ANÁLISE - A IGREJA E O GAYS
Posição da igreja é a mesma, mas a ênfase é outra
A rigor, nada do que Francisco disse é novo, mas, em uma instituição milenar, enfoques também são importantes
É verdade que, a rigor, não há nada de inovador em Francisco afirmar que é preciso acolher as pessoas com "tendências" homossexuais e inclusive citar o catecismo da Igreja Católica. É o que os últimos papas têm dito.
A questão é que a igreja traça uma distinção aristotélica entre "tendência" e atos, em especial atos rotineiros e que não envolvam arrependimento e desejo de conversão, de deixar de agir daquele modo.
A visão católica tradicional é que a prática homossexual é um pecado como qualquer outro --como o adultério cometido por heterossexuais casados, digamos. Ninguém pode, por um ato de vontade, simplesmente evitar o desejo por outra mulher mesmo sendo casado, mas o que pode e deve fazer, diz a igreja, é evitar que esse desejo saia do controle e vire uma traição.
A proibição cristã da prática homossexual está diretamente ligada às origens judaicas da igreja. Em passagens do Levítico, a Bíblia hebraica condena os "homens que se deitam com outros homens como se fossem mulheres", dizendo que se trata de uma "abominação" e condenando ambos à morte. Não há registros confiáveis de alguém que tenha sido sentenciado a essa pena na época em que os israelitas eram uma nação independente.
Embora interpretações posteriores do Gênesis associem a destruição de Sodoma e Gomorra pela ira divina a uma tentativa de estupro homossexual por parte dos moradores contra anjos enviados por Deus, o sentido da passagem parece ser o de que foram condenados por violar o costume de respeitar os hóspedes, importante "lei não escrita" do Oriente Médio.
No Novo Testamento, os Evangelhos não registram nenhuma fala de Jesus sobre a homossexualidade. Em algumas de suas cartas, o apóstolo Paulo parece reafirmar a condenação judaica desse tipo de prática sexual. Alguns especialistas modernos dizem, no entanto, que a terminologia e o contexto dos textos paulinos são ambíguos.
Segundo eles, Paulo não estaria se referindo a relações consensuais entre dois gays adultos de mesma condição social, mas sim à prática de "pederastia", na qual um homem de condição livre, já adulto, forçava adolescentes pobres ou escravos a serem seus amantes passivos. Nessa interpretação, Paulo estaria condenando a violência inerente a esse tipo de relação sexual. A ideia de "casamento gay" estaria simplesmente fora do horizonte cultural dos primeiros cristãos.
É perfeitamente possível interpretar a declaração de Francisco sobre os gays no mesmo contexto do que ele disse sobre sua recusa em citar temas como aborto, casamento homossexual e ordenação de mulheres. Nesses três temas polêmicos ele se limitou a dizer: o ensinamento da igreja não muda e não achei que era o caso ficar martelando os temas na Jornada Mundial da Juventude.
Por outro lado, é inegável que, numa instituição com tanto peso histórico quanto a igreja, enfoques e ênfases também são importantes.
Só para citar um exemplo, é improvável que João Paulo 2° achasse supérfluo insistir nessas questões. E abordar a questão da homossexualidade primeiro pelo ângulo da "misericórdia", por mais que isso possa soar condescendente aos ouvidos da militância gay, pode ter repercussões importantes na maneira como a questão é tratada no cotidiano pastoral da igreja.
Gays precisam ser integrados à sociedade, afirma Francisco
'Quem sou eu para julgar?', diz papa em entrevista no voo após visita ao Brasil
Pergunta sobre aborto é evitada com alegação de que a posição da igreja sobre o assunto já é conhecida dos jovens
"Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?", disse aos quase 70 jornalistas que embarcaram para Roma com ele. As declarações foram em resposta a revelações de que um assessor seria homossexual e a uma frase atribuída a ele de que havia um "lobby gay" no Vaticano.
O papa também elogiou a Renovação Carismática e disse que nem todos na Cúria são santos. Aos 76 anos, Francisco respondeu às perguntas de pé por quase 90 minutos.
O primeiro é o problema do IOR [Instituto para Obras da Religião], como encaminhá-lo, como reformá-lo. Não sei como o IOR vai ficar. Alguns acham melhor que seja um banco, outros que seja um fundo, uma instituição de ajuda. Eu não sei. Eu confio no trabalho das pessoas que estão trabalhando sobre isso.
O presidente do IOR permanece, o tesoureiro também, e o diretor e o vice-diretor pediram demissão. Não sei como vai terminar essa história. Seja o que for, tem de ter transparência e honestidade.
Frugalidade e escândalos
Fico na [casa de] Santa Marta. Eu não poderia viver sozinho no Palácio [Apostólico]. O apartamento pontifício é grande, mas não é luxuoso. Mas não posso viver sozinho. Preciso de gente. Quando me perguntaram se eu estava aqui pela austeridade, eu respondi: "Não, por motivos psiquiátricos". Os cardeais que trabalham na Cúria não vivem como ricos. Têm apartamentos pequenos. São austeros.
A austeridade é necessária para todos. Trabalhamos a serviço da igreja. Existem santos na Cúria. Também existem alguns que não são muito santos. E são estes que fazem mais barulho. Uma árvore que cai faz mais barulho do que uma floresta que cresce. Isso me dói. Porque são alguns que causam escândalos.
Aborto
A igreja já se expressou perfeitamente sobre isso. Não era necessário voltar a isso. Também não falei sobre o roubo, a mentira. Para isso a igreja tem uma doutrina clara. Queria falar de coisas positivas, que abrem caminho aos jovens. Os jovens sabem perfeitamente a posição da igreja.
Renovação Carismática
Nos anos 1970, início dos 1980, eu não podia nem vê-los. Uma vez disse a seguinte frase: eles confundem uma celebração musical com uma escola de samba. Eu me arrependi. Agora vejo que esse movimento faz muito bem à igreja.
Em Buenos Aires, eu fazia uma missa com eles uma vez por ano na catedral. Vi o bem que eles faziam. A Renovação Carismática não serve apenas para evitar que alguns sigam os pentecostais. Eles são importantes para a própria igreja, a igreja que se renova.
Ordenação de mulheres
Sobre a participação das mulheres, ela não se pode limitar a alguns cargos: a catequista, a presidente da Cáritas. Deve ser mais, muito mais.
Sobre a ordenação, a igreja já falou e disse que não. João Paulo 2° disse com uma formulação definitiva: essa porta está fechada. Nossa Senhora é mais importante que os apóstolos. A mulher na igreja é mais importante que os bispos e os padres. Acredito que falte especificação teológica.
Divórcio
A igreja é mãe. Ela não se cansa de perdoar. Os divorciados podem fazer a comunhão. Não podem quando estão na segunda união. Esse problema deve ser estudado pela Pastoral do Matrimônio. Estamos a caminho de uma pastoral matrimonial mais profunda. A questão da anulação do casamento deve ser revisada.
Lobby gay
Sobre o monsenhor [Battista] Ricca [novo diretor do Banco do Vaticano, acusado de ter mantido relacionamento homossexual], fiz o que o direito canônico manda fazer: a investigação prévia. E não tem nada do que o acusam.
Devemos distinguir o fato de que uma pessoa é gay de formar um lobby gay, porque nem todos os lobbies são bons. Isso é que é ruim. Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?
O catecismo da Igreja Católica diz que não devem ser discriminados por causa disso, mas integrados à sociedade. O problema não é ter essa tendência. Não! O problema é o lobby dessa tendência, da tendência de pessoas gananciosas: lobby político, de maçons, tantos lobbies.
Nenhum comentário:
Postar um comentário