Estado de Minas: 09/09/2013
A escritora Martha Medeiros, sem fugir das dificuldades, anda em busca da graça de viver |
No
ano do centenário de Rubem Braga (1913–1990), a crônica se mantém em
boa forma. O escritor capixaba, considerado o maior dos cronistas
brasileiros, deu imortalidade a um gênero feito exatamente de momentos
perecíveis. E foi nesse fio da navalha, entre o eterno e o instante que
passa, que o velho Braga inscreveu seu nome na literatura, mesmo sem
experimentar o romance e a poesia (poeta bissexto, não publicou seus
versos em vida). Rubem puxou a fila de outros grandes cronistas de seu
tempo, como Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Carlos Drummond de
Andrade, que deram sequência a um gênero que, desde Machado de Assis,
parece ter sido criado na medida para o gosto do leitor brasileiro.
Três lançamentos de volumes de crônicas são bom exemplo da variedade e vitalidade do formato no Brasil. O romancista amazonense Milton Hatoum manda para as livrarias Um solitário à espreita (Companhia de Bolso, 288 páginas, R$ 24,50), seu primeiro livro no gênero; o paranaense Cristovão Tezza publica Um operário em férias (Editora Record, 232 páginas, R$ 34,90), e a gaúcha Martha Medeiros, a única profissional em crônicas (embora seja também contista e romancista), está de volta com A graça da coisa (Editora L&PM, 216 páginas, R$ 36). Mesmo unidos pelo gênero, cada livro expressa o estilo pessoal de seu autor. Diversidade na unidade.
Olhar lírico O volume de Milton Hatoum reúne textos dispersos, publicados em revistas e jornais, sem o propósito de serem reunidos em livro. Mas o conjunto funciona. Um dos nomes de ponta do romance brasileiro, Hatoum é escritor ligado às origens amazonenses, extremamente culto, com formação em arquitetura e literatura contemporânea. Os textos reunidos em Um solitário à espreita, no entanto, mostram que o escritor é também dono de mão leve quando trata de temas do cotidiano, e capaz de um olhar lírico sobre a realidade.
Entre os temas que habitam as crônicas de Hatoum estão a literatura e a língua portuguesa (em textos escritos para revistas especializadas), a memória de sua região, personagens que mereciam escapar do esquecimento, lugares de várias partes do mundo que deixaram marcas no escritor. Não faltam escritos sobre política, sobre o período da ditadura militar e a realidade dura da vida das grandes cidades. Em algumas crônicas, o escritor chega perto do conto, com fabulações delicadas.
Batendo ponto O livro de Cristovão Tezza também marca a estreia do autor no gênero. Para quem conhece o escritor em razão de seu romance mais célebre, O filho eterno, as crônicas trazem uma boa surpresa: a leveza. Tezza é cronista tardio, como ele mesmo confessa, e começou a escrever sistematicamente para o jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, em 2008. Para ele, o maior desafio era a onipresença do leitor. Romancista escreve para si; cronista trabalha para o leitor. Cristovão Tezza entendeu bem a distinção.
Um operário em férias foi organizado por Christina Schwartz, que assina a apresentação, e ilustrado por Bennet. O título é uma espécie de brincadeira com a condição do escritor: no momento em que pode viver de literatura, precisa escrever como um operário que bate ponto em jornais. Enquanto descansa, carrega pedras. Nada de ócio criativo. Tezza divide suas crônicas em seções, que indicam os assuntos favoritos: “Viagens pela leitura”, “Vida de torcedor”, “Curitiba no divã” e “A volta da vida real”, entre outras, que buscam fisgar o interesse do “patrão”. E Tezza sabe que o leitor está sempre lendo por cima de seu ombro enquanto escreve: “O leitor exige como um Procon ambulante”, reconhece.
Tempo precioso Se Milton Hatoum e Cristóvão Tezza conquistaram a crítica antes de se tornarem populares, o caminho de Martha Medeiros vai na contramão dessa história. Com mais de 700 mil livros vendidos, entre romances, novelas e coletâneas de crônicas, a escritora é amada por leitores e leitoras de todo o Brasil, tendo seus textos publicados em dezenas de jornais. Com Divã, conquistou público também no cinema, na TV e no teatro, além de frequentar a lista dos mais vendidos. Seu novo livro, A graça da coisa, consagra seu estilo de cronista.
