Guilherme Paranaiba
Estado de Minas: 02/09/2013
Criado com o objetivo de orientar trajetos no trânsito cada vez mais intenso das cidades, o dispositivo eletrônico conhecido como sistema de posicionamento global (GPS, na sigla em inglês) evoluiu a ponto de atualmente estar presente em larga escala nos veículos e em praticamente todos os novos telefones celulares do mercado, os chamados smartphones. Porém, em uma cidade tomada por obras e com constantes mudanças nas mãos de direção – além de vias sem saída, conversões proibidas e outras situações rotineiras no tráfego de qualquer metrópole –, é cada vez mais comum cair em armadilhas criadas pela tecnologia. Seja por falta de atualização constante dos mapas, seja pela velocidade com que as mudanças ocorrem, superando a capacidade dos sistemas, usuários do GPS estão sujeitos a ser conduzidos ao erro pelos aparelhos e até provocar acidentes.
A partir de falhas relatadas por motoristas, a equipe do Estado de Minas foi às ruas de Belo Horizonte e testou dois aparelhos de marcas diferentes, constatando problemas em ambos. O primeiro avaliado foi um telefone celular de uma das empresas líder do mercado internacional, usando o software de mapas de outra empresa que é referência no ramo. O outro foi um dispositivo que funciona apenas como GPS. Para os dois foram lançados três trajetos cada, somando seis possibilidades diferentes. O resultado foram quatro erros e dois acertos, mostrando que o usuário deve estar atento quando recorrer aos meios eletrônicos para chegar até o destino.
No primeiro trajeto, o veículo saiu da Avenida Antônio Carlos no sentido Centro, logo após o Departamento de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa (DIHPP), no Bairro São Cristóvão, Noroeste da cidade, e seguiu rumo ao câmpus do Centro Universitário Uni-BH, na Rua Diamantina, Bairro Lagoinha, na mesma região. Pelas indicações do smartphone, bastava entrar à direita na Rua Rio Novo, direita novamente na Rua Itapecerica e mais uma vez à direita na Comendador Nhome Salomão, atravessar a Antônio Carlos e chegar à Rua Diamantina. O caminho seria excepcional se o motorista pudesse ignorar os canteiros centrais da Antônio Carlos, além do trânsito pesado de ônibus e carros em mais de 10 faixas a serem transpostas, em um ponto em que não há travessia para carros. Como se não bastasse, ainda há um barranco para ser vencido até a Rua Diamantina. Nesse caso, a orientação do segundo aparelho, que funciona apenas como GPS, foi correta. Ele indicou o caminho até a Rua Formiga, com acesso ao Viaduto Angola, que faz a transposição da Antônio Carlos.
No segundo trajeto, ambos os dispositivos foram reprovados. Saindo da Avenida Afonso Pena, sentido Mangabeiras, na altura do cruzamento com a Rua Rio Grande do Norte, no Bairro Funcionários, Centro-Sul de BH, a ordem dada aos aparelhos foi de seguir até a sede do EM, na Avenida Getúlio Vargas, 291, mesmo bairro e região. O celular indicou uma conversão à esquerda na Getúlio Vargas, movimento proibido e capaz de causar acidentes graves caso o condutor resolva seguir a instrução. Já a opção do GPS começou correta, orientando uma conversão no semáforo da Afonso Pena com a Rua Santa Rita Durão. Porém, falhou ao mandar o motorista seguir pela Rua Piauí, não detectando que o acesso à Getúlio Vargas é impossível por esse trajeto, o que obrigou o condutor a retornar para refazer a rota.
NA CONTRAMÃO Por fim, a equipe de reportagem se posicionou na Avenida Professor Mário Werneck sentido Anel Rodoviário, em frente ao Restaurante Rancho Fundo, no Bairro Buritis, Região Oeste. Dado o comando para acessar a Rua Professora Bartira Mourão, via de saída do bairro, apenas o modelo que funciona exclusivamente como GPS indicou o caminho correto, dando a volta pela Rua Ernani Agrícola até chegar à mão correta. O celular sinalizou o caminho antigo, antes da mudança de circulação feita pela BHTrans, que tornou o tráfego de mão única.
Atrasado para um jogo de futebol com amigos, o designer gráfico Leonardo Freitas, de 25 anos, recorreu a um GPS de uma terceira marca na última quinta-feira para ir à Rua Oscar Trompowski, 1.006, no Bairro Gutierrez, Oeste da capital. Quando chegou à região, o motorista encontrou a primeira dificuldade, pois não se lembrava da grafia correta para ordenar o itinerário. Como o modelo só aceita a busca pelo nome exato do destino, ele precisou fazer uma busca no mapa do aparelho. Depois de encontrar a via, foi orientado a entrar em ruas que tinham sentido proibido. “Quando consegui chegar à rua certa, o GPS acabou me mandando bem mais para baixo do que o endereço que eu precisava. Como a via só desce, acabei deixando o carro e voltando a pé.”
