terça-feira, 11 de junho de 2013

Vontade de morrer - Iara Biderman

folha de são paulo
Vontade de morrer
Taxa de suicídio entre jovens cresce 30% em 25 anos no país, mas falar sobre o tema continua a ser tabu até para profissionais de saúde
IARA BIDERMANDE SÃO PAULOÉ uma das primeiras causas de morte em homens jovens nos países desenvolvidos e emergentes. Mata 26 brasileiros por dia. E ninguém quer falar no assunto.
No Brasil, a taxa de suicídio entre adolescentes e jovens aumentou pelo menos 30% nos últimos 25 anos. O crescimento é maior do que o da média da população, segundo o psiquiatra José Manoel Bertolote, autor de "O Suicídio e sua Prevenção" (ed. Unesp, 142 págs., R$ 18).
A curva ascendente vai contra a tendência observada em países da Europa ocidental, nos Estados Unidos, na China e na Austrália. Nesses lugares, o número de jovens suicidas vem caindo, ao contrário do que acontece no Brasil, aponta um estudo da University College London publicado no periódico "Lancet" no ano passado.
"Na década de 1990, a taxa de suicídios aumentava em todos os países do mundo, e a OMS [Organização Mundial da Saúde] lançou um programa de prevenção. Os países que fizeram campanhas de esclarecimento conseguiram baixar os números. É importante falar do assunto", diz o psiquiatra Neury Botega, da Unicamp.
TABU
O tema é tabu até para profissionais de saúde. Nos registros do Datasus (banco de dados do Sistema Único de Saúde), aparece como "mortes por lesões autoprovocadas voluntariamente". Um longo eufemismo, segundo Botega. Evita-se a palavra, mas o problema se perpetua.
Em cursos de prevenção, o psiquiatra registrou as crenças de profissionais de saúde. Muitos acham que perguntar à pessoa se ela pensa em se matar já pode induzi-la a consumar o ato.
"Não temos esse poder de inocular a ideia na pessoa. E, se não tentarmos saber o que ela está pensando sobre o assunto, não conseguiremos ajudá-la", diz o psiquiatra.
A taxa cresce por uma conjugação de fatores. "A sociedade está cada vez menos solidária, o jovem não tem mais uma rede de apoio. Além disso, é desiludido em relação aos ideais que outras gerações tiveram", diz Neury.
Há ainda uma pressão social para ser feliz, principalmente nas redes sociais. "Todo mundo tem que se sentir ótimo. A obrigação de ser feliz gera tensão no jovem", diz Robert Gellert Paris, diretor da Associação pela Saúde Emocional de Crianças e conselheiro do CVV (Centro de Valorização da Vida).
O aumento de casos de depressão em crianças e adolescentes é outro componente importante. "Mais de 95% das pessoas que se suicidam têm diagnóstico de doença psiquiátrica", diz Bertolote.
Junte-se tudo isso ao maior consumo de álcool e drogas e a bomba está armada.
"ELENA"
A cineasta e atriz mineira Petra Costa tinha sete anos quando a irmã mais velha se suicidou. Mais de 20 anos depois, Petra dirigiu o documentário "Elena", atualmente em cartaz, em que tenta entender e comunicar o que a irmã pensava e sentia.
"As pessoas têm dificuldade de falar e de ouvir sobre o assunto. A sociedade brasileira tem que aprender a conversar sobre suicídio, porque o número de casos só aumenta", disse Petra à Folha.
Falar de suicídio nunca foi tabu para a diretora. "Desde que eu tinha sete anos, quando Elena se suicidou, minha mãe conversava comigo sobre isso, nunca me escondeu nada", conta.
Mas ela logo percebeu que, fora de casa, o tema era proibido. "A primeira vez que falei do assunto com outras famílias que passaram por isso foi aos 27 anos, quando procurei grupos de parentes de suicidas. Então me senti compreendida em minha dor."
Petra conta que, logo após a morte de Elena, sua mãe procurou pessoas que tinham sido próximas de alguém que se matou. Mas todos se recusaram a conversar com ela.
Ela também lamenta que, à época do suicídio da irmã, as pessoas ao seu redor não tinham informações sobre o assunto, nem sabiam como falar sobre ele.
"O mais lamentável em relação à Elena é que, nos anos 1990, no grupo de pessoas com quem ela convivia, sabia-se pouco sobre bipolaridade, depressão, suicídio. A desinformação levou à tragédia", afirma Petra.
A cineasta tem interesse nessa causa. A produtora do filme, Busca Vida, está organizando debates sobre o tema. E Petra planeja criar o instituto Elena, para prevenção de suicídios.
PREVENÇÃO
A troca de informações sobre o suicídio pode evitar muitos casos: de acordo com a OMS, dá para prevenir 90% das mortes se houver condições para oferta da ajuda.
Quem pensa em suicídio está passando por um sofrimento psicológico e não vê como sair disso. Mas não significa que queira morrer.
"O sentimento é ambivalente: a pessoa quer se livrar da dor, mas quer viver. Por dentro, vira uma panela de pressão. Se ela puder falar e ser ouvida, além de diminuir a pressão interna, passa a se entender melhor", diz Paris.
O CVV oferece apoio 24 horas pelo telefone 141 e pelo site www.cvv.org.br.
    COMO TOCAR NO ASSUNTO
    Ouça mais, fale menos
    Não interrompa a pessoa ou diga o que ela tem que fazer nem dê exemplos pessoais
    Demonstre interesse
    Deixe claro que você percebe que a pessoa não está bem, pergunte-lhe sobre o que ela está pensando e em que você pode ajudar
    Desenvolva empatia
    Coloque-se na situação do outro. Tente sentir o que a pessoa está sentindo
    Seja espontâneo
    Demonstrar sua preocupação com a pessoa não significa dar um tom grave e formal para a conversa
    Mantenha a calma
    Prepare-se antes para não transmitir insegurança ou desespero
    Não condene
    Julgar a pessoa em relação ao que ela diz ou fez pode fazer com que ela se sinta ainda pior
    Procure ajuda
    Informe-se sobre grupos de apoio e serviços de saúde mental que dão orientação e suporte a pessoas em risco de suicídio
      Folha vai debater a prevenção e as causas de suicídio
      DE SÃO PAULO
      Folha promoverá hoje (11), às 20h, um debate sobre o aumento do número de casos de suicídio, especialmente entre adolescentes, as possíveis causas e medidas de prevenção.
      José Manoel Bertolote, psiquiatra que acaba de lançar um livro a respeito do tema, Rosely Sayão, psicóloga e colunista da Folha, e Robert Gellert Paris Junior, membro do Conselho Curador do Centro de Valorização da Vida, farão parte da mesa. O debate será mediado pela jornalista Cláudia Collucci.
      Para se inscrever, ligue para (11) 3224-3473 (das 14h às 19h) ou mande um e-mail paraeventofolha@grupofolha.com.br, informando seu nome completo, RG e telefone. O debate será no Auditório Folha (al. Barão de Limeira, 425, 9º andar).

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