terça-feira, 11 de junho de 2013

MARIA ESTHER MACIEL » Difícil escolha‏


Estado de Minas: 11/06/2013 


Li, tempos atrás, um divertido texto de Georges Perec sobre as maneiras de se organizar uma biblioteca. Ciente de que ordenar livros faz parte de uma burocracia individual, o autor francês levanta uma lista de possíveis critérios de ordenação. Da classificação alfabética, passando pela nacionalidade dos autores e as datas de publicação das obras, até as cores da capa, os formatos e os gêneros, Perec conclui que nenhuma dessas categorias é satisfatória em si mesma. Um livro pode pertencer a várias ao mesmo tempo. Ou a nenhuma. Se existem livros muito fáceis de classificar, há também aqueles mais ou menos difíceis e os quase impossíveis de ser ordenados. Ou eles estão ordenados de um modo definitivamente provisório, ou de um modo provisoriamente definitivo.

Na semana passada, ao tentar preencher pela internet um formulário institucional, não houve como não me lembrar desse texto. Em meio aos dados solicitados, apareceu um campo obrigatório que me deixou embatucada. Era para indicar “cor ou raça”, marcando uma das opções disponíveis: “branca”, “negra”, “parda”, “amarela (?)” e “indígena”. Havia ainda a opção “não desejo declarar”.

Sou a favor de medidas (eficazes) de inclusão racial. Mas o quesito do formulário dá margem a confusão e dúvida, em casos como o meu. Se pelo menos houvesse o item “mestiça”, ficaria mais fácil. A opção “todas as alternativas acima” também poderia resolver. Já o “não desejo declarar”, tal como está formulado, pode dar a entender uma resistência a assumir a própria cor ou até uma recusa a contribuir com as políticas de inclusão. Pus-me, então, a sondar cada item.

Sei que, pelos critérios burocráticos vigentes, deveria marcar a opção “branca”. Só que não me considero branca, mesmo que essa cor esteja na minha constituição genética. Afinal, tenho mãe loura, de olhos claros e pele leitosa. Mas não herdei nada disso dela. Por outro lado, possuo uma boa dose de cor negra na pele, graças sobretudo à história familiar do meu pai. Ainda assim, a alternativa “negra” tampouco seria de todo pertinente. Quanto à opção “amarela”, não acho mesmo adequada. No entanto, já houve quem me perguntasse se tenho origem japonesa, por causa dos olhos meio puxados e do cabelo preto escorrido. Mas, pelo que saiba, não tenho ou tive qualquer parente oriental. E a opção “indígena”? Em Londres, costumavam me perguntar se eu era mexicana, por causa dos traços de índia. Contudo, não sou propriamente uma indígena, no sentido estrito do termo. Sobrou, assim, o “parda”. E o que se entende mesmo por pardo? Fui ao Dicionário Houaiss e encontrei as definições: 1) de cor escura, entre o branco e o preto; 2) branco sujo, escurecido; 3) de cor fosca e que pode variar do amarelo ao marrom escuro. “Parece que, entre todos, esse é o item que mais se aproxima do que sou”, concluí. Mas ao comentar isso com uma pessoa versada em coisas burocráticas, ela foi taxativa: “Pelos padrões, parda você não é”. E me orientou a marcar a opção “branca”.

“Você acha mesmo que sou branca?”, retruquei, mostrando a pele do braço. “Não é não, mas no formulário é”, respondeu. Cansada, resolvi deixar o documento para outro dia, pois o prazo não vence por agora. Assim, terei tempo para me decidir. Enquanto isso, é melhor ir arrumar os livros. 

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