Atualizar ou perder o rumo
Além de optar por aparelho de qualidade, usuários de GPS devem manter sempre a versão mais nova do programa, que traz as mais recentes mudanças de trânsito e obras na cidade
Guilherme Paranaiba e Patricia Giudice
Publicação: 02/09/2013 04:00
Morando em BH há cinco meses, Nádia Barbosa não abre mão da tecnologia para se orientar, mas já caiu em ciladas guiada pelas coordenadas do sistema de satélites |
Todo usuário de GPS tem uma história para contar de um dia em que se guiou pelo sistema do carro e acabou perdido. A rua que é contramão, a outra que não tem saída, a conversão para um lugar em que não há acesso ou a entrada em ruelas sem retorno são situações que frequentemente estão no mapa de quem depende do serviço. As reclamações aumentam na mesma velocidade em que o serviço se populariza – até 2012, a expectativa era que a venda de aparelhos de celular com sistema de posicionamento global ultrapassasse 550 milhões de unidades no mundo. Especialistas afirmam que, além de atualizar constantemente o mapa usado, o conjunto deve ser de qualidade. Ou seja, uma empresa pode fornecer mapas mais detalhados, enquanto outras nem tanto. E isso acaba se transformando em confusão para o usuário.
Um dos grandes problemas do GPS que não funciona é a falta de atualização constante do software. A periodicidade depende do tempo recomendado pelo fabricante de cada aparelho, mas é preciso entrar no site indicado e baixar o aplicativo novamente. A ideia é que a todo momento as empresas que trabalham com os dados geográficos refaçam os trajetos e incluam ruas abertas pelas prefeituras, viadutos construídos, mudanças de mão e contramão, a canalização de um rio, uma ponte construída, um radar de avanço de velocidade, enfim, todas as mudanças frequentes nas cidades.
Quem usa o GPS no smartphone fica mais tranquilo. O aplicativo é atualizado automaticamente e não demanda esforço do usuário. Segundo o doutor em geoprocessamento e professor do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia da Escola de Engenharia da UFMG, Marcelo Franco Porto, esses programas são mais sofisticados, e alguns já indicam até onde há engarrafamentos. No entanto, nem esses estão livres de erros. Isso porque o usuário baixa um aplicativo ou ele vem integrado ao aparelho cujos mapas podem não ter tanta precisão. “Poucas empresas fazem os mapas e vendem para outras, que prestam o serviço. Elas estão empenhadas em atualizar os dados, mas é um serviço oneroso e há empresas de qualidades diferentes, com serviços melhores que outras, e mapas com resolução, cobertura e taxa de atualização diferenciadas”, explicou.
Nessa diferença podem se esconder situações como aquela em que o GPS manda fazer uma conversão proibida, como passar sobre o canteiro central de uma avenida movimentada. Segundo Marcelo Franco, uma explicação para esses casos é que a base de dados usada identifica um eixo, uma rota possível onde, por exemplo, pode existir apenas passagens para pedestres, confundidas com ruas pelo sistema.
OBSTÁCULOS O mesmo ocorre com vias muito íngremes, não especificadas em todos os mapas. A administradora de empresas Nádia Barbosa, de 25 anos, passou por uma situação dessas. Ela mora em Belo Horizonte há apenas cinco meses, desde que se mudou de Tiradentes, no Campo das Vertentes. Para se orientar no trânsito da capital, usa seu GPS o tempo todo. Por várias vezes ficou perdida, mas em uma das aventuras o aparelho indicou uma via com um “obstáculo natural”. Ela seguiu e se deparou com uma rua, segundo ela, impossível de subir de carro. “Era uma rua muito íngreme. Tive que pedir informação para conseguir chegar ao destino”, disse ela, que ia para uma festa no Bairro Santo Antônio, na Região Centro-Sul de BH, com uma amiga.
O fato de conhecer pouco áreas que não estão no trajeto simples entre a casa dela, no Bairro Anchieta, e o trabalho, no Funcionários, já a colocou em situações complicadas. “Entrei numa rua que era contramão por orientação do aparelho. Como era uma via de menos movimento, acabei seguindo, mas isso é muito perigoso”, contou. No geral, ela considera que o principal problema são caminhos indicados na tela, mas proibidos na prática. "Como há muita mudança de mão e contramão, de radares e até mesmo obras, o GPS costuma informar caminhos que não podem ser usados naquele momento”, acrescenta. Ainda assim, ela não vive sem o dispositivo. “Mesmo tendo suas limitações, me auxilia bastante”, completa.
