Fonte: Folha de São Paulo
Sobrou para o Ulysses
Cansei de dizer que não era para tratar como clássico de futebol. Mas, para os 50 gatos pingados que foram choramingar na frente do palácio da Dilma em Brasília na quarta, é bom lembrar que o julgamento do mensalão não acabou em pizza.
Dos 39 réus, dez já foram apenados e outros 12 terão suas penas revistas. Se há o que lamentar, a esta altura, não é a atuação do Supremo ou a suposta impunidade que está reservada a quem dispõe de meios de pagar pelo advogado que saiba cavar as garantias constitucionais estabelecidas pela lei. Afinal, essas garantias, como bem lembrou o ministro Barroso, valem para petistas, peessedebistas, torcedores do Íbis, inocentes, culpados, para seu filho, seu pai, sua sogra ou qualquer outro brasileiro que sente no banco dos réus.
Quem ora está frustrado foi quem embarcou ingenuamente na nau das falsas expectativas. Será que algum processo desse porte, com penas tão altas, poderia ter terminado sem direito a recurso? Sejamos realistas.
Você, que nestes últimos dois dias andou xingando o ministro Celso de Mello como se ele fosse juiz de futebol, será que você se dá conta de que o acusado de ser o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang, em 2005, está sendo julgado pela quarta vez?
Será que você esqueceu de que nossa desigualdade recordista mundial, que coloca o réu que é atendido pela Defensoria Pública em um patamar e aquele que tem meios para contratar bons advogados em outro, é a mesma que é sentida pelo estudante rico que poderá pagar seu caminho do jardim da infância até a faculdade nas melhores instituições de ensino e aquele que será excluído do sistema educacional por falta de investimento do poder público? Ou a mesmíssima diferença que há entre o doente que se vê obrigado a passar pela máquina de horrores do SUS e quem pode se tratar nos hospitais Sírio-Libanês ou Einstein? Cadê a novidade?
Por que os indignados com o resultado sobre os embargos infringentes não espumam bílis ao constatar que Celso Russomanno, Paulo Maluf, Jader Barbalho, José Sarney, Roseana Sarney, Renan Calheiros, Luiz Estevão e outros tantos circulam livremente pelos mesmíssimos motivos que os réus do mensalão? Em algum momento todos eles foram julgados, condenados e obtiveram recursos para serem julgados em outra instância, não?
É evidente que culpados por crimes de corrupção devem ser severamente punidos. Mas o problema neste caso foi a uma vulgar tendência a usar dois pesos e duas medidas por serem os acusados pessoas que causam pavor em certas classes.
Assim, perdemos de novo a oportunidade de discutir o que importa. Que seria, quem sabe, encontrar uma maneira de impor limites recursais para impedir que processos durem "ad eternum". Ou encontrar uma forma de fortalecer a ação das Defensorias Públicas ou ainda os privilégios dos legisladores que legislam em causa própria.
Mas mais do que isso, que nós tivéssemos de uma vez por todas a coragem de tirar a cabeça das nuvens e admitir que nossa gloriosa Carta Magna é nota cinco.
A Constituição de 1988, que todos louvam como se fosse um documento sagrado, foi redigida na ressaca de um regime autoritário e carrega os cacoetes e resquícios de anos de práticas não democráticas. Some-se a isso Códigos Civil e Penal da época do avião a lenha e podemos entender porque daqui a pouco a Nova Guiné será um país bem mais moderno que o nosso.
Se alguém não tiver coragem de propor a correção dos graves desvios contidos na Carta, a coisa não engrena.
Se até o papa Francisco está colocando na roda temas cabeludos como o celibato, não vejo por que não podemos começar a sonhar.
Barbara Gancia, mito vivo do jornalismo tapuia e torcedora do Santos FC, detesta se envolver em polêmica. E já chegou na idade de ter de recusar alimentos contendo gordura animal. É colunista do caderno "Cotidiano" e da revista "sãopaulo".
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