Malu Fontes*
No mesmo dia em que o suicídio do músico Champignon com um tiro na boca foi manchete nas páginas e telas mais nobres da imprensa brasileira, uma família formada pelo casal e seus dois filhos pequenos, na cidade de Cotia, na Grande São Paulo, ocupou espaços menos nobres e menos extensos. O casal cometeu suicídio e envenenou também as crianças e um cachorro. O pai deixou na parede da sala as razões para a atitude extrema: “Tentei cuidar dos meus filhos e não consegui”, traduzindo as dificuldades financeiras pelas quais passava. Em comum entre os dois casos, o ato extremo de autoextermínio e a associação da motivação à depressão e a dificuldades econômicas. Nesse fim de semana mais um episódio associável ao suicídio veio à tona em São Paulo. Uma corretora de imóveis está sendo acusada de matar duas filhas adolescentes, o cachorro e depois tentar matar-se, com ingestão de grande quantidade de antidepressivos, abertura do sistema de gás da casa aberto e gasolina sobre o corpo.
Se há coisa que destoa do comportamento do jornalismo atual, cuja marca é o estardalhaço quando se trata da cobertura da maioria dos temas, é a abordagem comedida do suicídio. Há muito tempo se convencionou, numa espécie de consenso que nem precisou ser acordado para funcionar entre os jornalistas de praticamente todo o mundo, que o suicídio deve ser um tabu na imprensa. Ninguém ousa falar dele, a não ser nos casos de celebridades e nos casos em que, a princípio, é necessário esclarecimento policial das circunstâncias da morte. Argumenta-se que a dor desses casos não é do interesse público, por só dizer respeito à família, e que falar do assunto poderia induzir as pessoas a adotar o mesmo gesto extremo.
Entretanto, com ou sem cobertura dos casos de suicídio nas grandes cidades, os índices só aumentam. E em todo o mundo. No Brasil, então, deram um pulo. Se em toda a década de 80 cresceram 2,7% em relação à década anterior, na década de 90 o crescimento foi de 18,8%. Da década de 90 para 2011 o índice pulou para 28,3%. E o que é pior: os estudiosos do mapa da violência no Brasil afirmam que os casos de suicídio devem ser hoje cerca de 30% mais altos que os registrados oficialmente no país, pois muita gente cujo atestado de óbito diz que a morte se deu por queda, atropelamento, acidentes de trânsito ou envenenamento, muitas vezes provocou a morte propositadamente, jogando-se de viadutos, por exemplo. Ou, para ficar em casos comuns em Salvador, o envenenamento por chumbinho, substância que, embora proibida, é comprável no comércio clandestino das feiras populares.
Enquanto impera o tabu do suicídio na imprensa, supostamente em nome do respeito à dor de quem fica – e à pergunta incômoda que não quer calar entre amigos e familiares: o que eu poderia ter feito para evitar isso? – por outro lado, a sociedade quase em uníssono, alimentada por valores religiosos, não cansa de repetir uma tese mais desrespeitosa que qualquer abordagem jornalística sobre o tema. Tratando-se de imprensa, o apresentador José Luiz Datena é o porta-voz mor desse pensamento. Diante da morte da família de Cotia, ele não cansava de repetir que só um fenômeno explica o suicídio: a falta de fé em Deus, a falta de Deus no coração, associando aos ateus e agnósticos uma tendência quase natural ao suicídio. Isso sem falar que todos que pensam assim não se constrangem em declarar o desrespeito pela dor de quem não suporta mais enfrentar o real e apontam e julgam os suicidas como fracos e covardes.
Se há coisa que destoa do comportamento do jornalismo atual, cuja marca é o estardalhaço quando se trata da cobertura da maioria dos temas, é a abordagem comedida do suicídio. Há muito tempo se convencionou, numa espécie de consenso que nem precisou ser acordado para funcionar entre os jornalistas de praticamente todo o mundo, que o suicídio deve ser um tabu na imprensa. Ninguém ousa falar dele, a não ser nos casos de celebridades e nos casos em que, a princípio, é necessário esclarecimento policial das circunstâncias da morte. Argumenta-se que a dor desses casos não é do interesse público, por só dizer respeito à família, e que falar do assunto poderia induzir as pessoas a adotar o mesmo gesto extremo.
Entretanto, com ou sem cobertura dos casos de suicídio nas grandes cidades, os índices só aumentam. E em todo o mundo. No Brasil, então, deram um pulo. Se em toda a década de 80 cresceram 2,7% em relação à década anterior, na década de 90 o crescimento foi de 18,8%. Da década de 90 para 2011 o índice pulou para 28,3%. E o que é pior: os estudiosos do mapa da violência no Brasil afirmam que os casos de suicídio devem ser hoje cerca de 30% mais altos que os registrados oficialmente no país, pois muita gente cujo atestado de óbito diz que a morte se deu por queda, atropelamento, acidentes de trânsito ou envenenamento, muitas vezes provocou a morte propositadamente, jogando-se de viadutos, por exemplo. Ou, para ficar em casos comuns em Salvador, o envenenamento por chumbinho, substância que, embora proibida, é comprável no comércio clandestino das feiras populares.
Enquanto impera o tabu do suicídio na imprensa, supostamente em nome do respeito à dor de quem fica – e à pergunta incômoda que não quer calar entre amigos e familiares: o que eu poderia ter feito para evitar isso? – por outro lado, a sociedade quase em uníssono, alimentada por valores religiosos, não cansa de repetir uma tese mais desrespeitosa que qualquer abordagem jornalística sobre o tema. Tratando-se de imprensa, o apresentador José Luiz Datena é o porta-voz mor desse pensamento. Diante da morte da família de Cotia, ele não cansava de repetir que só um fenômeno explica o suicídio: a falta de fé em Deus, a falta de Deus no coração, associando aos ateus e agnósticos uma tendência quase natural ao suicídio. Isso sem falar que todos que pensam assim não se constrangem em declarar o desrespeito pela dor de quem não suporta mais enfrentar o real e apontam e julgam os suicidas como fracos e covardes.
* Malu Fontes é jornalista e professora de jornalismo da Ufba
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