São diversas marcas de vários fabricantes e cada um com uma qualidade de mapeamento, mas todos eles apresentam problemas, segundo o professor do Departamento de Cartografia da UFMG Marcos Antônio Timbó Elmiro. De acordo com ele, o GPS de navegação em carros ainda dá uma incerteza de três a cinco metros do lugar em que está o usuário, ou pelo qual ele procura, o que pode gerar uma indicação errada. “O erro do mapa é o mais básico. O fabricante do GPS com o sistema de mapas e o aparelho vai se basear do que for fornecido por eles. Se indica que tem uma rua e na verdade ela não existe, é uma falha no levantamento dos dados. O mapa tem que ser preciso em termos de qualidade, isso não é um problema do GPS”, explicou.
Uso do sistema divide taxistas
Trafegando diariamente por diferentes endereços de Belo Horizonte, os taxistas se dividem quando o assunto é a adesão ao GPS. Enquanto alguns optam pelo conhecimento adquirido ao longo dos anos e rejeitam a tecnologia, há quem não dispense a ajuda eletrônica. O taxista Cláudio Silva de Oliveira, de 37 anos, está no time dos que não são fãs do sistema. “Acho que não uso porque não tenho o hábito. Também não vejo necessidade em minha rotina”, afirma.
Há 40 anos dirigindo na praça em BH, Jair Francisco, de 70, não usa GPS, mas também não é radical. “Conheço a cidade como a palma da minha mão, mas sei que o taxista não é obrigado a saber todos os endereços. Considero um aparelho útil, mas que não é necessário para a profissão”, diz ele. Já Ernani Júlio de Oliveira, de 56, tem um aparelho em seu veículo e não sai sem digitar o endereço para o qual está seguindo. “Acho uma tecnologia sensacional e a uso bastante. Não creio que atrapalhe os motoristas. Se chegar a um lugar que não é permitido seguir do jeito que ele está mandando, basta retomar a rota”, avalia.
Apesar de também ser antigo na praça, Hélio Cristóvão Ferreira, há 30 anos na profissão, também é adepto do sistema, mas aponta os principais erros. “Às vezes, realmente ocorre de a prefeitura alterar a circulação e você ficar perdido por isso. O que eu mais vejo que atrapalha é a numeração em uma rua. Em muitos casos o GPS manda para mais longe do endereço real. Acho muito bom para quem já conhece o trânsito. Nesse caso, o motorista não depende totalmente do aparelho, apenas o usa como auxílio”, completa. (GP)
Consumidor pode procurar o Procon
Poucos sabem, mas erros do GPS estão na lista das relações de consumo. Isso quer dizer que as empresas que não prestarem o serviço adequadamente podem ser punidas com multa de R$ 400 a R$ 6 milhões, de acordo com seu faturamento. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, o produto vendido tem que estar adequado ao fim para o qual foi criado. “Se foi criado para orientar, não pode errar”, afirma o coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa.
O primeiro passo é procurar a empresa que vendeu o software ou o aparelho de GPS. Se o erro levou a algum dano, como um acidente provocado pelo acesso a uma rua com indicação errada, procurar o Procon é uma forma de ser ressarcido do prejuízo. No entanto, o coordenador indica que, na hora de comprar o produto, é preciso saber se ele tem assistência técnica no Brasil e se há orientação sobre a necessidade constante de atualização. A empresa que fornece os mapas também pode ser responsabilizada.
Segundo a coordenadora do Procon Municipal, Maria Laura Santos, se os aplicativos baixados gratuitamente apresentarem problemas, o jeito é recorrer direto ao fornecedor, por se tratar de uma prestação de serviços não onerosa. Mesmo assim, o Procon pode notificar a empresa que está prestando informação incorreta. (PG)
Desorientados
Situações demonstram que confiar cegamente nas orientações do GPS pode ser perigoso e até fatal
No início de junho, uma economista de 52 anos seguia o caminho indicado no GPS do carro quando entrou numa comunidade de São Vicente, no litoral de São Paulo. Ela foi baleada na cabeça e morreu. Ela viajava de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, para São Vicente.
Em maio, um paulista entrou por engano na favela do Morro do 18, Água Santa, na Zona Norte do Rio de Janeiro, e foi baleado. Ele seguia as coordenadas do GPS do carro. De acordo com a polícia, ele ainda tentou retornar, mas se deparou com um grupo de traficantes armados com fuzis, que dispararam contra o carro.
Em janeiro, uma idosa da Bélgica seguia da sua cidade, no interior, até a capital, Bruxelas. Era um percurso de 61 quilômetros, mas, confiando no seu GPS, a mulher de 67 anos dirigiu 1.450. Perdida, dois dias depois ela chegou a Zagreb, capital da Croácia. Seguindo o aparelho, que apresentou problemas, ela passou por cidades da França, Alemanha e Áustria.
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