segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Comércio e confiança, duplo déficit com EUA - Sergio Leo

Está pavoroso, para as contas externas, o comércio entre Brasil e Estados Unidos: o país importou dos americanos US$ 6,8 bilhões a mais do que exportou para os EUA, entre janeiro e agosto de 2013, na comparação com o mesmo período do ano passado. O rombo nas contas comerciais já é 21% superior ao déficit no comércio bilateral em todo o ano de 2012. Razão mais do que suficiente para que a Casa Branca ficasse de olho no Brasil. Mas não para justificar o escândalo descoberto também durante a semana, de espionagem dos EUA nas comunicações da presidente Dilma Rousseff.
Até então, mesmo desanimada com a falta de temas mais fortes para a agenda de sua visita de Estado a Washington, em outubro, Dilma estava disposta a não transformar a espionagem americana denunciada pelo ex-agente terceirizado Edward Snowden em empecilho à visita aos EUA. A bisbilhotagem em e-mails e as desculpas que se revelaram esfarrapadas por parte de autoridades americanas deveriam ser o tema de um discurso duro, em frente a Obama, no pronunciamento público após o encontro. E a agenda bilateral seguiria.
Azedaram-se os humores, não só no Palácio do Planalto, com a revelação, no Fantástico, de que os arapongas da NSA, o serviço de inteligência americano, vangloriavam-se de registrar os contatos de Dilma com a própria equipe, e se perguntavam se o Brasil seria inimigo ou problema. "O mais grave é a falta de sensatez do governo americano, que não teve coragem de ligar e pedir desculpas", comentava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a seus interlocutores em São Paulo, na semana passada.
Difícil imaginar um gesto dos EUA capaz de reparar o dano
Antes do fim de semana, o presidente Barack Obama, encontrou-se com a presidente Dilma Rousseff, mas só na quarta-feira haverá uma resposta do governo americano à reclamação da presidente brasileira. O clima, no governo, é de adiamento, por tempo indefinido, da visita de Estado. Já não se esperavam acordos muito empolgantes, mas a visita, em si, teria uma função simbólica, de mostrar prestígio para a chefe de governo. A denúncia de que Dilma era vigiada sem escrúpulos pelo aparato de segurança americano anula o efeito positivo, a menos que surja algum gesto da Casa Branca e do Departamento de Estado dos EUA - inimaginável, até agora - capaz de reparar o estrago político.
A nova denúncia no Fantástico, ontem, de que a Petrobras também foi vigiada, confirma suspeitas no Planalto de espionagem comercial, e torna mais difícil a resposta de Obama, que não sabe a extensão dos vazamentos em poder de Snowden.
"Grave, gravíssimo", para Lula, é todo esse episódio. Entenda-se aqui a manifestação do ex-presidente e conselheiro de Dilma como sinal político do que o principal partido governista espera, a partir do escândalo. Ao lado da palavra "grave", outra, "soberania", tem sido muito repetida por esses dias. Lula tem dito que continua acreditando ser importante a "parceria estratégica" com os EUA, que classifica de "parceiro comercial extraordinário". Mas acredita que não bastarão declarações diplomáticas para minimizar a intrusão nas comunicações do governo, e que o Brasil está "desafiado" a construir um sistema antiespionagem, se necessário com ajuda dos parceiros dos Brics (não é inocente a menção aos também experts em espionagem Rússia, Índia e China).
O ministro da Defesa, Celso Amorim, ao reagir às primeiras denúncias, no primeiro semestre, já havia aproveitado para lembrar a necessidade de autonomia e desenvolvimento local de tecnologias na área militar e de informática. Assessores de Dilma, que, há alguns meses, a partir de comentários de Dilma, começavam a acreditar na possibilidade de um acordo para renovar a frota da Força Aérea Brasileira (FAB) com jatos da Boeing americana, agora estão céticos, por ter aumentado o clima de desconfiança com Obama.
Mas o incômodo com a fragilidade do país em relação à bisbilhotagem virtual, auxiliada por empresas dos EUA, ainda que forçadas pela legislação americana, ameaça transbordar para outros debates no governo. Interlocutores de Lula na semana passada não deixaram de notar comentários do líder espiritual do PT em relação a uma das empresas associada - por determinação governamental - aos esforços de espionagem: "O Google leva US$ 4 bilhões em publicidade brasileira e paga imposto de renda nos Estados Unidos", acredita Lula.
Há duas semanas, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, anunciou que empresas de Internet devem ter nova regulamentação para pagamento de impostos em breve, para deixar de fazer no exterior parte da cobrança por serviços prestados no Brasil. O Google, na ocasião, divulgou nota afirmando pagar todos os impostos devidos no Brasil, que superaram R$ 540 milhões em 2012.
Não se espere animosidade contra empresas dos EUA nos leilões de infraestrutura, por exemplo. E seguirá funcionando a miríade de grupos de trabalho bilateral sobre temas técnicos, educativos e culturais. Mas a revelação de que os EUA desrespeitam a privacidade até da presidente da República deu argumentos aos que defendem desenvolvimento de tecnologias locais em áreas sensíveis.
Com ou sem aproximação entre os chefes de Estados dos dois países, o fato é que o Brasil não conseguiu aproveitar o aumento na cotação do dólar e a recuperação da economia americana para melhorar suas contas de comércio com aquele país. O tombo colossal nas exportações de petróleo, 55%, ou US$ 2,2 bilhões, explica grande parte do aumento no déficit comercial bilateral. Mas mesmo retirando-se da conta o impacto da queda na exportação de óleos brutos de petróleo, o déficit comercial com os EUA está quase 70% acima do registrado no mesmo período do ano passado.
O forte aumento nas vendas de suco de laranja (331%) e de alguns derivados de petróleo (acima de 100% e até 600% no caso do tolueno) não compensou a queda na exportação de semimanufaturados de ferro e aço, peças e partes de automóveis, moto-compressores, geradores elétricos e outros produtos da pauta tradicional com os EUA.
Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. Escreve às segundas-feiras
E-mail: sergioleo.valor@gmail.com


Nenhum comentário:

Postar um comentário