sexta-feira, 19 de julho de 2013

Detroit pede concordata histórica nos EUA - Raul Juste Lores

folha de são paulo

Cidade-símbolo da indústria automotiva é o maior município americano a pedir proteção judicial por dívidas
Objetivo é renegociar finanças; após décadas de decadência e abandono, débitos superam US$ 20 bi
RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTONCom dívidas superiores a US$ 20 bilhões, Detroit tornou-se ontem a maior cidade dos EUA a pedir concordata.
A cidade, que já foi a quarta maior do país e berço da indústria automobilística, com 1,8 milhão de habitantes nos anos 1970, hoje tem 700 mil habitantes e está sob intervenção emergencial do governo do Estado de Michigan.
Além da crise das montadoras, que encolheram ou mudaram suas linhas de montagem para países ou regiões com custos menores, a cidade sofreu uma reversão na arrecadação comum a grandes cidades americanas entre os anos 1950 e 1980.
A população branca e rica migrou para subúrbios distantes, onde paga seus impostos. Em Detroit, ficou a população negra (80% do total), que paga menos impostos e usa mais serviços públicos.
A estrutura pública está em colapso: 40% da iluminação pública está desligada, e as linhas telefônicas de emergência raramente funcionam. Metade dos parques está fechada desde 2008.
A taxa de homicídios é a maior do país entre cidades acima de 200 mil habitantes, com 54,6 casos por 100 mil habitantes no ano passado (pouco menos que cidades brasileiras violentas, como Salvador ou Vitória). O número de assassinatos cresceu 10% em 2011 --ao contrário do resto do país, onde a taxa de homicídios recua.
A cidade é quase um terço do que já foi em população, mas seu vasto território é o mesmo, com a mesma estrutura de transportes, saúde e educação inflando a dívida.
Projetos de urbanistas nas últimas duas décadas tentaram adensar e "diminuir" a cidade na prática, criando hortas e granjas em terrenos abandonados e promovendo a mudança de moradores que ficaram em bairros vazios.
RENEGOCIAÇÃO
A concordata da cidade será acompanhada de perto por prefeituras, mercado de títulos e sindicatos de funcionários públicos em todo o país, pela raridade da situação.
O caso mais célebre até agora era o de Orange County, na Califórnia, em 1994. Nova York e Cleveland, quase falidas nos anos 1970, evitaram a quebra com ajuda federal.
O pedido de concordata permite mudanças e cortes no pagamento de funcionários públicos e aposentados, maior redução de serviços públicos e tenta convencer os credores para futuros empréstimos --o que seria um "recomeço" para a cidade.
A decisão do interventor estadual Kevyn Orr de tentar renegociar com credores e cortar benefícios dos sindicatos, não vem sem a polêmica partidária americana.
Detroit, há anos, é uma cidade administrada por democratas, que dão maior peso à estrutura e benefícios sociais.
Já o governo estadual está nas mãos dos republicanos, que estariam agora enfraquecendo o polo oposicionista.
Em concordatas municipais, a habilidade dos juízes de intervir na prefeitura é limitada --mais um ajuste das dívidas do que uma liquidação ou reorganização.

RAIO-X DETROIT
Fundação
1701 (312 anos)
Estado
Michigan
População
cerca de 700 mil habitantes
Região metropolitana
em torno de 4 milhões de pessoas
Vocação econômica
Indústria automobilística
Dívida estimada
mais de US$ 20 bilhões
Queda na arrecadação municipal desde 2000
40%
    AGÊNCIA DE RISCO
    Perspectiva de nota dos EUA melhora
    A agência de classificação de risco Moody's melhorou ontem a perspectiva da nota de crédito "AAA" dos Estados Unidos de negativa para estável, ao afirmar que a economia norte-americana tem mostrado resiliência. Para a Moody's, o crescimento dos EUA, embora moderado, progride atualmente em ritmo mais rápido que outros países com "triplo A".

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