Correio Braziliense - 14/10/2013
Principais vítimas de abusos sexuais e torturas físicas e
psicológicas no cárcere, homossexuais de quatro estados já podem
cumprir pena em alas separadas dos demais detentos. Para o CNJ, a
criação de espaços destinados ao grupo deve ser uma política de caráter
nacional
Vítimas constantes de abusos em presídios, homossexuais, travestis e
transexuais devem ter o direito de cumprir pena em alas separadas de
outros detentos. O Conselho Nacional de Combate à Discriminação contra
Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis, formado por 15 órgãos do
governo federal e 15 da sociedade civil — ligado à Secretaria de
Direitos Humanos (SDH) —, já tem um esboço de resolução que recomenda a
criação desses espaços. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também
deve elaborar uma recomendação nesse sentido. Enquanto não há uma regra
oficial, a SDH tem termos de compromisso assinados com 16 estados para
elaborar ações voltadas à população carcerária LGBT e à capacitação de
profissionais para lidar com o grupo. A principal medida é,
justamente, a construção de alas separadas em presídios.
Hoje, Mato Grosso, Paraíba, Rio Grande do Sul e Minas Gerais reservam
espaços exclusivos para os detentos homossexuais. A partir do ano que
vem, Bahia também deve adotar o sistema. Segundo o coordenador da área
LGBT da SDH, Gustavo Bernardes, embora não exista uma estatística
oficial, a secretaria recebe constantemente denúncias de abusos
sexuais, psicológicos e tentativas de homicídios contra homossexuais
apenados. “Pensamos na vida. Se ela está em risco, preferimos mantê-las
(travestis e transexuais) separadas. Por isso, estamos construindo uma
orientação dentro do Conselho Nacional LGBT e vamos encaminhá-la ao
Conselho Nacional de Política Criminal e Penintenciária”, disse. A
resolução deve ficar pronta no fim do mês e vai propor que a entrada na
ala exclusiva seja uma opção do detento.
O conselheiro do CNJ Guilherme Calmon considera a medida importante.
Para ele, a proposta é encarada como uma forma de prevenir a violência e
reconhecer a pessoa como ela se vê. Ele cita o exemplo das
transexuais, que se reconhecem como mulher, mas têm que cumprir pena em
unidades masculinas, a não ser que tenham se submetido à cirurgia de
mudança de sexo. “Trata-se do grupo mais sujeito a violações. É a
parcela mais vulnerável. Por isso, a criação das alas pode vir a ser
uma recomendação do CNJ.” Para ele, a orientação pode complementar a
resolução do CNJ deste ano que prevê o casamento entre pessoas do mesmo
sexo e permite visitas íntimas nos presídios. “Devemos iniciar um
levantamento sobre a questão, provavelmente no fim do ano”.
Boas experiências
Minas Gerais foi o primeiro estado a oferecer alas LGBT em presídios,
em 2009. Atualmente, há 34 detentos — a capacidade máxima — no espaço
exclusivo da Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, no
município de São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo
Horizonte. Como a experiência deu certo, neste ano foi criada uma ala
LGBT no Presídio de Vespasiano, também na Região Metropolitana, onde 33
homossexuais cumprem pena.
O Presídio de Porto Alegre foi o segundo a ter espaços exclusivos para o
grupo LGBT, criados em abril de 2012. “Tínhamos muitas denúncias de
que as travestis e transexuais eram vítimas de abusos sexuais e
psicológicos e de preconceito. Elas também tinham de carregar material
pesado para os homens, entre outras violações”, conta a coordenadora da
assessoria de Direitos Humanos da Superintendência dos Serviços
Penitenciários do Rio Grande do Sul, Maria José Diniz. Segundo ela, a
ala recebe em média 40 detentos, e não há, até agora, registro de
violência.
Na Paraíba, as alas para travestis e transexuais funcionam há pouco
mais de dois meses nos presídios Roger, na capital, e Serrotão, em
Campina Grande. “Neste pouco tempo de funcionamento, já é possível
visualizar vantagens na questão da segurança e da integridade física
dos detentos. Parentes dizem que estão um pouco mais tranquilos após a
medida. Não visualizamos desvantagens”, informou a Secretaria de
Justiça, em nota.
Em Mato Grosso, a ala foi criada há sete meses e, hoje, abriga seis
presos, que precisam trabalhar e estudar para garantir a permanência no
local exclusivo.
"Trata-se do grupo mais sujeito a violações, é a parcela
mais vulnerável. Por isso, a criação das alas pode vir a ser uma
recomendação do CNJ”
Guilherme Calmon, membro do Conselho Nacional de Justiça
Palavra de especialista
Exigência positiva
“A demanda pela criação de alas separadas para o grupo LGBT é,
principalmente, voltada para travestis e transexuais. Registradas como
homem, elas são estupradas na cadeia e lá vivem todo o tipo de horror.
Também há casos de violência contra homens gays, por isso, é
interessante separá-los, caso eles queiram. A criação das alas
exclusivas é uma demanda que vem do próprio grupo LGBT. Por isso, vejo
como muito positiva a ideia de lidar com esse dilema”
Jaqueline Gomes, doutora em psicologia social
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