS, pela sigla em inglês), um inventário on-line mantido por 270 taxonomistas de 146 instituições de pesquisa.
No artigo, os autores estimam que quase 1 milhão de espécies de eucariontes – organismos cujas células têm núcleo – habitam o oceano. São plantas, fungos, crustáceos, peixes, cobras, cetáceos, entre outros seres, distribuídos pelos mares de todo o planeta. Até hoje, 226 mil espécies são conhecidas, mas nos últimos anos, a taxa de novas descrições vem aumentando, à medida que mais oceanógrafos exploram o fundo do mar. Para avaliar quantas espécies ainda não foram descobertas, os cientistas desenvolveram um modelo matemático que levou em conta diferentes medidas, além da taxa anual de novas descrições (veja quadro). A pesquisa destaca que desde 2000 mais de 20 mil espécies marinhas foram identificadas, o que corresponde a 9% de todas as conhecidas. 
De acordo com Mark Costello, pesquisador da Universidade de Auckland e responsável pela elaboração do WoRMS, o trabalho de inventário de espécies já descritas e o cálculo daquelas ainda desconhecidas não foram fáceis. “Não existe um meio formal de registrar espécies”, conta. Um dos problemas que surgiram, por exemplo, foram múltiplas descrições de um mesmo ser. Em média, para cada cinco espécies apresentadas como novas para a ciência, pelo menos duas haviam sido descritas antes. Quanto mais estudada uma ordem, maior a chance de haver descrição duplicada. No caso dos cetáceos, por exemplo, os pesquisadores encontraram 1.271 diferentes nomes para apenas 87 espécies confirmadas. 
Confiável Agora, com 95% do projeto concluído, um processo que demorou mais de 10 anos, a ciência tem uma base de dados confiável. “Pela primeira vez, podemos fornecer uma visão muito detalhada da riqueza das espécies, fracionada entre todos os maiores grupos marinhos. Esse é o cenário mais adiantado do que sabemos — e talvez do que não sabemos — sobre a vida no oceano”, observou, em um comunicado de imprensa, Ward Appeltans, membro da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco. De acordo com ele, a descoberta de que entre um e dois terços da vida marinha são desconhecidos fornece um “ponto de referência para esforços conservacionistas e estimativas de taxas de extinção”. 
Os pesquisadores que assinam o artigo esperam que as espécies estimadas sejam descobertas ainda neste século. A maior parte é composta por pequenos crustáceos, moluscos, vermes e esponjas. Applletans lembrou que, apesar de um número menor de espécies viver no oceano, comparando-se à superfície, é no ambiente marinho que estão as mais antigas linhagens da vida na Terra. Para ele, o WoRMS pode inspirar iniciativas semelhantes, que forneçam um enorme censo dos organismos que habitam todo o planeta, sejam os mares ou a terra firme.
Para Rosana Moreira da Rocha, pesquisadora da Universidade Federal do Paraná e coautora do artigo, além de demonstrar que muitos seres marinhos ainda são desconhecidos, o inventário ressalta a necessidade de se desenvolver estratégias de proteção. “Devemos realizar esforços de conservação antes mesmo do descobrimento dessas espécies, pois nossa velocidade de estudo é inferior à velocidade da degradação”, observa. A cientista diz que salvar a vida marinha da destruição é factível. “O artigo mostra que a diversidade de espécies na Terra é finita e não é tão grande assim. Portanto, a tarefa não é impossível”, acredita. 

Três perguntas para...

Rosana moreira da rocha - pesquisadora do Departamento  de Zoologia da Universidade Federal do Paraná

Como foi sua participação na pesquisa?
Eu trabalho com a descrição de espécies de um grupo chamado Ascidiacea, que são animais marinhos muito próximos dos vertebrados na evolução dos animais. Eu contribuo com o banco de dados WoRMS há pelo menos cinco anos, incluindo espécies novas descritas na literatura especializada, informações sobre a distribuição geográfica e a bibliografia associadas às espécies. Para esse artigo em especial, fui responsável por calcular o número de espécies de ascídias a partir de minha experiência e das outras medidas descritas. Uma das grandes contribuições do artigo foi justamente a participação de um número grande de especialistas – mais de 100 –, porque assim temos uma avaliação bastante mais segura, pois foi baseada nas características especificas de cada grupo de organismo. Existem grupos pequenos, como o meu, com apenas 3 mil espécies conhecidas no mundo, mas existem grupos com mais de 50 mil, como os crustáceos (siris, caranguejos, lagostas). Como a diversidade desses grupos é muito diferente, apenas especialistas podem melhor avaliar a taxa de diversificação de cada grupo.

Existe algum censo da vida marinha no litoral brasileiro? 

Foi feita uma avaliação baseada em entrevistas com pesquisadores 10 anos atrás e o resultado foi de aproximadamente 7 mil espécies de invertebrados marinhos descritos para a costa brasileira. Sabemos que esse número é bastante subestimado. No momento, participo de uma rede de pesquisa chamada Sisbiota-Mar: sínteses e lacunas do conhecimento sobre os organismos da zona costeiro-marinha brasileira, coordenada por Antonio Carlos Marques, da USP (Universidade de São Paulo). Essa rede pretende justamente fazer essa avaliação, compilando todos os registros publicados das espécies marinhas brasileiras. Além disso, estamos fazendo a avaliação das coleções científicas biológicas em que os espécimens são guardados, como patrimônio nacional. Os resultados devem começar a ser divulgados entre o fim  de 2013 e 2014. 

Há alguma espécie no litoral brasileiro que tenha sido descoberta recentemente?
São descobertas e descritas novas espécies o tempo todo. No meu laboratório, estamos finalizando uma dissertação de mestrado de Gustavo Antunes Gamba sobre um inventário realizado na região de Vitória, Vila Velha e Guarapari, no Espírito Santo. Foram encontradas 31 espécies de ascídias, das quais 13 são novas para a ciência. O primeiro trabalho foi publicado recentemente com as espécies do gênero Aplidium. Para as ascídias, a média tem sido de 30% de espécies novas a cada inventário realizado em uma área pouco estudada. E o litoral no Nordeste é ainda bastante desconhecido. Temos a expectativa de ainda descrever muitas espécies. Em outubro, colegas da USP publicaram uma revisão das espécies do gênero Bugula de briozoários e descreveram nove espécies novas para a litoral brasileiro. A comunidade de taxonomistas brasileiros é bastante ativa e uma das mais reconhecidas no mundo. Como a nossa fauna também é muito rica, temos espécies sendo descobertas praticamente todos os dias.

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