terça-feira, 17 de setembro de 2013

MARIA ESTHER MACIEL » Rigor e vertigem‏

Estado de Minas: 17/09/2013 



Ao passar de carro em frente ao Palácio das Artes na semana passada, vi, num relance, o nome do artista gráfico M.C. Escher impresso num grande painel exposto na fachada principal do prédio. Curiosa, diminuí a velocidade e, entre os carros do lado direito da avenida Afonso Pena (de quem vai da Zona Sul ao Centro da cidade), pude identificar também a reprodução ampliada de um dos intrigantes trabalhos do artista. Na mesma hora, enchi-me de alegria: a obra de Escher estava em Belo Horizonte. E, imediatamente, decidi que faria dessa exposição o tema da coluna de hoje.

Ao chegar em casa à noite, ainda cansada das aulas ministradas ao longo do dia, resolvi dar uma rápida vasculhada na internet para pegar mais informações sobre a mostra. Já estava me programando internamente para ir vê-la no Palácio das Artes antes de escrever sobre ela. Porém, para a minha decepção, descobri que ainda não estava aberta e só seria inaugurada no dia 20, sexta-feira. De qualquer forma, por não conseguir mais tirar o tema da cabeça, decidi que escreveria sobre ele assim mesmo. Mas não, é claro, para abordar a exposição propriamente dita, e sim a obra já conhecida desse artista holandês que ocupa um lugar especial no meu repertório de interesses e admirações. Assim, inverti as coisas e deixei para visitar a exposição no Palácio das Artes depois de escrever a crônica.

O que mais me fascina em Escher (que, dizem, era tão canhoto quanto Michelangelo e Leonardo da Vinci) é a forma como ele faz do rigor matemático um exercício vertiginoso da imaginação e dos sentidos. Ele consegue imprimir tempo ao espaço e movimento à fixidez, provocando uma ilusão de ótica em quem vê suas gravuras. Com exatidão geométrica, ele embaralha realidades contrastantes e relativiza os contrários: alto e baixo, esquerda e direita, claro e escuro, dentro e fora, côncavo e convexo, proximidade e distância, superfície e profundidade. Torna possível o impossível.

Tenho, há muitos anos, uma reprodução de um de seus trabalhos no meu escritório. Intitulada Céu e água, a gravura mostra dois planos que interagem um com o outro, graças a um elaborado jogo entre pássaros e peixes que se intercalam nas cores branca e preta. Dependendo da maneira como o quadro é visto, os peixes se sobrepõem às aves e vice-versa. Tudo é simultâneo, tudo ganha vida aos nossos olhos, causando-nos um efeito encantatório. Isso se dá a ver também em muitas outras obras do artista, a exemplo do desenho que mostra duas mãos que desenham uma a outra, confundindo os limites entre arte e realidade. Há também, nessa mesma linha, os lagartos que parecem sair dos desenhos de uma folha de papel e ganhar vida fora dela.

Espelhamentos, efeitos ilusórios de representação do infinito, espirais labirínticas, escadas impossíveis e metamorfoses que parecem vivas, tudo isso atravessa as gravuras do artista. Sua arte nos lembra, o tempo todo, que a lucidez extrema e a matemática mais rigorosa também podem provocar vertigens.

Pelo jeito, no próximo final de semana, já tenho um programa fora do comum para fazer. Mas mesmo se não der para ir ver a exposição agora, ainda haverá muito tempo para isso, pois ela vai ficar até o dia 17 de novembro. Imperdível. 

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