sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Tendências/debates

folha de são paulo

FÁBIO GANDOUR
A falta de mão de obra que assusta o país
O Brasil precisa adotar disciplina, já aplicada em países desenvolvidos, que ensina como se expressar com a linguagem técnica
Se antes a riqueza do país era produzida com métodos simples, hoje toda a produção é mais complexa. A exploração do pré-sal ilustra bem essa complexidade, que vai da física em águas profundas à economia da distribuição dos royalties. Nesse cenário, o mercado se assusta com a falta mão de obra!
Essa constatação tem sido tão recorrente que adquiriu um caráter meio paralisante. Parece que sempre vai faltar profissional para qualquer coisa que se queira fazer. Se a falta é preocupante, mais assustadora ainda é a hipótese de que o suprimento dessa mão de obra só pode ser feito pela educação tradicional, um processo demorado e sem garantia de resultados.
Outro agravante do mesmo cenário é explicado pela diferença entre o que as empresas querem e o que o mercado oferece. A necessidade é de gente com conhecimentos de ciências mais "duras", como matemática, física, química e biologia, por exemplo, e a oferta que predomina no mercado é de graduados em áreas menos "duras", como economia, administração, direito e ciências sociais.
Apesar de tudo, essa escassez pode ter uma solução possível, quase milagrosa! Vamos começar notando que a carência predominante não é de doutores e profissionais altamente especializados. Recursos humanos com credencial acadêmica elevada podem ser até pontualmente úteis, mas a maior demanda é de um profissional que saiba ouvir, entender e se comunicar em linguagem técnica, seja ele engenheiro, advogado, economista ou, até, padre!
A aquisição desse tipo de aptidão pode ser feita através do treinamento em uma matéria escolar incomum no Brasil, chamada "Technical Writing". Acredito que a tradução para o português é tão literal quanto imperfeita: Redação Técnica. "Technical Writing" é uma disciplina que, em certos países desenvolvidos, começa a ser ensinada muito cedo, já no segundo grau.
A matéria não ensina apenas a escrever coisas técnicas. Ela ensina expressão técnica, oral e escrita. Quem adquire esta capacidade de expressão, de fato, aprende o que observar no mundo ao seu redor e, principalmente, como este mundo deve ser observado.
Isso é coisa séria. Tão séria que se você fizer uma busca com as palavras "Technical Writing" em qualquer internet da vida, vai levar um susto com o resultado! Há sites, blogs, cursos, empresas e livros, tudo dedicado ao assunto.
Ao aprender a observar alguma coisa e a descrevê-la para que seja razoavelmente compreendida por outra pessoa, o estudante adquire a habilidade verbal e escrita de comunicar o que viu e entendeu. Do feijãozinho brotando ao teorema de Pitágoras, passando pela diferença entre sunitas e xiitas.
Agora, se alguém imaginou que Redação Técnica, a qual é melhor chamar de Expressão Técnica Oral e Escrita, serve para escrever manuais pouco úteis como estes que tentam ensinar o uso do novo modelo de celular, bom saber que não é nada disso. A disciplina tem requerimentos próprios. De precisão, de síntese, de clareza e de sintaxe.
O que os meios de produção precisam com urgência no Brasil é de um monte de gente mais operacional que, mesmo graduada em áreas de ciências menos duras, possa se submeter a um treinamento de Expressão Técnica Oral e Escrita (com letras maiúsculas, como convém ao nome de um curso). E a duração será proporcional à profundidade do conhecimento técnico necessário.
Com algum esforço, para a criação rápida de docentes dessa nova matéria, ela pode ser oferecida por instituições de ensino já existentes, como universidades, escolas técnicas e o sistema S, os operadores do "quase milagre" necessário.

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