sábado, 19 de outubro de 2013

Chama que não se apaga - Carolina Braga

Chama que não se apaga 

Casado nove vezes, Vinicius de Moraes viveu intensamente o que cantou nos versos do Soneto da fidelidade, com paixões intensas que duravam a eternidade do momento 

Carolina Braga

Estado de Minas: 19/10/2013


 (Arquivo EM)


...Para viver um grande amor,
primeiroÉ preciso sagrar-se cavalheiro
E ser de sua dama por inteiro
Seja lá como for...


Vinicius e Gesse Gessy, casamento que levou o poeta de mala e cuia para a Bahia de Todos os Santos     (Geraldo Viola/O Cruzeiro/EM - 11/8/71)
Vinicius e Gesse Gessy, casamento que levou o poeta de mala e cuia para a Bahia de Todos os Santos


Se há algo com que todas elas concordam é que Vinicius foi um amante inesquecível. “Até que tentei ter outros, mas vi que ia ser difícil. Nenhum deles tinha estrutura para suportar o Vadinho da minha vida”, brinca a baiana Gesse Gessy em referência a Dona Flor e seus dois maridos, de Jorge Amado. Com a assessora de imprensa Gilda Mattoso não foi diferente. “Eram raros os momentos em que a gente se separava”, lembra a carioca. Pelo que elas contam, com Vinicius de Moraes era sempre assim. Uma vez fisgado pela paixão, vivia com toda intensidade, até o fim.

Foram nove casamentos: com Beatriz Azevedo de Mello, conhecida como Tati de Moraes; Regina Pederneiras; Lila Bôscoli; Maria Lúcia Proença; Nelita de Abreu; Cristina Gurjão; Gesse Gessy; Marta Regina Santamaria; e Gilda Mattoso. Se cada relacionamento teve, obviamente, suas particularidades, relatos variados permitem concluir: ele sempre era tomado por uma espécie de paixão avassaladora. Imortal, posto que é chama. Mas infinita enquanto durava.

“Ele falava que não tolerava gente mesquinha, porque quem era mesquinho com coisas materiais era também com o sentimento. Era intenso em tudo”, diz Gilda. Eles se conheceram em Paris. Ela, 39 anos mais nova, há seis vivia na Europa, entre Inglaterra, Itália e França, trabalhando como tradutora. Já era acostumada a uma vida sem rotinas, mas Vinicius radicalizou.

“Era uma vida muito boa ao lado dele. Muito rica, original. Ele detestava rotina, cada dia queria fazer uma coisa diferente. Costumava dizer que nem a barba fazia do mesmo jeito”, lembra a assessora. A diferença de 39 anos nunca aparecia. “Sempre fui tiete da poesia dele e, de repente, me vejo casada com ele”.

O pedido propriamente dito foi feito nos bastidores do show que ele fazia com os amigos Tom Jobim, Toquinho e Miúcha, em 1978. Gilda Mattoso trabalhava na produção do espetáculo. “O Vinicius era o último a entrar. Fui buscá-lo no camarim e no caminho se declarou, fez o pedido e entrou no palco. Me deixou ali. Já imaginava, porque estava rolando um clima. Depois disso, nunca mais nos separamos”, recorda.

Parte da vivência ao lado do Poetinha, Gilda registrou no primeiro capítulo do livro Assessora de encrenca (2006), no qual conta os bastidores de sua experiência profissional ao lado de grandes nomes da música brasileira, como Gilberto Gil, Elis Regina, Cazuza e Ney Matogrosso, entre outros. Gilda tem sido procurada por jornais da Itália e da Espanha para falar sobre o ex-marido. “Em momentos assim, ao mesmo tempo que acende muito a saudade, também amansa. Alegra ver a abrangência da obra dele”, conclui.

Paixão baiana

Eles cortaram os pulsos e misturaram os sangues. Foi em um ritual cigano que, em 1969, a baiana Gesse Gessy formalizou sua união com Vinicius de Moraes. Dizem que foi por causa dela que o poeta teria se mudado de mala e cuia para a Bahia. Também comenta-se que veio dela o lado afro do preto mais branco do Brasil. Gesse garante que tudo não passa de mito.

“Sofri muito por ser acusada de levar Vinicius para a Bahia, de tirá-lo da intelectualidade. Falaram que ele estava vivendo feito hippie”, lembra. Para colocar os devidos pingos nos is e contar a sua versão, a artista baiana lança amanhã o livro Minha vida com o poeta, em que detalha a experiência ao lado do artista.

Gesse e Vinicius se conheceram em uma pizzaria carioca. A atriz decidira passar alguns dias na casa de amigos e, por sugestão de Maria Bethânia, foi ao local onde o poeta estava. “Falei que não queria ir, porque festa de intelectual é coisa chata”, diverte-se. Desde o momento em que colocou o pé no local, Gessy percebeu que havia causado algo. “Parecia que ele tinha tomado um choque elétrico. Mas não dei muita trela. Conhecia a fama dele.”

