Avatar
O alívio que ele traz é permitir que o superego seja olhado como algo alheio ao nosso eu
O sentido de avatar (divindade hindu com forma humana) generalizou-se, vide o filme, e foi usado por psiquiatras ingleses para criar um rosto humano computadorizado, como o ser falante das vozes que os esquizofrênicos ouvem (ver no Google).
É parte do paciente, mas se distingue dele. E traz-lhe grande alívio, por parecer alguém mais, e não "uma loucura da sua cabeça".
Primeiro o esclarecimento de algo intrigante: como os esquizofrênicos ouvem vozes (o mais frequente), veem coisas, sentem cheiros e toques que não estão lá?
Reza uma lenda carioca dos anos 70 que, quando Hugo Bidet entrou no bar com um camundongo no ombro, seus amigos alcoólatras fizeram um ar "natural" (vai que fosse um ataque de "delirium tremens"? Eles não queriam dar bandeira). Quando uma adolescente gritou "Um rato!", aliviados, eles se juntaram ao coro: "É mesmo, um rato!".
Esse momento do alcoolismo grave pode, assim como as psicoses, produzir alucinações (percepções dos sentidos produzidas no cérebro, mas indistinguíveis das externas). Delírios são interpretações dos acontecimentos, descoladas da realidade. Geralmente megalomaníacas ("existe uma organização mundial que me persegue, aquela mosca é um deles").
Todos nós experimentamos sentidos gerados no cérebro, vemos, ouvimos, tocamos, cheiramos coisas que vêm de dentro, e de maneira vívida.
Só que isso acontece quando desligamos os estímulos externos, apagamos a luz, estabelecemos conforto térmico auditivo (ar condicionado, cobertas) e o descanso muscular (deitamos). Ao cessar as percepções de entrada, vindo o sono, o cérebro é capaz de gerar estímulos semelhantes a partir de seus arquivos de memória: os sonhos.
Há vezes em que o estímulo cerebral é forte o suficiente para comandar os músculos, mesmo enquanto dormimos. No mínimo, damos uma virada de corpo por sonhar que estamos caindo. No máximo, o sonambulismo.
O psicótico ouve vozes especiais. São sempre acusações, críticas ou mesmo xingamentos. A maior parte dos esquizofrênicos é chamada de "viado" pelas vozes.
Esse tipo de conteúdo nos permite deduzir que é o programa superego quem emite as vozes. Popularmente conhecido como "a voz da consciência", ele nasce conosco para nos dar medo de cobras, insetos, altura e escuro, e assim nos proteger.
Mas pode ser alimentado pela voz dos adultos para absorver críticas, padrões de perfeição, de conduta, sempre inatingíveis, de forma que sempre estamos abaixo de seu modelo, sempre devendo a ele. Por isso, Freud o chamou de "o acima de mim" ("das über-ich", em alemão).
O alívio que o avatar traz é permitir que o superego seja olhado como um déspota que legisla, acusa e julga, sem chance de defesa, como algo alheio ao nosso eu.
O curioso da história é que, sem a ajuda da tecnologia, venho usando o expediente de olhar o superego como um "encosto" na vida dos pacientes, de modo que eu possa agir como advogado de defesa deles, alguém que questiona as leis, o processo, a sentença e a pena que estão cumprindo, para tirá-los da cadeia da neurose. Funciona.
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