Ao analisar 259 amostras da bactéria que
causa a tuberculose, suíços descobrem que doença surgiu na África.
Enfermidade ainda intriga a ciência
Thaís Cieglinski
Estado de Minas: 17/09/2013
Uma doença que
caminha ao lado da humanidade há 70 mil anos e ainda desafia a ciência.
Essa é a conclusão de um estudo, publicado neste mês na revista Nature
Genetics, sobre a tuberculose. Liderados por Sébastien Gagneux, do
Instituto de Saúde Pública e Tropical Suíço, pesquisadores examinaram
259 amostras da bactéria causadora da enfermidade, a Mycobacterium
tuberculosis, colhidas em várias partes do mundo. A comparação das
árvores evolutivas do homem e do bacilo apresentou muitas semelhanças,
com a indicação, inclusive, de que ambos surgiram na África e migraram
juntos para tomar o planeta.
O desenvolvimento da agricultura, as
mudanças climáticas produzidas pelo recuo das geleiras e a elevação do
nível dos mares durante o Período Neolítico ofereceram ao homem as
condições para a migração. A combinação mostrou-se cenário perfeito
também para a disseminação da tuberculose. “O fato de as pessoas terem
começado a morar em vilas e o crescimento populacional devem ter
potencializado a virulência da doença, já que a transmissão entre
humanos passou a ocorrer mais facilmente”, sugere Sébastien Gagneux.
Entre os séculos 17 e 19, a tuberculose exterminou 20% da população
mundial, e ainda hoje tem uma alta taxa de mortalidade em países em
desenvolvimento. Dados do Ministério da Saúde mostram que em 2012,
71.230 casos foram registrados no Brasil. Se não for tratada, a doença
mata 50% dos infectados.
Assim como ocorreu com outras
enfermidades epidêmicas, os cientistas sempre acreditaram que a
tuberculose tivesse surgido durante a transição demográfica do Neolítico
(leia Saiba mais). Com esse novo estudo, porém, ficou provado que a
origem é muito anterior a esse período. “O aparecimento da doença sempre
esteve associado à domesticação de animais. Agora, sabemos que isso não
aconteceu, simplesmente porque essa bactéria surgiu muito antes disso”,
explica Gagneux.
Apesar de ser infecciosa, a tuberculose tem
características de males crônicos. A maioria dos pacientes – cerca de
90% – não apresenta sinais e sintomas da doença ao longo da vida. O
restante vai adoecer: metade precocemente (nos três primeiros anos) e a
outra metade de forma tardia. Ao longo dos séculos, a enfermidade
enfrentou altos e baixos, mas, até hoje, está entre as doenças
infeciosas que mais matam. Perde apenas para a Aids.
De acordo
com a Organização Mundial da Saúde, em 2011, 8,7 milhões de pessoas
contraíram tuberculose. Dessas, 1,4 milhão perdeu a vida. De 1850 a
1950, foi 1 bilhão de vítimas. O pesquisador suíço especula sobre a
razão de a doença atingir mais populações carentes. “Isso pode estar
relacionado à nutrição, uma vez que a alimentação deficiente pode
enfraquecer o sistema imunológico e, assim, aumentar as chances de
contaminação por todo tipo de doença”, analisa.
Efeito
padronizado Apesar de a tuberculose se manifestar de forma idêntica
entre as pessoas infectadas nas mais variadas regiões do mundo, o estudo
confirmou que as bactérias que a provocam são bastante diferentes.
“Atualmente, a maior parte das pesquisas relacionadas ao desenvolvimento
de medicamentos e vacinas é baseada em apenas uma variante da bactéria.
Agora, o mapeamento de mais de 250 cepas deve ser levado em
consideração para que as drogas possam garantir o mesmo efeito em
diferentes regiões do mundo”, observa Gagneux.
Hoje, o maior
desafio no combate à tuberculose é a resistência aos antibióticos
disponíveis. Outro estudo publicado na semana passada na Nature Genetics
analisou várias cepas da bactéria e descobriu que 39 genes estão
ligados diretamente ao problema. Coordenada por Megan Murray, professora
da Harvard Medical School, a pesquisa aponta um caminho para o
desenvolvimento de drogas mais eficientes. Em algumas regiões da Europa
Oriental, mais da metade dos bacilos não responde a nenhum tratamento,
assim como amostras encontradas na Índia e no Iraque. “Ainda não
conseguimos entender por que esse processo ocorre de forma tão
consistente. Esse estudo pode apontar caminhos para impedir a mutação ou
até mesmo preveni-la”, detalha Megan.
A tuberculose é tratada
com antibióticos, que devem ser utilizados ao menos por seis meses. O
problema é que muitos pacientes abandonam precocemente o tratamento ou
fazem uso excessivo dos medicamentos, o que contribui para que a
bactéria fique resistente. Estima-se que aproximadamente um terço da
população mundial esteja infectada com o bacilo causador da doença.
Ataque de
vitamina C
Um
estudo feito na Universidade de Yeshiva, em Nova York, indica que a
vitamina C pode ajudar no tratamento da tuberculose causada por
bactérias resistentes aos medicamentos disponíveis. Em laboratório, o
micro-organismo sucumbiu à substância. O desafio, agora, é saber se a
vitamina funcionaria se usada em um medicamento contra a enfermidade.
Para os cientistas, a vitamina induziu a formação de radicais livres,
moléculas de oxigênio altamente reativas, que mataram as moléculas das
bactérias causadoras da tuberculose. Ainda não foram feitos testes com
humanos. A pesquisa foi divulgada em maio na Nature Communications.
70 mil casos por ano no Brasil
O Brasil ocupa
atualmente a 17ª posição em um ranking de 22 países que concentram 80%
das notificações de tuberculose no mundo. No ano passado, foram
registrados 70 mil casos novos no país, taxa de 36,7 ocorrências por
cada 100 mil habitantes e de 2,4 mortes em decorrência da infecção. De
acordo com o médico Antônio Ruffino Netto, professor de medicina social
da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Rede Brasileira
de Pesquisa em Tuberculose, entre os maiores desafios para vencer a
doença no país está a desigualdade social. “Ela é a causa da miséria,
das más condições de alimentação, de trabalho e de transporte”, enumera.
O especialista destaca ainda que o surgimento da Aids agravou bastante o
controle do bacilo de Koch no Brasil, uma vez que a associação entre as
duas moléstias é muito intensa, sendo uma o principal agravante da
outra.
Segundo o Ministério da Saúde, o controle da tuberculose
tem por base a busca de pessoas infectadas, o diagnóstico precoce e
adequado e o tratamento até a cura, com o objetivo de interromper a
cadeia de transmissão e evitar possíveis recaídas. Os medicamentos são
oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ruffino Netto reforça a
necessidade de que o tratamento vá além dos remédios, especialmente o
destinado aos grupos mais ameaçados. “Principalmente as pessoas privadas
de liberdade, indígenas, populações em situação de rua, os mais pobres,
quem vive em ambientes confinados e sem alimentação adequada”, detalha.
(TC)
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