Ana Clara Brant
Estado de Minas: 14/10/2013
Pavilhão foi montado especialmente para atrair a atenção para a cultura e a literatura brasileiras |
Frankfurt – O bastão agora está com a Finlândia, o convidado de honra da Feira do Livro de Frankfurt em 2014. Ilustre homenageado da edição encerrada ontem, o Brasil espera faturar com os holofotes do maior evento do mercado editorial do mundo. Geralmente associada a paraíso tropical e exótico com sua gente cordial e mulheres bonitas, a imagem do país ganhou outra faceta com o polêmico discurso do escritor mineiro Luiz Ruffato, que, na abertura do evento, listou impasses estruturais brasileiros como violência, racismo, intolerância, discriminação sexual e desigualdade social. Tudo isso é tema da literatura contemporânea produzida no país.
A polêmica, aliás, não se resumiu a Ruffato. Paulo Coelho, o brasileiro que mais vende livros no mundo, recusou-se a participar do evento, reclamando dos critérios do governo federal para selecionar autores convidados. A feira serviu também de palco para escritores criticarem duramente o movimento Procure Saber, formado por astros da MPB contrários à publicação no país de biografias não autorizadas. Biógrafos atacaram a volta da censura por parte de músicos censurados durante a ditadura militar.
Tantas polêmicas não impediram o balanço positivo para o Brasil, acredita Jürgen Boos, presidente da Feira do Livro de Frankfurt. O evento deixou claro que o país está preparado para deixar de ser apenas consumidor de direitos autorais. A Câmara Brasileira do Livro (CBL), aliás, espera colher os frutos ainda neste ano. Karine Pensa, presidente da CBL, informou que o país vendeu para o exterior US$ 1,2 milhão em direitos autorais em 2012, contra US$ 880 mil em 2011 e US$ 495 mil em 2010. As perspectivas para este ano são promissoras, adianta ela.
QUADRINHOS O último dia da feira reuniu várias gerações de quadrinistas brasileiros. Conversaram com o público o veterano Mauricio de Sousa, o mineiro Marcelo Lelis, ilustrador do Estado de Minas, e renovadores da graphic novel nacional, como Fábio Moon e Gabriel Bá, Fernando Gonsales e Lourenço Mutarelli. Ziraldo não pôde comparecer. Sábado, ele recebeu alta de um hospital de Frankfurt depois de passar por um cateterismo.
Mauricio de Sousa revelou ter sido boicotado por uma grande distribuidora nos anos 1980, o que o fez desistir do mercado europeu. A Turma da Mônica havia chegado até o continente, especialmente à Alemanha, com tiragens de 60 mil exemplares. Um jornaleiro da Suíça revelou-lhe que bancas recebiam ordens de uma grande distribuidora, temerosa de concorrência, para devolver as revistinhas à editora.
Atualmente, Mauricio publica em 50 países e está feliz com a recepção de leitores de outras culturas a seu trabalho. “Na Argentina e na Índia, por exemplo, a criançada acha que Mônica e Cebolinha são de lá. Faço questão de criar histórias regionais para cada lugar. Isso faz dos dois personagens universais”, destacou.
Marcelo Lelis acredita que o Brasil conseguiu cumprir bem o seu papel na feira. “Estamos ainda um pouco longe desse mercado, mas o que foi mostrado na Alemanha representa corretamente o que somos. É muito bacana o reconhecimento dos quadrinistas brasileiros aqui. Muitas vezes, nem temos tanto espaço no Brasil”, avaliou.
O mineiro divertiu a plateia ao falar do início de sua carreira. “Sou do tempo em que os únicos quadrinhos que a gente via eram cartilhas ensinando a tirar leite de vaca, cuidar de galinha. Assim foi o meu primeiro contato com o cartum”, contou.
>> A repórter viajou a convite do Governo de Minas
A FEIRA
300 mil visitantes em seis dias
60 mil pessoas visitaram o pavilhão do Brasil
106 países participantes
Adeus em tom político
Publicação: 14/10/2013 04:00
Desenhos de crianças alemãs que conheceram Daniel Mundukuru |
Frankfurt – “Uma declaração de amor ao Brasil”. Assim o escritor Paulo Lins definiu as palavras de Luiz Ruffato na abertura da Feira do Livro de Frankfurt, motivo de polêmica entre os colegas e de constrangimento por parte de autoridades brasileiras. Ruffato criticou a desigualdade social, o preconceito racial, a violência e a impunidade no país.
No encerramento da feira, ontem de manhã, o autor de Cidade de Deus discursou saudando com um “saravá” os professores em greve no Rio de Janeiro. Informou que o abaixo-assinado em favor dos educadores foi apoiado por 48 autores da comitiva brasileira.
Paulo Lins negou ter havido discriminação racial na seleção dos participantes da feira. Na comitiva de 70 brasileiros, ele era o único negro. “O Brasil é racista, como a maioria dos países da Europa”, advertiu, para completar: “Afirmo que não houve racismo na lista de escritores convidados”.
O autor de Cidade de Deus não poupou o vice-presidente da República, Michel Temer, que discursou – e foi vaiado – na abertura do evento alemão. O peemedebista elogiou sua própria participação na Constituinte de 1987/1988 e revelou ter escrito um livro de poemas. “A poesia é coisa séria e não se dá com qualquer um”, ironizou Lins.
Daniel Mundukuru representou os índios na comitiva brasileira. Ontem, ele usou cocar e camiseta onde estava escrito “Presidente Dilma: não ignore nossos povos indígenas. Queremos conversar”. O recado se refere à política de demarcação das terras indígenas e à construção de barragens em áreas reivindicadas pelos índios.
A feira programou vários eventos extraliterários relacionados à história e à cultura do Brasil. Mundukuru participou de encontros com estudantes e falou a eles da luta dos índios por seus direitos.
Renato Lessa, presidente da Fundação Biblioteca Nacional, considerou válidas as manifestações dos escritores em Frankfurt, ressaltando que o Brasil é democrático e preza a liberdade de opinião. “Minha geração arriscou a vida para que essa liberdade fosse conquistada”, declarou. (Com agências)
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