Martha Medeiros gosta de gente e de conversar. Sua preocupação é apenas uma: como ser feliz sem deixar de ser uma pessoa legal. Em suas crônicas ela se pergunta por que as pessoas trabalham tanto, por que falam tanto ao celular, por que ficam horas no trânsito, deixando para trás o único bem que vale a pena: o tempo. A cronista procura a graça da coisa nos pequenos momentos da vida – os únicos de que o leitor dispõe para chamar de seu. Martha, com sua franqueza, obriga o leitor a pensar em desapego, dor, fim de relacionamentos, educação dos filhos, dinheiro, viagens, frustrações e envelhecimento. São temas profundos e difíceis. Tirar deles a graça da coisa é a arte da cronista.
Três lançamentos de volumes de crônicas são bom exemplo da variedade e vitalidade do formato no Brasil. O romancista amazonense Milton Hatoum manda para as livrarias Um solitário à espreita (Companhia de Bolso, 288 páginas, R$ 24,50), seu primeiro livro no gênero; o paranaense Cristovão Tezza publica Um operário em férias (Editora Record, 232 páginas, R$ 34,90), e a gaúcha Martha Medeiros, a única profissional em crônicas (embora seja também contista e romancista), está de volta com A graça da coisa (Editora L&PM, 216 páginas, R$ 36). Mesmo unidos pelo gênero, cada livro expressa o estilo pessoal de seu autor. Diversidade na unidade.
Olhar lírico O volume de Milton Hatoum reúne textos dispersos, publicados em revistas e jornais, sem o propósito de serem reunidos em livro. Mas o conjunto funciona. Um dos nomes de ponta do romance brasileiro, Hatoum é escritor ligado às origens amazonenses, extremamente culto, com formação em arquitetura e literatura contemporânea. Os textos reunidos em Um solitário à espreita, no entanto, mostram que o escritor é também dono de mão leve quando trata de temas do cotidiano, e capaz de um olhar lírico sobre a realidade.
Entre os temas que habitam as crônicas de Hatoum estão a literatura e a língua portuguesa (em textos escritos para revistas especializadas), a memória de sua região, personagens que mereciam escapar do esquecimento, lugares de várias partes do mundo que deixaram marcas no escritor. Não faltam escritos sobre política, sobre o período da ditadura militar e a realidade dura da vida das grandes cidades. Em algumas crônicas, o escritor chega perto do conto, com fabulações delicadas.
Batendo ponto O livro de Cristovão Tezza também marca a estreia do autor no gênero. Para quem conhece o escritor em razão de seu romance mais célebre, O filho eterno, as crônicas trazem uma boa surpresa: a leveza. Tezza é cronista tardio, como ele mesmo confessa, e começou a escrever sistematicamente para o jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, em 2008. Para ele, o maior desafio era a onipresença do leitor. Romancista escreve para si; cronista trabalha para o leitor. Cristovão Tezza entendeu bem a distinção.
Um operário em férias foi organizado por Christina Schwartz, que assina a apresentação, e ilustrado por Bennet. O título é uma espécie de brincadeira com a condição do escritor: no momento em que pode viver de literatura, precisa escrever como um operário que bate ponto em jornais. Enquanto descansa, carrega pedras. Nada de ócio criativo. Tezza divide suas crônicas em seções, que indicam os assuntos favoritos: “Viagens pela leitura”, “Vida de torcedor”, “Curitiba no divã” e “A volta da vida real”, entre outras, que buscam fisgar o interesse do “patrão”. E Tezza sabe que o leitor está sempre lendo por cima de seu ombro enquanto escreve: “O leitor exige como um Procon ambulante”, reconhece.
Tempo precioso Se Milton Hatoum e Cristóvão Tezza conquistaram a crítica antes de se tornarem populares, o caminho de Martha Medeiros vai na contramão dessa história. Com mais de 700 mil livros vendidos, entre romances, novelas e coletâneas de crônicas, a escritora é amada por leitores e leitoras de todo o Brasil, tendo seus textos publicados em dezenas de jornais. Com Divã, conquistou público também no cinema, na TV e no teatro, além de frequentar a lista dos mais vendidos. Seu novo livro, A graça da coisa, consagra seu estilo de cronista.
Martha Medeiros gosta de gente e de conversar. Sua preocupação é apenas uma: como ser feliz sem deixar de ser uma pessoa legal. Em suas crônicas ela se pergunta por que as pessoas trabalham tanto, por que falam tanto ao celular, por que ficam horas no trânsito, deixando para trás o único bem que vale a pena: o tempo. A cronista procura a graça da coisa nos pequenos momentos da vida – os únicos de que o leitor dispõe para chamar de seu. Martha, com sua franqueza, obriga o leitor a pensar em desapego, dor, fim de relacionamentos, educação dos filhos, dinheiro, viagens, frustrações e envelhecimento. São temas profundos e difíceis. Tirar deles a graça da coisa é a arte da cronista.
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