A vida pregressa do autor do Soneto da fidelidade não foi o bastante para mantê-la afastada dele. Vinicius tanto fez que combinou com Bethânia uma chance de ficar sozinho com Gessy e mandou ver. “Ficou conversando e disse que me levaria em casa. No meio do caminho resolveu parar em uma boate que chamava Number One. Só o Luizinho Eça estava lá. Vinicius debruçou no piano e começou a cantar. Aí você vai se envolvendo. Não sou insensível. Fui prestando atenção e vendo que tudo aquilo era para mim”, conta.

No dia seguinte ao primeiro encontro, Gessy recebeu flores de hora em hora. Ela voltou para a Bahia e logo chegou o convite para se encontrarem em Montevidéu. Dali em diante, não se separaram mais. “Até 1976, foi muito, muito, muito intenso. Era muito companheiro”, diz. Gessy lembra com saudade os dias em que saíam do Rio de Janeiro e vinham a Belo Horizonte só para comer no Restaurante Tavares. “Ele fazia todos os meus caprichos”. As memórias de Ouro Preto também são as melhores possíveis. Tanto que o lançamento do livro em Minas será lá, no mês que vem.

Eles se tratavam de “filhinho” e “filhinha”. Quando Gessy o chamava pelo nome, já chegava de mansinho. A cena era comum quando ele exagerava na bebida, o que deixava a mulher furiosa. Em Minha vida com o poeta a baiana elenca os 10 melhores porres do ex-marido que presenciou. Ela garante que narra os casos sem julgamentos.

Gesse Gessy chama a atenção para o fato de o romantismo do ex-companheiro ser algo em extinção. Além de deixar poesias escritas em lingeries e peças de roupas, também era comum encontrar surpresas dentro da xícara do café da manhã. “Quando levantava, tinha uma flor, um poema. Cadê o homem que está fazendo isso hoje?”, pergunta.

As mulheres do poeta

Beatriz Azevedo de Mello
Conhecida como Tati de Moraes, casou-se com o poeta em 1938, por procuração. Ele estava em Oxford, na Inglaterra, onde cursou línguas e literatura. Foi uma grande incentivadora intelectual de Vinicius, dando força para que ingressasse na carreira diplomática. Ficaram 11 anos juntos e tiveram dois filhos, Susana e Pedro. Separaram-se em 1950.

Regina Pederneiras
Arquivista do Itamaraty, manteve relação com Vinicius, entre 1945 e 1947. No período, ele ainda estava casado com Tati, que descobriu e posteriormente perdoou o marido.

Lila Bôscoli
Tinha 19 anos quando foi apresentada ao poeta pelo escritor Rubem Braga, que teria dito: “Lila Bôscoli, Vinicius de Moraes. E seja o que Deus quiser”. Viveram sete anos juntos, tiveram dois filhos: Georgiana e Luciana. Se separaram em 1957.

Maria Lúcia Proença
Sobrinha do romancista Octávio de Faria, Maria Lúcia conheceu Vinicius ainda na adolescência.
Se reencontraram 18 anos depois e, mais uma vez, foi difícil conter a aproximação. Ela era casada e decidiu se separar do marido para viver com Vinicius.

Nelita de Abreu
Em 1963, Vinicius trocou Lucinha por Nelita. Namorada de um aluno de poesia dele, não resistiu aos galanteios do professor. Quando secasaram, ela tinha 18 anos. Ficaram juntos até 1969.

Cristina Gurjão
Pivô da separação com Nelita de Abreu, Cristina Gurjão teve relação tumultuada com o escritor. Quando estava grávida de cinco meses, descobriu a traição de Vinicius com a baiana Gesse Gessy e tentou matar o poeta. É mãe de Maria, caçula do poeta.

Gesse Gessy
Vinte e seis anos mais nova que Vinicius. O poeta se encantou à primeira vista e logo fez a proposta para que se encontrassem no Uruguai. Casaram-se em um ritual cigano e por decisão de Vinicius, decidiram morar na Bahia. Ficaram juntos sete anos.

Marta Regina Santamaria
A argentina conheceu Vinicius em um show em Punta del Este. Ela foi até o camarim e, como em outras vezes, ele se apaixonou de imediato. Viveram entre o Uruguai, onde ele tinha uma casa de veraneio, e o Rio de Janeiro. O relacionamento durou dois anos.

Gilda Mattoso
O último casamento do poeta. Ela era 39 anos mais nova que Vinicius. Eles se conheceram em Paris, onde o poeta a pediu em casamento. Ficaram juntos até a morte dele, em 1980.

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