Bruna Sensêve
Estado de Minas: 20/09/2013
O acúmulo de placas
da proteína beta-amiloide nos neurônios já foi identificado como uma das
possíveis causas para o mal de Alzheimer. Mas um novo protagonista da
doença parece estar surgindo. O receptor do sistema imunológico PirB,
encontrado em camundongos, e o seu correspondente humano, o LilrB2,
devem ocupar o papel de vilão. Eles são responsáveis por deixar as
placas beta-amiloides se instalarem nos neurônios, desencadeando a série
de defeitos neuronais comuns da enfermidade. Sem esses receptores, a
“porta” permanece fechada e as células nervosas, imunes aos danos. A
descoberta foi feita por pesquisadores da Universidade de Stanford, nos
Estados Unidos, que sugerem o PirB e o LilrB2 como um novo alvo para
terapias de combate à forma mais comum de demência neurodegenerativa.
Os fragmentos da proteína beta-amiloide estão presentes no cérebro inicialmente como pequenos aglomerados solúveis que circulam livremente. Com o passar do tempo, elas formam as placas, levando a um processo inflamatório crônico nos neurônios e prejudicando a condução dos impulsos nervosos. De acordo com o trabalho publicado na edição de hoje da revista científica Science, ainda em forma de aglomerados solúveis, a proteína é capaz de se ligar tão fortemente a receptores que passa a corroer as sinapses nervosas antes mesmo de as placas serem formadas. As sinapses são as regiões de comunicação entre neurônios onde são transmitidos os impulsos nervosos, essenciais para o armazenamento da memória, por exemplo. Para investigar essa possível parceria entre os receptores PirB e LilrB2 e a proteína beta-amiloide, os cientistas usaram um modelo de camundongo produzido em laboratório bastante suscetível ao desenvolvimento do Alzheimer.
As cobaias foram divididas
em dois grupos, sendo que o primeiro tinha receptores PirB e o segundo
não os expressava. Cerca de nove meses depois, surgiram apenas nos
animais do primeiro grupo os primeiros sinais relacionados à doença,
como problemas de aprendizagem e de memória. Surgiu daí a teoria de que o
PirB, que reside na superfície da célula, poderia atuar como um
cúmplice da beta-amiloide, permitindo que ela se ligue às células e
enfraqueça as conexões sinápticas. Frente a esses resultados, a primeira
pergunta feita pela equipe de Carla Shatz, professora de neurobiologia
da Universidade de Stanford, na Califórnia, foi: como o PirB poderia
interagir com a beta-amiloide e influenciar na evolução do Alzheimer em
humanos? Ao examinar o tecido cerebral de pessoas com Alzheimer, eles
encontraram evidências de que o LilrB2 pode desencadear as mesmas
reações nocivas que o PirB. Para Neil Buckholtz, diretor da Divisão de
Neurociência do Instituto Nacional do Envelhecimento, ligado ao
Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, a compreensão existente
até hoje das várias proteínas envolvidas no desenvolvimento do Alzheimer
e de como essas proteínas interagem umas com as outras pode um dia
resultar em intervenções que atrasem, tratem ou mesmo previnam a doença
neurodegenerativa. “Esses resultados fornecem informações valiosas sobre
essa doença complexa, que envolve o acúmulo anormal de proteínas,
inflamação e uma série de outras alterações celulares”, comenta.
Cúmplice Em um novo experimento – liderado por Taecho Kim, pesquisador
do Laboratório de Carla Shatz e principal autor do trabalho publicado
hoje na Science –, foram comparadas as proteínas produzidas no cérebro
dos dois grupos iniciais de camundongos, mais suscetíveis à doença de
Alzheimer. Curiosamente, aqueles que tinham o receptor PirB também
apresentaram um aumento significativo da enzima cofilina. O mesmo foi
observado na análise post-mortem do tecido cerebral de pacientes com
Alzheimer. A cofilina trabalha na modulação e na consequente quebra da
actina – uma proteína que, no caso dos neurônios, exerce papel essencial
para a conservação da estrutura sináptica. “Olhamos para os cérebros
humanos nesse estudo e descobrimos que uma perturbação semelhante da
atividade da cofilina está presente nos cérebros de pessoas com
Alzheimer, mas não o cérebro saudável”, conta Shatz. A ligação da
beta-amiloide com o PirB (em camundongos) e com o LilB2 (em humanos)
resultou em alterações bioquímicas na cofilina, o que acelera a quebra
de actina, levando a uma atividade de desmontagem sináptica. “Sem
actina, sem sinapse”, resume Shatz. “As pessoas estão começando a olhar
para o que essas proteínas fazem no cérebro. Mais pesquisas são
necessárias, mas essas proteínas podem ser um novo alvo para drogas de
Alzheimer.” A professora de neurobiologia sugere que drogas que
bloqueiem a ligação entre os receptores e a beta-amiloide na superfície
das células podem ser capazes de exercer um efeito terapêutico. Até o
momento, apenas dois outros receptores beta-amiloide (PRP-C e EphB2)
foram encontrados e estão sendo estudados como alvos de drogas. Hoje,
nenhum medicamento trata as possíveis causas subjacentes da doença de
Alzheimer, já que a maioria das intervenções que atingiu a fase de
testes clínicos é projetada para limpar a beta-amiloide das células
nervosas.
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