Livro exibe o projeto inovador desenvolvido por Domingos Tótora no interior de Minas Gerais.
Arte e ecodesign são a base da estética criada pelo mineiro, que dá novas dimensões ao papel
Walter Sebastião
Estado de Minas: 19/07/2013
Domingos Tótora, um dos mais originais
criadores mineiros, ganha livro. Ele tem 52 anos e mora em Maria da Fé,
no Sul do estado, onde desenvolve peças ousadamente singulares como
vasos, mobiliário e fruteiras. Sua matéria-prima é surpreendente: massa
de papel semelhante ao papel machê, alterada para ganhar alta
resistência. As criações lhe valeram prêmios importantes, como o
conferido pelo Museu da Casa Brasileira/SP na categoria mobiliário. Em
2011, Tótora foi considerado um dos melhores profissionais do ano pelo
conceituado Design Museum de Londres.
Não se trata apenas de um
esteta. O mineiro é também referência em ecodesign. “Domingos Tótora é
um designer completo”, afirma a curadora e pesquisadora Adélia Borges,
autora do prefácio do livro organizado por Maria Sonia Madureira de
Pinho. A especialista ressalta que o artista inventou a matéria-prima
com a qual trabalha, desenvolveu processos e métodos para usá-la e
mantém produção que dialoga com a sustentabilidade. Atento especialmente
à ressonância social de seu projeto, Tótora valoriza sua parceria com
artesãs de Maria da Fé, o que deu origem a outras atividades na cidade.
“É muito raro encontrar tudo isso num autor só. As peças dele tocam o
coração e a alma. Estabelecem conexão além do uso puro e simples para
permitir fruição estética, o que as posiciona no interstício entre o
design e a arte”, observa a pesquisadora.
A arte-educadora Maria
Sonia Madureira de Pinho diz que seu livro é fruto do “olhar de
admiração” sobre a obra de Tótora. “Cada peça é única e, ao mesmo tempo,
reinterpretação do realizado, o que gera conjunto muito singular”,
explica. A confecção dos objetos sintetiza o prazer de realização e a
intensa relação com a natureza, além de “estudos e experimentações
solitárias” para que o resultado fique de acordo com os ideais
cultivados pelo autor.
“Admiro a estética que não deixa escapar
nada: a criteriosa sinuosidade, tonalidades, a preocupação para que o
objeto tenha brilho próprio. Luz acesa, o que se vê é a peça ali,
respirando sozinha”, afirma Maria Sonia, ressaltando o caráter de
“design de autor” da obra de Tótora. Nesse sentido, o mineiro tem papel
importante “ao configurar o exercício intelectual de pensar o que faz e
estimular que outros executem trabalhos pensados, mergulhem em suas
realizações, atentem ao design do princípio ao fim do produto”.
Maria
Sonia é autora dos quatro volumes da série Ambiente gastronômico no
Vale do Jequitinhonha e coordenou projeto dedicado ao diálogo entre
artesanato e design em Ouro Preto. “A riqueza de Minas Gerais é afirmar
culturas locais. Você pode falar desse assunto nas comunidades mais
simples que elas entendem. Um desafio é personalizar, dar nome e
autoestima a pessoas dessas comunidades, onde a cultura é viva”,
conclui.
Solidez
“A vida foi me levando naturalmente ao
design”, conta Domingos Tótora, formado em artes plásticas pela Fundação
Armando Álvares Penteado (Faap) e pela Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo. “Fazendo arte, percebi a beleza da matéria
bruta, do peso e solidez das massas de papel fruto do descarte de
papelão. Experimentando essa massa, aconteceu de perceber que poderia
aumentar volumes e superfícies. Cheguei primeiro aos bancos de roça e,
aos poucos, ao que faço hoje”, conta. O livro surge no momento de
consolidação dessa proposta.
“Acho bonitos os tons terrosos das
fotos. Meu trabalho é assim: cor do chão. Nem é intencional. Vivo no
meio do mato, na Serra da Mantiqueira, o que deve ter alguma influência
no que faço”, suspeita Tótora. Ele não esconde encanto especial por
poltronas, cadeiras e bancos produzidos recentemente. “Há uma linha
dividindo design e arte, mas gosto de ver as duas coisas andando juntas.
É emoção e funcionalidade, combinação perfeita”, garante.
As
novas peças traduzem momento de maturidade do artista, sintetizando
saberes do design, da arte e do artesanato. Ele consegue expressar
elementos de sua linguagem: formas orgânicas, a beleza das matérias e a
liberdade de concepção e realização. Somados, esses aspectos
materializam um projeto longamente cultivado, formado por esculturas
para sentar e centros de mesas escultóricos.
DOMINGOS TÓTORA
. De Maria Sonia Madureira de Pinho
. Editora Papel e Tinta, 200 páginas, R$ 100
Três perguntas para...
Domingos Tótora
Designer e artista
Como vê o design brasileiro?
O
maior mérito é não ter identidade única, é ser múltiplo, característica
de um país continental. Em cada lugar tem uma coisa. O que aparece na
peça é a região com sua particularidade e miscigenação étnica e
cultural. Isso contribui para um design muito inovador. Não ter padrão
estabelecido permite criar coisas muito novas, abre possibilidades. Você
percebe que não há limites.
Como você define seu trabalho?
Como
o contemporâneo que vem do interior de Minas. Agradam-me as formas
sinuosas, arredondadas, ameboides. Sou muito impulsivo, gosto de pegar a
matéria e ir moldando, não é sempre que faço desenhos da peça. Também
não sou de ficar pensando muito. Sigo apenas o movimento sugerido pelo
trabalho. Gosto do objeto que fala por si, que não precisa ser
teorizado.
Que conselho daria a jovens designers? Por que a opção por Maria da Fé?
Não
perder o foco. Neste mundo com tantas possibilidades, é fácil se
perder, querer seguir todos os caminhos e acabar embolado. É preciso
traçar metas e sujar o máximo da matéria ou da proposta com a qual você
trabalha, pois é assim que a gente amadurece. Quanto a Maria da Fé, a
cidade poderia ser referência em ecodesign, mas falta foco nessa
direção. Gostaria que todo o município fosse tão bem cuidado e
revitalizado quanto o Centro. Senão, fica apenas como um lugar só para
turista ver.
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