Humberto Siqueira
Estado de Minas: 14/10/2013
Sessenta e quatro fósseis de folhas de 25
tipos de plantas angiospermas (com sementes protegidas por frutos) foram
avaliados no estudo |
A descoberta faz parte da tese de doutorado “Reconstruindo as florestas tropicais úmidas do Eoceno-Oligoceno do Sudeste do Brasil”, do biólogo Jean Carlo Mari Fanton, realizada na área de paleobotânica do Instituto de Geociências (IG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele analisou 64 fósseis de folhas de 25 tipos de plantas angiospermas (plantas com sementes protegidas por frutos) da região Centro-Sul do estado para chegar à conclusão de que o local onde hoje predomina o cerrado e resquícios de mata atlântica pode ter sido uma floresta tropical como a Amazônia.
Se hoje a mata mineira se mostra mais adaptada a um regime de alternância de um período seco e outro chuvoso, as folhas fossilizadas são nitidamente características de uma região úmida. “Podemos afirmar pela forma, margem e até pela cutícula ou epiderme da folha. Muitos fósseis mostram folhas com ápice em forma de pingadeira, como uma agulha, que conduz a água da chuva para pingar na base da própria árvore. E são folhas grandes”, explica o paleontólogo.
Outro indicativo apontado por Jean Fanton são as famílias de árvores encontradas. “Várias famílias pertencentes às angiospermas estão associadas a condições específicas, tornando-se bons indicadores climáticos, como é o caso das famílias tropicais”. As angiospermas formam hoje o maior grupo de plantas, com mais de 250 mil espécies estimadas, vivendo em todos os tipos de ambientes. Mas sua maior diversidade é encontrada justamente nas florestas da região tropical.
Os fósseis analisados são oriundos da região das bacias de Gandarela e Fonseca, entre as cidades de Ouro Preto, Mariana e Belo Horizonte, perto da Serra do Caraça. O material faz parte dos acervos do Museu de Ciências da Terra, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM-RJ), e do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mas também foram realizadas novas coletas de fósseis na região estudada. As análises foram feitas com o apoio de equipamentos do Instituto de Geociências/Unicamp.
Trata-se de uma região com potencial paleontológico e ainda pouco estudada, explica o autor do trabalho, ao justificar a escolha da área para sua investigação de doutorado. As folhas fósseis ficaram preservadas em depósitos de rios e lagos, resultado de um processo especial e natural de preservação que só ocorre sob determinadas condições. Durante as décadas de 1930, 1960 e 1990, foram realizados trabalhos nessa localidade, o que resultou na coleta dos principais fósseis considerados para a pesquisa.
Na opinião do pesquisador, esse tipo de estudo é importante para conseguir entender o clima de hoje em dia e tentar fazer previsões, cenários futuros, principalmente se consideradas as mudanças climáticas. “Se Minas já abrigou uma floresta tropical e hoje tem áreas áridas, é bom repensar a relação da humanidade com a cobertura vegetal restante. Todo o Sudeste depende da transpiração das árvores da Amazônia para ter chuva. Esse vapor bate na Cordilheira dos Andes e volta para o Sudeste. Essa chuva, por sua vez, alimenta rios e daí parte todo um ciclo das águas”, detalha o cientista.
A estrutura epidérmica ajuda a entender o ambiente no qual a planta habitou. As formas encontradas foram moldadas pela seleção natural, para que a espécie vivesse o melhor possível naquele ambiente - Jean Fanton, biólogo, autor do estudo |
EVOLUÇÃO As árvores que envolvem suas sementes com frutos buscam atrair animais dispersores para espalhar as sementes pelas fezes. Se na “Amazônia Mineira” as angiospermas eram abudantes, tudo leva a crer que a fauna também era variada. Embora as plantas do passado guardem diferenças em relação às de hoje, elas compartilham ancestrais com várias espécies que atualmente povoam a mata atlântica, como as famílias das mirtáceas (como as jabuticabeiras e as goiabeiras) e das leguminosas (como o guapuruvu e o pau-brasil), entre outras.
