quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Córnea doente‏ - Augusto Pio

Ceratocone é a degeneração mais comum da parte anterior do globo ocular e tem origem genética. Coçar muito os olhos ou permanecer por horas a fio no computador são desencadeadores da doença


Augusto Pio


Estado de Minas: 18/09/2013 

 
Diariamente, o porteiro Carlos André Glacis, de 29 anos, enfrentava dificuldades no caminho de casa ao trabalho. Isso porque ele não conseguia enxergar a numeração do ônibus e, muitas vezes, tinha vergonha de pedir ajuda, pois as pessoas o interpretavam mal. Diagnosticado com ceratocone, ele usou lentes de contato para minimizar a deficiência por sete anos. A cada três meses, tinha que trocá-las e, por isso, gastava muito dinheiro. Somente em 2011, depois de trocar de oftalmologista, ele soube que a doença tinha tratamentos mais eficazes que os que ele vinha fazendo. “A lente de contato já não surtia efeito. Atingi o nível avançado da doença e precisava de um tratamento mais certeiro”, diz. Apenas depois da cirurgia de implante do anel intracorneano, Glacis conseguiu um resultado satisfatório. “Hoje, sou outra pessoa. Vivo melhor e sou mais feliz”, garante o porteiro, cuja história provavelmente é vivida por milhares de pessoas.
O ceratocone é a distrofia mais comum da córnea e pode acometer uma pessoa a cada mil. Normalmente, se inicia como astigmatismo, miopia ou com ambos, podendo evoluir rapidamente ou  levar anos para se desenvolver. A doença costuma surgir na adolescência, e raramente aparece depois dos 30 anos. O oftalmologista José Roberto de Araújo, da Clínica de Olhos e Especialidades Médicas Integradas, em Belo Horizonte, esclarece que o ceratocone é uma degeneração da córnea (parte anterior transparente do globo ocular), formando uma protusão ou cone, devido ao seu afinamento e encurvamento central, e pode ter evolução distinta em cada olho. “Prevalecem as causas de origem genéticas, havendo propensão para desenvolvimento e evolução da doença em determinada etapa da vida, principalmente na adolescência. Mas há ainda muito estudo e discussão a respeito”, diz o médico.

O especialista salienta que sintomas como a baixa acuidade visual progressiva, mesmo sendo corrigidos com óculos, não são satisfatórios. “A repetição das consultas com variação e aumento do grau das lentes em um curto espaço de tempo, por exemplo, mostra uma instabilidade característica da doença. Como há o fator hereditário e pode não haver sintomas ou sinais evidentes, é primordial realizar consultas desde os primeiros anos de vida, programando-se as revisões. 

“Há situações de predisposição, como coçar os olhos de maneira crônica ou ficar horas no computador, sem intervalos. Nesse caso o ideal é fazer intervalos de cinco minutos a cada hora para estimular o ato de piscar e aumentar a lubrificação e proteção corneana. Deve-se evitar o uso inadequado de lentes de contato e é fundamental que haja acompanhamento médico caso a pessoa sinta algo nos olhos. Alimentação balanceada com verduras, legumes e frutas, além de boa ingestão de líquidos, sempre ajuda.

“O que sabemos é que ele apresenta caráter hereditário. O paciente com ceratocone, em um primeiro momento, apresenta redução da visão, com aumento crescente do astigmatismo. Não conhecemos cura para o problema, mas tratamentos alternativos que buscam a estabilidade da doença e a regularização da córnea. Casos muito avançados podem evoluir para perda severa da visão e com opacidade da córnea, sendo necessário realizar transplante para a recuperação visual”, diz Guilherme Ferrara, especialista em córnea da Clínica de Olhos Dr. Paulo Ferrara, em Belo Horizonte.


DIAGNÓSTICO
O oftalmologista Cláudio Maciel de Sena esclarece que o diagnóstico pode ser feito durante uma consulta abrangente, por meio de investigação, com exame minucioso. “No estágio moderado e avançado é mais simples a constatação da doença. Nas fases mais precoces , quando não há sintomas ou sinais evidentes, a tomografia corneana computadorizada é o exame mais importante, não só para confirmar a suspeita como também para avaliar sua evolução”.

Tratamentos são variados

O oftalmologista Guilherme Ferrara explica que há diversos tratamentos para o ceratocone, entretanto os procedimentos dependem do estágio da doença. “O paciente com ceratocone inicial pode ter sua visão corrigida com óculos e lentes de contato. Para os que apresentam intolerância a lentes ou quando constatamos que a doença está evoluindo, a indicação é a intervenção cirúrgica”, diz.
Casos muito iniciais, em progressão, quando ainda não há comprometimento visual importante, podem receber a aplicação do crosslinking – de raios UV (irradiação ultravioleta) associada ao uso da substância fotossensibilizadora riboflavina, que provoca enrijecimento corneano e possível paralisação do processo degenerativo. Nos casos em que há o comprometimento visual decorrente da deformidade da córnea, Guilherme indica o implante do Anel de Ferrara, uma órtese corneana, que tem forma semicircular. Ela é implantada na córnea com a função de frear a evolução da doença e diminuir a deformidade causada por ela, melhorando, dessa maneira, a visão. “Começamos recentemente a adaptação das lentes esclerais, que nos auxiliam na correção visual naqueles casos em que há intolerância às lentes convencionais, e que apresentam a doença comprovadamente estabilizada”, acrescenta.

O objetivo desses tratamentos, segundo especialistas, é impedir a progressão da distrofia corneana e melhorar a visão. “Numa sequência lógica: óculos para os casos mais simples e fase incipiente e lentes de contato na moderada e avançada. Na fase severa, é indicado o transplante de córnea. Mas a cirurgia pode ser evitada com a colocação do anel intracorneano. O crosslink tem sido usado para evitar a progressão do ceratocone”, acrescenta Cláudio de Sena.


SUS O Sistema Único de Saúde, assim como os planos de saúde, geralmente autorizam os tratamentos, mas o implante do anel intracorneano apenas para os casos em que a doença se encontra em estágio avançado (graus III e IV). Guilherme Ferrara diz que estima-se que mais de 250 mil pacientes no mundo se submeteram ao implante do anel intracorneano e obtiveram sucesso, sendo que, segundo ele,  90% dos casos da doença são estabilizados com a implantação do anel e somente 10% ainda requerem transplante de córnea. “O transplante é a última alternativa de tratamento, deixado apenas para os casos mais avançados. Por se tratar de um tratamento mais invasivo, os riscos também são maiores. Podem ocorrer infecção, rejeição e de troca da córnea transplantada a cada 15 anos em média. Outro empecilho é a fila de espera para o transplante, que pode demorar alguns meses”, explica.

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