Os fósseis coletados foram analisados com microscópios. É possível ver a cutícula das folhas: glândulas e pelos. Verdadeiros “carimbos” e “impressões” foram deixados nas rochas, revelando, em detalhes, a morfologia da epiderme, além da forma de suas folhas. “A estrutura epidérmica ajuda a entender o ambiente no qual a planta habitou. As formas encontradas foram moldadas pela seleção natural, para que a espécie vivesse o melhor possível naquele ambiente”, explica o autor da pesquisa.
Para estabelecer a temperatura da época, Jean Fanton usou como referência de comparação a margem das folhas fósseis com as de outras espécies existentes atualmente. “Se olharmos para as florestas tropicais de hoje, vemos folhas com margens lisas. E nas florestas frias e tundras, folhas com margens dentadas. E a temperatura influencia na variedade de espécies, de forma que podemos estimar, pela variedade de fósseis, qual era a temperatura média. Assim chegamos aos 28 graus”, detalha.
Uma teoria para esse fenômeno, segundo ele, é que as florestas do hemisfério norte precisam de mais reserva e os dentes nas folhas aumentariam a área de superfície, favorecendo trocas gasosas da fotossíntese e gerando mais carboidratos, que as plantas vão armazenar no inverno para conseguir florescer na primavera.
CLIMA Com a elevação da temperatura em parte do território brasileiro, entre as transformações registradas ao longo de milhares de anos, a região Centro-Sul de Minas Gerais ficou mais fria e menos úmida – surgiram serras e cerrados. Hoje, a média anual de temperatura ali varia de 17 a 22 graus, bem abaixo da possível média de 28 graus de 30 milhões de anos atrás.
Segundo a paleobotânica, o registro mais antigo de angiospermas é de 140 milhões de anos atrás, quando ainda os dinossauros e as gimnospermas (plantas com semente desprotegida) reinavam absolutos na Terra. Somente entre 100 milhões e 60 milhões de anos atrás é que as angiospermas (com os mamíferos) passaram a dominar a maioria dos ambientes. Não é de hoje que elas ajudam pesquisadores a “viajar no tempo” em busca de pistas e evidências sobre as mudanças climáticas ocorridas no planeta. Exemplo disso é a localização de vestígios de uma floresta em uma área hoje desértica, que pode ajudar a avaliar as dinâmicas de transformação que ocorreram naquela região há milhões de anos, alterando drasticamente o cenário.
Pontos em amarelono mapa indicam as bacias do Gandarela e da Fonseca, origem dos fósseis analisados |
SAIBA MAIS
Movimentos tectônicos
Há 30 milhões de anos, a disposição dos continentes era bem diferente. Os terrenos da porção oriental da América do Sul, que hoje inclui os planaltos e serras da borda atlântica do Brasil, sofreram movimentação tectônica ao longo do Cenozoico além da erosão, moldando o relevo que se conhece hoje. Esse tipo de movimentação foi diferente dos soerguimentos orogenéticos que resultaram no surgimento da Cordilheira dos Andes, na borda ocidental da América do Sul. Importantes rios corriam para o Oceano Pacífico, as Américas do Norte e do Sul estavam separadas, não havia tanto gelo nos polos, o mar avançava sobre regiões do Norte e Nordeste do Brasil e a Antártida tinha acabado de se desconectar da América do Sul. Além disso, havia grande concentração de gás carbônico (CO2) na atmosfera, resultado da intensa atividade tectônica daquele período.
Cientifiquês/português
Cenozoico
É o período de tempo que corresponde aos últimos 66 milhões de anos do Planeta Terra, desde a extinção dos dinossauros até os dias de hoje, também conhecido como Era dos Mamíferos. Soerguimento orogenético é o surgimento de cadeias de montanhas (cinturões orogênicos) devido ao choque de placas tectônicas.
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